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sábado, 2 de março de 2013

Segredos íntimos (2006)

Segredos íntimos (Ha-Sodot , 2006)
Direção: Avi Nesher. Com: Anya Bukestein, Michal Shtamler e Fanny Ardant. 
Nota: 9

A cultura israelense ultra-ortodoxa nunca foi segredo pra ninguém no mundo. Bem como o papel quase nulo de altivez que tem as mulheres dentro desta cultura. Uma dessas muitas mulheres é Hadar Galron, uma inglesa que se definiu como "ortodoxa e uma feminista corajosamente franca". Hadar é nascida em Londres e contribuiu progressivamente no roteiro de Avi Nesher, um dos mais aclamados diretores do cinema de seu país. Desta parceria surgiu o impressionante Segredos íntimos, filme que expõe com muita fidelidade a busca pela individualidade feminina diante da complexa corrente machista do judaísmo.

O longa acompanha a trajetória de Naomi (Anya Bukestein, belíssima), uma garota extremamente inteligente e dedicada à família que foi prometida em casamento ao melhor discípulo de seu pai, um conceituado rabino.  Após a morte de sua mãe, Naomi convence o pai a ir estudar em um seminário para moças em Safed e é aí que começa sua louvável mudança de personalidade. A garota de olhar triste e frases feitas chega ao seminário carregando consigo não só o título da mais inteligente, como também da mais arrogante da turma por ter um conhecimento além do apropriado para sua posição. Ela se une as carismáticas Sigyi (Dana Ivgy), uma fanática em busca de perdão pelos pecados da juventude; e a gordinha Shanyi (Talli Oren) , responsável pelos momentos cômicos da trama. O impacto de sua mudança geográfica se torna mais contundente depois que conhece Michele (Michal Shtamler), uma garota de espírito indômito que veio da França internada pelos pais em busca de disciplina. Michele é diferente de tudo que Naomi e as outras colegas conhece. Ela fuma, não cumpre horários e está sempre desafiando as regras daquele que define como "lugar atrasado". Ambas passam a chamar a atenção da mentora do local, que dentre livros e lições, tenta passar ocultamente a mais relevante delas. Mudar a condição inferior das mulheres regida por uma lei bíblica de mais de 2 mil anos. A revolução silenciosa proposta por ela tinha como objetivo formar uma rabina ainda naquela geração e Naomi era uma candidata em potencial. 

A jovem promissora começa uma amizade de idas e vindas com Michele e aos poucos o jeito liberal da moça de costumes europeus, muda sua face e num simples ato de sorrir, seu jeito de encarar a vida. A repressão havia causado em Naomi uma incapacidade agoniante de não se emocionar. A rebelião íntima começa quando ambas são enviadas à casa da misteriosa Anouk (Fanny Ardant), uma mulher cujo passado é marcado por paixões e morte. Anouk deseja o perdão de Deus por seus pecados que incluem o abandono dos filhos e um assassinato. Ela retornou ao seu país em busca desta redenção espiritual, uma vez condenada pelos médicos. Depois de ter a porta fechada pelos religiosos do lugar, ela procura as jovens do seminário que segundo ela, parece ter o mesmo conhecimento neste campo dos homens. A amizade entre os três vértices deste explosivo triângulo de personalidades se desenrola a brilhante narrativa da obra. O envolvimento das personagens rende momentos inesquecíveis em meio a sessões de fortalecimento espiritual através da Cabala  regida com maestria pela promissora rabina. A troca de experiências desta relação fortalece ainda mais a energia única de Naomi, que dispensa seu noivo machista, rompe com as tradições impostas pela família e segue seu curso de evolução. 

O que mais chama atenção na obra de Nesher é a ousadia de ir a fundo na discussão de um tema tabu para os parâmetros de sua cultura. Uma mulher sendo colocada na mesma condição que os homens, com o caminho aberto das oportunidades de evolução social e intelectual. A ousadia é destacável, mas não devemos esquecer que sem um roteiro fascinante, uma história instigante de personagens heterogeneamente empáticos, nada disso seria tão bem aproveitado. As mudanças de rumo das personagens na constante busca por um ideal de vida também é colocada de forma brilhante. Naomi buscava a firmação que já tinha Michele quando no fim, é Michele quem descobre que o que mais desejava era a tradição de mulheres sábias que constroem um lar prontamente ignorada por Naomi. A pungente química das jovens Bukestein e Shtamler vão de encontro com a naturalidade de suas interpretações que amparadas pelo talento da estrela Ardant, transforma água em vinho com uma miraculosidade divina. As coadjuvantes seguem o mesmo curso, marcando personalidades distintas dentro do seminário num acabamento que envolve o espectador do início ao fim. A trilha sonora é de uma beleza extasiante. 

O texto primoroso vai passeando seguramente por diálogos tensos, delicados e cômicos. Nada é chato e cansativo, e muito menos desprende as pessoas de sua religiosidade. Um tema forte como esse exposto gera mesmo algumas controvérsias de avaliação. Não trata-se de um filme que abusa de críticas religiosas, pelo contrário, o emaranhado de seguimentos neste campo se faz presente da forma mais justa e respeitosa possível, recorrendo acima de tudo a escolha dos envolvidos neste processo. E muito menos de temática lésbica, como é erroneamente classificado. Ele explora com mais felicidade o lado da resistência feminina contra a opressão machista do que a sexualidade das personagens principais. O breve envolvimento romântico afetivo entre Naomi e Michele é mais uma consequência desta batalha de libertação individual do que uma clamor lésbico em si. Neste caso, o final decepcionante para a parcela homossexual direcionada é pouco justificado, porém escorrega quando afirma textualmente que "o tradicional às vezes é o mais correto".  

Nesher e Hadar conseguiram nesta obra de raro apreço explorar com sensibilidade e precisão a força da mulher do outro lado da moeda de uma cultura pouco explorada com tamanho êxito. O fato das personagens serem jovens e se encontrarem no sopé da montanha de formação moral, ajuda na caracterização de cenas menos densas quando se trata de polêmica. O espírito jovial na alegria dos cânticos está presente e minimiza este afronto. O ponto positivo do filme poderia apenas se valer de seu tema, contudo, o capricho com que tudo foi produzido deixa qualquer um dentro e fora desta cultura satisfeitos com uma obra intimamente obrigatória. Para quem aprecia temas de grande alcance, certamente um projeto de tirar o solidéu. 

2 comentários:

  1. adorei o filme ,para ficar ótimo tem que ter a segunda parte de segredos.

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    1. muito bom mesmo! Eu o conheci por acaso, quando uma vizinha me emprestou o DVD. Devo confessar que demorei muito em ver, mas valeu a pena depois. Me apaixonei!

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