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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Dez grandes filmes que não levaram o Oscar de melhor do Ano

Toda época de premiação é sempre a mesma história. Polêmicas da lista de concorrentes e vencedores. E uma coisa é certa. Nem sempre o filme que mais chamou a atenção do público ou da crítica daquele ano, é o que leva pra casa a famosa Estatueta dourada. Alguns nem chegam a ser indicados. 

Assim selecionamos 10 desses filmes que não venceram na categoria de melhor do ano:


1 – Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941
Apontado por vários críticos de cinema como o maior filme de todos os tempos, entrou na história pelo fato de ser o primeiro filme a utilizar recursos originais em sua produção. O responsável por este feito atendia pelo nome de Orson Welles, o jovem de 25 anos que teve uma ousadia singular para a época. Dirigiu, produziu e protagonizou o filme. O roteiro original se inspirou na história de um poderoso magnata americano. O filme já começa intrigante e prendendo a atenção do público quando se inicia pelo fim, num recurso criativo da montagem alternativa copiada exaustivamente em produções posteriores.


A história era simples para os padrões de hoje, algo que se contrapõe a grandeza de um filme tecnicamente perfeito. Charles Foster Kane (Welles) era apenas menino pobre quando foi adotado por um famoso banqueiro. Rico, torna-se um dos maiores nomes das indústrias de comunicações do país. Engaja-se no meio político e cria um verdadeiro império megalomaníaco. Uma vida de conquistas profissionais que termina com ele, solitário em sua mansão paradisíaca, balbuciando sua última palavra. Rosebud torna-se então, o grande mistério para quem está do lado de fora e de dentro do filme. Indicado a 9 Oscars, só venceu o de Melhor roteiro original, perdendo na categoria de melhor filme para Como era verde o meu vale. 



2 – Cantando na chuva (Singin' in the Rain, 1952
“Dignidade. Dignidade sempre.” A frase proferida pelo protagonista nos primeiros minutos deste clássico musical traduz bem o que significa a arte de se fazer cinema. O filme, ou melhor, o show de coreografias em ritmo alucinantes, traz uma mensagem relevante sobre o inebriante mundo do cinema e suas estrelas egocêntricas. No filme, atores tentam se reinventar com o fim do cinema mudo. Na era das palavras, as expressões faciais dão lugar às vozes e ao verdadeiro talento de representar. Porém, este chamariz não nos prende a um filme carregado que o tema poderia conduzir.



Pelo contrário, é sem dúvida, o musical mais alegre e divertido de todos os tempos. Uma história que mescla romantismo e comédia com uma perfeição antológica. Entre os inesquecíveis passos de dança do protagonista Don Lockwood (sensacional Gene Kelly) e de seu inseparável companheiro, vemos uma talentosa atriz Kathy Selden (Debbie Reynolds) e a mais cômica de todas as vilãs do cinema. Jean Hagen interpreta com maestria Lina Lamont, a estereotipada “loira-burra”, que brilha entre uma piada e outra. Um filme que traduz a alegria do cinema e que dificilmente será esquecido por todos os tempos. Indicado a 2 Oscars de melhor Atriz coadjuvante e trilha sonora, conseguiu mais uma proeza (dessa vez negativa). Não ser indicado na categoria melhor filme! Assim o caminho ficou mais fácil para o vencedor, o filme O maior espetáculo da Terra. 


3 – Laranja mecânica (A Clockwork Orange, 1971
Quem nunca desejou pegar um bandido de alta periculosidade e transformá-lo em um cidadão exemplar? Esta foi a proposta do bombástico filme que o brilhante diretor Stanley Kubrick adaptou para o cinema como um mecanismo perfeito entre ficção- realidade, música-cinema. Classificado como ficção, o filme retrata um grupo de cientistas do Governo que tem a missão de fazer com que um jovem extremamente violento tenha uma segunda chance no convívio com a sociedade vítima de seus atos puramente insanos. Mas também podemos classificá-lo como algo real quando passamos a refletir a respeito de um assunto relevante nos dias de hoje.


A violência exacerbada, quase insuportável do filme chocou muita gente na época. Hoje, esta mesma violência nos mostra a cada dia que não é apenas coisa de cinema, tornando-se onipresente na sociedade atual. Mas não foram somente estes elementos que marcaram a obra-prima de Kubrick. As imagens impressionantes, a música arrebatadora de Beethoven, a moda e a linguagem usada pelos Drugs (o grupo de amigos violentos) ainda exercem uma inexplicável atração no público. Indicado a 4 Oscars, perdeu na categoria melhor filme para Operação França. 

