A arte de defesa contra as trevas da ignorância e do preconceito foi sua aliada durante um bom tempo. E embora pudesse parecer que estava no caminho certo em se dedicar inteiramente aos estudos, no fundo de seu exílio particular, lhe faltava algo. A paixão não correspondida pelo colega Ronald Weasley (Rupert Grint) colocava em xeque toda sua onipotência. Desta paixão fez-se uma fissura na armadura, deixando-a irritantemente vulnerável. Com a chegada do famoso Harry Potter (Daniel Radcliffe) a Hogwarts, parte de suas necessidades foram supridas. A relação com Ron Weasley mudou de sentido, passando a se conhecerem melhor mediante os perigos que uma amizade com Harry possa acarretar.
Com o garoto que sobreviveu ao Lorde das trevas, desenvolveu uma mística parceria imprescindível para esta batalha. Uma parceria tão perfeita que traduz com exatidão a máxima de que para todo grande Herói existe aquele aliado fundamental. A pessoa que o ajuda a carregar o fardo que sua posição obriga. Clark Kent e Chloe Sullivan de Smallville e Frodo Bolseiro e Sam Wise Gandhi de O Senhor dos Anéis, são exemplos atuais do sucesso do entrosamento entre o Herói e seu chamado braço direito. Inclusive, Frodo e Sam seriam os personagens de J.R.R.Tolkien que teriam influenciado J.K.Rowlling a difundir os laços de amizade entre os poderosos bruxos, uma vez que a autora parece ter bebido da fonte de O senhor dos Anéis em algumas passagens de sua saga. Hermione estaria para Harry assim como Sam para Frodo. Contudo, para os fãs, não importa de onde veio a inspiração, pois o importante é o que esta inspiração trouxe de benéfico para eles. Hermione mostrou ter muito mais em comum com Harry que a inicial do nome, chegando a se equiparar, ou superá-lo em alguns aspectos por vezes. Harry dizia que Hermione seria uma bruxa muito melhor que ele, e ela, para retribuir a gentileza não se cansava de exaltar sua coragem. “Eu, livros e inteligência. Mas há coisas mais importantes. Amizade e coragem”, disse ao amigo certa vez.
Enquanto isso, Ron seguia à margem, relutando em ouvir a voz de seu coração, mesmo diante de cada façanha realizada por ela. De estranha em primeiro instante, Hermione passou a ser brilhante perante seus olhos do rapaz a cada vez que exibia suas “mágicas soluções” a fim de escaparem das inúmeras enrascadas que se envolviam. Com seu vasto conhecimento do mundo dos trouxas arquitetou fugas oportunas de um local para outro em frações de segundos. O que para a maioria dos bruxos seria uma fraqueza (não ser de sangue puro), para ela definia sua personalidade e deixava sua força mais evidente. É aí que se fundamenta a importância em ser diferente. Poder contribuir a seu modo na luta contra o Mal.
A coragem do menino Potter e o altruísmo do menino Weasley, só ganharam altivez com as qualidades latentes de Granger. Em cada desafio, a amizade entre eles se cristalizava. A jovem bruxa era o eixo principal que os unia. Ela estava sempre apostos toda vez que o perigo rondava seus amigos. Sua lógica perspicaz, sua notória inteligência, coragem onipresente, dedicação inflexível aos estudos, força de caráter singular, se acentuaram consideravelmente com o passar dos anos. Tudo isso mediante a um propósito: tornar-se o pilar inabalável de Harry Potter em sua Guerra contra Voldemort. Foi os olhos do amigo, guiando-o pelas mãos por diversas vezes em cada sequencia. O escudo que o protegeu de um terrível destino. Se tivessem sido criados por J.R.R.Tolkien, se veriam juntos numa jornada igualmente perigosa, com o menino bruxo afirmando: “Harry não teria chegado tão longe sem a Hermione”. Como reafirmou Ron Weasley de J.K.Rowlling, “A gente não ia durar dois dias sem ela”. E o ruivinho nenhum dia a mais sem ela. O casal fofo da saga finalmente se acertou mediante ao perigo eminente do fim do mundo. Conseguiram fundir a admiração dele para com ela, e o amor dela para com ele.
Mais que uma peça fundamental na batalha do Bem contra o Mal em Hogwarts, Hermione Granger é um típico modelo de heroína atípica, dotada de qualidades notáveis e defeitos aceitáveis. Uma personificação mais que perfeita da amizade incondicional, lealdade catedrática e do amor sublime. Três das maiores Relíquias da Vida de Hermione Granger. A maior das relíquias de Harry Potter.
A OITAVA HORCRUX NO CAMINHO DE HARRY POTTER
É ingrata e perigosamente propensa a erros a missão de adaptar uma obra literária. Perante este desafio, diretores e produtores de cinema tendem a ter cautela e discernimento a obter o mesmo êxito dos livros. É preciso fazer com que o público virgem das páginas, tenha acesso à sua história por meio das telas, mesmo que na forma adaptada. Impedir que todos sintam a necessidade de sair dos cinemas para uma biblioteca mais próxima a fim de entender o que viram.
Sucessos de público e crítica nos últimos tempos, filmes como O Código da Vinci e O Senhor dos Anéis são exemplos extraordinários de que uma boa adaptação literária pode também se tornar um grande sucesso cinematográfico. Ambos transpuseram para as telas a mesma emoção dos livros, criando uma forma de entretenimento bem acessível àqueles que não se dispõem a se enveredar pelos caminhos das páginas. É possível apreciar a estes filmes sem nem sequer ter ouvido falar em Dan Brow ou J.R.R.Tolkien. Este é o chamado público leigo, ou seja, aqueles que apenas desejam assistir a um bom entretenimento, sem a obrigação de conhecer a fundo suas origens. Uma fórmula que costuma funcionar bem quando a preocupação em realizar obras de qualidade supera o fato de ter que repetir a qualquer custo (lê-se: lucrar) o sucesso dos filmes anteriores.
Fenômeno criado pela escritora J.K.Rowlling, Harry Potter parecia deitar eternamente em berço esplêndido desde seu primeiro longa até que o passar dos anos trouxeram um sucesso tão imenso que o poder das telas mutilou o poder das páginas. Nestes quase 10 anos o fenômeno atingiu as salas de projeção tão rapidamente quanto aparatar de um local para outro. E foi justamente isto que fez com que as últimas sequências deixassem a desejar. A pressão dos grandes estúdios com contratos sumariamente assinados culminou com a falta de tempo hábil para realizar com mais “capricho” os filmes que viriam a fechar as lacunas deixadas pelos antecessores.
Os protestos dos fãs tornaram-se constantes, diante de uma adaptação equivocada ou de um proeminente adiamento da data do último filme. Além disso, detalhes primordiais para o fechamento da saga se perderam em meio a roteiros condensados, muitas cenas de ação e de pouca relevância.
Uma adaptação não condizente com as páginas dos livros é um fato bem aceito, pois se trata de licença poética ou pura necessidade dos produtores. Mas quando forças maiores do que a arte interferem de maneira nociva no bom andamento de uma obra é de se lamentar. Assim, a fase mais madura da vida de Harry Potter e seus amigos (certamente a mais interessante), permaneceram na penumbra de um emaranhado de “como assim?” e “porquês” para quem leu os livros. Já para quem nunca tiveram em mãos as aventuras literárias do menino bruxo, sentiu-se perdido em alguns momentos assistindo aos capítulos derradeiros da maior franquia do cinema.
O ápice da saga, o mais esperado, aquele que finalmente traria as respostas almejadas, decepcionou seu vasto público depois de tanto tempo de espera. Harry Potter e as Relíquias da Morte – parte 2 já nasceu com a expectativa de ser o melhor de todos eles. Aquele que fecharia magistralmente a fascinante história de K.Rowlling. No entanto, as muitas sequências infundadas do thriller, a desvalorização de alguns dos personagens relevantes da saga, a confusão em relação à associação das Relíquias da Morte com as chamadas Horcruxes, transformaram toda a expectativa em frustração. Equívocos que respingaram até no embate final entre Harry e Voldemort. O poder do personagem soberbamente interpretado por Ralph Fiennes se esvaiu bem antes do esperado confronto, como ressalta Preview: “O personagem de Ralph Fiennes amedronta menos que sua cobra gigante assustadora”. Uma pena!
Se a última sequência do Lorde das Trevas foi sonolenta e sem empolgação, então o que dizer do fim da tresloucada Bellatrix Lestrànge (Helena Bonham Carter)? Uma das grandes vilãs da trama, a perversa prima de Sirius Black (Gary Oldmam), não merecia um fim tão patético. Vamos precisar do feitiço de Obliviate para esquecer a cena brindada com um erro de continuidade gritante! No fim de tudo, mais surpresas. Ruins, claro. A sequência final do trio de Heróis bruxos, regada a casamentos e herdeiros, transformou o filme em uma boa novela.
Harry Potter e as Relíquias da Morte – parte 2 só não foi uma decepção maior por conta da esplêndida atuação de Alan Hickman como o indecifrável Severus Snape. O intérprete do rabugento professor de Hogwarts roubou merecidamente, todos os holofotes para si, equilibrando perfeitamente as forças de seu personagem.
Seja por meio dos livros ou pelas telas do cinema, o público que aprecia uma boa forma de entretenimento, busca sempre pelo melhor. E merece o melhor. Obras adaptadas devem ter a missão de antes de tudo, agradar o espectador em todos os níveis. Esta missão só se dá com exatidão quando se preocupam em fazê-lo com paixão pela arte e não visando apenas os enormes frutos que contratos milionários podem gerar. Uma Horcrux poderosa, onde se oculta a parte mais soturna da alma do cinema. Tão poderosa que nem o famoso Harry Potter pôde destruir.