4 – O Exorcista (The Exorcist,1973) 
O maior clássico do cinema de horror teve sua origem em fatos reais. Isto torna o filme de William Peter Blatty algo inesquecivelmente assustador. Nele, uma mãe (Ellen Burstyn) se muda com a filha Regan (Linda Blair) para uma estranha casa a fim de recomeçar. No entanto, neste processo, a vida logo se transforma em prenúncios inquietantes de morte. A relação cambaleante entre mãe e filha é interrompida abruptamente por forças sobrenaturais inexplicáveis quando Regan passa a ser dominada por um espírito das trevas. Para ajudar sua filha, a mãe recorre a médicos e exames antes do apelo desesperado por um poder tão maior quanto a que elas estão confrontando. O arauto da salvação vem na força personificada pelo destemido padre Merrin (Max Von Sydow), o “herói” da família.


Com sequências tão arrepiantes quanto inesquecíveis, o filme se difere dos outros do gênero por inserir uma história dramática pautada em conflitos pessoais metaforicamente maximizadas nas cenas de terror solo da menina Regan, e assim fazendo cinema de primeira grandeza vivenciada por um elenco bem dirigido em atuações ricas e convincentes. O primeiro do gênero a ser indicado a melhor filme, mesmo perdendo para Golpe de Mestre. Indicado a impressionantes 10 Oscars, venceu 2 deles (roteiro adaptado e melhor som). 

5 – A cor púrpura (The color purple, 1985
O livro de Alice Walker, vencedora do Prêmio Pulitzer, serviu como inspiração para o gênio Steven Spielberg desenhar uma história emocionante e puramente dramática sobre a vida da jovem Celie (Woopi Goldberg) que se torna escrava de alguém de sua própria raça. A vida nunca foi fácil pra ela, primeiramente por ter que abdicar precocemente aos sonhos e aspirações de alguém tão inteligente e sensível. Vendida pela mãe a um Senhor cruel, ela tem sua vida transformada num verdadeiro Inferno quando é separada de sua irmã. Depois de anos de mal tratos e humilhações, Celie encontra duas mulheres de personalidade forte (Margaret Avery e Oprah Winfrey, ambas indicadas ao Oscar na categoria atriz coadjuvante) que a ajuda a construir algo seu e recuperar não só sua família, mas como também sua própria vida.


Classificado por muitos críticos como uma “verdadeira novela mexicana”, o filme pode ter perdido força neste sentido, afinal, para muitos, novela e filmes não se misturam, é quase um ultraje! Ainda assim, com atuações poderosas, arrancou 11 indicações ao Oscar, mas saiu de mãos abanando como uma das maiores derrotas da história, perdendo na categoria melhor filme para Entre dois amores. 


6 – Mississipi em chamas (Mississippi Burning, 1988
Dirigido por Alan Parker, a trama gira em torno das investigações de dois agentes do FBI acerca do desaparecimento de dois garotos dos Direitos Civis no Mississipi. A chegada de Anderson (Gene Hackman) e Ward (Willem Dafoe) à pequena cidade, aumenta ainda mais as tensões raciais do local, que fingem aceitar as Leis Federais, mas acabam criando suas próprias Leis de intolerância e racismo, influenciadas pela por membros da organização criminosa chamada Ku Klux Klan. O mais curioso é que estes mesmos membros são em sua maioria, da Polícia local. Em outras palavras, a Polícia é a Lei do lugar e infelizmente a Lei só se dirige aos brancos, deixando os negros marginalizados em todos os quesitos.


É uma boa radiografia histórica dos anos 60 em pleno movimento dos Direitos Civis nos EUA. A questão do racismo é inserida como uma herança cultural dos tempos de escravidão. Segregação que se aprende desde criança, em cartilhas escolares. É um clássico do cinema por mostrar e nos fazer refletir sobre algo que a história tenta esconder, a humanidade tenta avançar, mas infelizmente não consegue. Um filme com um roteiro gradual, bem minucioso e de ótima apreciação com atuações seguras. Indicado a 7 Oscars, venceu apenas na categoria melhor fotografia, perdendo na de melhor filme para Rain Main. Reza a lenda que alguns votantes boicotaram o filme por considera-lo tendencioso demais. 

7 – Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993
Bem-vindo ao Parque dos dinossauros! O letreiro do enorme portão de entrada é um convite certeiro para uma grande aventura. Tão grande que se expressa pelas palavras sarcásticas do professor Malcolm (Jeff Goldblum) quando brinca: “O que eles têm aqui? O King Kong?” Não, não se tratava da presença lendária fera gigante das selvas africanas. O cineasta Steven Spielberg guardava algo mais assombroso e surpreendente. Ao entrarmos pelos portões do Parque dos dinossauros corremos todos os riscos possíveis em uma aventura. Do deslumbramento inicial da visão de nossos “bichinhos” extintos, passamos pela relevante discussão sobre a influência humana nos propósitos da natureza e chegando enfim, a espetaculares momentos de pura adrenalina e terror. O fascínio causado por essas criaturas ultrapassa bilhões de anos e seu retorno às telas do cinema ultrapassou os mesmos bilhões, de dólares, onde por muitos anos foi a maior bilheteria da história. Spielberg não poupou despesas e um trabalho minucioso para a realização deste grande e ousado projeto.


A idealização ingênua de um bilionário excêntrico (Richard Attenborough) o leva a criar numa Ilha particular um parque totalmente diferente de tudo que já se construiu pelo mundo. De imediato, ele contrata os paleontólogos Dr. Grant (Sam Neill) e Dra. Ellen (Laura Dern). Junto deles um cético professor universitário (Goldblum). Quando chegam ao Parque, dá-se início então a uma das mais emocionantes, engenhosas e catastróficas aventuras de todos os tempos. O que se vê daí em diante é uma corrida eletrizante pela sobrevivência. Momentos de ação ininterruptos que deixam os espectadores atônitos em suas poltronas. As emoções variadas que ele proporciona oriundas de um roteiro brilhante, a idealização ousada e os diálogos ferinos e inteligentes. Tudo isso faz de o Parque dos Dinossauros algo tão colossal quanto o próprio King Kong. Indicado a 3 Oscars puramente técnicos, acabou vencendo todos, mas não conseguiu ser indicado na categoria melhor filme, no ano em que a Estatueta foi para A Lista de Schindler. 


8 – O resgate do soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998
Como um filme de guerra, bombas e explosões, pode ser considerada uma obra imperdível e de beleza sem igual? A resposta é uma só: Steven Spielberg. O mago do cinema nos brinda com um filme que leva às lágrimas. Tudo começa com uma sequência espetacular de quase 20 minutos numa representação da famosa batalha na praia de Omaha, no chamado Dia D quando as tropas americanas avançaram na Guerra e segue o Capitão Miller (Tom Hanks) em sua última missão com um grupo de soldados de Elite recrutados com um único objetivo: trazer de volta ao seio de sua mãe americana o destemido soldado Ryan (Matt Damon), depois que este perde seus irmãos em combate. 


Neste trajeto, os perigos eminentes de uma malfadada Guerra se apresentam da forma mais dramática possível. Batalhas sangrentas e mortais servem como pano de fundo de um roteiro bem apurado que poderia ser simples neste contexto. Mas se tratando de Spielberg sempre esperamos por mais, que consiste em adicionar cenas técnicas, estrondosas e cheias de testosterona a algo emocionante, singular, de uma beleza indissolúvel quando mostra homens da guerra antes de heróis condecorados, humanos com seus medos e inquietações diante do desconhecido. Spielberg captura as cenas brutais catapultando momentos singelos como se ouvir Piaf antes da inesquecível batalha na ponte. Indicado a impressionantes 11 Oscars, venceu 5 deles, mas acabou sucumbindo ao pragmatismo de Shakespeare Apaixonado na categoria de melhor filme. 


9 – O segredo de Brokeback Moutain (Brokeback Mountain, 2006
Amores proibidos sempre estiveram à frente das mais fascinantes histórias em Hollywood. E pensando neste poderoso mote, o visionário diretor Ang Lee trouxe para as telas uma surpreendente história entre dois jovens vaqueiros na década de 60. Ennis Del Mar (Heath Leadger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) são contratados para trabalhar no campo em Wyoming. A parceria de trabalho logo dá lugar a uma forte atração que um passa a nutrir pelo outro. Juntos, eles vivem intensas emoções dantes inimagináveis para cada um deles. Contudo, os dias de sonho são tomados pela realidade dos compromissos firmados na vida fora do campo, obrigando-os a sufocar este sentimento. Anos depois, eles passam a recorrer a encontros esporádicos no lugar onde descobriram sua paixão. 


A relutância de Ennis em assumir sua condição se explica pela violência de uma sociedade brutalizada pela ignorância. E é justamente este atenuante que põe fim a este romance inesquecível. A ousadia em fazer um filme com um tema tão polêmico entrou para a história ao superar o preconceito e derrubar os mais indissolúveis tabus. A obra tinha tudo para se tornar um estereótipo de zombaria que diariamente aparece nos programas de humor, se não fosse pela visão inteligente e sensível de um diretor que soube contar de forma genial algo bem maior que um filme de cowboys gays. Seu poder reside em mostrar o lado mítico do amor incondicional e suas razões de ser mesmo diante de tantas adversidades. Aclamado pelo público e pela crítica, foi indicado a 8 Oscars, vencendo 3 deles, mas perdendo para Crash na categoria melhor filme. 

10 - Avatar 2009
Esta impressionante obra de aventura/ficção não foi o pioneiro do CGI (imagens geradas por computador), outras produções de sucesso já haviam utilizados este método para a construção perfeita de suas obras, mas foi no filme do visionário James Cameron que ele se consolidou. As imagens perfeitas captadas impressionaram ao dar vida ao casal de nativos Jack e Neytiri. O primeiro é um soldado com limitações físicas que se vê dentro do ambicioso projeto de uma super-corporação industrial. A outra é uma princesa guerreira do Planeta Pandora. O lugar é uma espécie de paraíso botânico que esconde no subsolo uma fonte mineral de valor incalculável. Depois de vários insucessos em suas tentativas de invadir o lugar à força, o exército humano elabora um plano de invasão mais “diplomático.” O soldado Jack é inserido na tribo dos Na ‘Vi por meio do Programa Avatar. O revolucionário programa consiste em comandar telepaticamente um ser construído como semelhante aos habitantes de Pandora. Uma vez infiltrado, o soldado seria peça fundamental na realização do plano quase perfeito. Quase, porque o que eles não contavam era que seu agente duplo fosse se afeiçoar tanto à sua vida virtual, que se tornaria o principal empecilho de seu elaborado plano. 


O roteiro não é uma novidade, mas mergulhar dentro de uma emocionante aventura é algo muito mais que convidativo. A bordo de impecáveis efeitos especiais, viajamos por um Planeta desconhecido e aprendemos a admirar suas belezas naturais, as fantásticas paisagens bem como a riqueza de valores de sua fauna e flora. Uma junção perfeita de elementos que o fizeram uma das maiores bilheterias da história indicada a 9 Oscars, tendo vencido 3 deles e perdido para Guerra ao terror na categoria melhor filme. 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Boyhood (2014)

Boyhood (Idem, 2014)
Direção: Ricardo Linklater
Com: Ellar Coltrane, Patricia Arquette e Ethan Hawke
Nota: 8

Quando algo no cinema começa como um burburinho de possibilidade de ser uma coisa jamais vista, no mínimo chama atenção. Assim o diretor Richard Linklater, acostumado a esta linha de trabalho, inseriu em todos a semente de Boyhood, seu mais novo (nem tanto assim) projeto experimental de mais de 12 anos acompanhando a vida do garoto Mason (Ellar Coltrane), da infância até o momento em que vai para a faculdade. Diante desta proposta, o que vemos é o caminho pautado para que as emoções humanas das mais variadas pessoas e situações ganhassem forma. Deste ponto de vista, a sinopse é bem interessante e empolga. Contudo, mesmo sendo ousado, não foge aos problemas como qualquer filme com base nesta ideia. 

Assim como a vida real oferece um grande leque de possibilidades para ser explorada dentre sentimentos descobertos, dramas, decisões, que vem a acarretar em amadurecimento, ela também traz passagens entediantes. É normal. Linklater acertou inovar para o cinema tão carente nesta questão. Mas também pagou pelo ônus de manter o elenco original, mais especificamente as crianças, que na infância, dão um show de carisma sustentada por atuações verossímeis, tipicamente da idade de quem está levando tudo na “brincadeira”, sem aquela preocupação que tanto atormenta os adultos. O problema vem a seguir, justamente na hora H, no momento em que acontece a tão esperada passagem de tempo entre uma fase e outra. O garoto Mason que antes era imagético, se torna um jovem chato e inexpressivo. Já a menina Samantha (Lorelei Linklater), mesmo sendo escolhida por ser filha do diretor (segundo a lenda), consegue um equilíbrio melhor. Ela dá um show de naturalidade e consegue roubar os momentos iniciais do “boy” entre família. Mais adulta, a empatia inicial se esvai um pouco, mas ainda o suficiente para ter o que encher o pote até o fim. Problemas reais, mas altamente justificáveis diante de tudo que se espera de uma "obra da vida real". 

Ao optar por captar estes momentos de Mason, Linklater nos oferece tudo que vivemos na infância. Nossos livros de histórias favoritos, desenhos favoritos, ídolos, a vida escolar difícil e ao mesmo tempo cativante. Os conflitos familiares sempre presentes que na maioria das vezes causam a separação dos pais, trazendo um ambiente de dúvida e insegurança às crianças. O que se agrava ainda mais quando a mãe não faz boas escolhas na vida conjugal. Neste ponto, entra em cena Patrícia Arquette, a mesma mãe zelosa e às vezes vilã que acompanhamos no seriado Medium, o qual protagonizou neste tempo de filmagens. Assim como na obra televisiva, Arquette dá uma segurança essencial à figura de uma mãe cheias de nuances, ora boa, aquela que ama, zela, e faz tudo pela família. Ora má, aquele que corta, repreende, briga e chama atenção. E aqui sua atuação é bem atenuante, pois se em Medium ele dividiu estes deveres com o marido, interpretado por Jake Weber, no filme é mãe solteira, portanto, os desafios são dobrados. A mãe, o pai e as crianças. Tudo se resume a eles e o mundo que os cerca com o passar dos anos sob as lentes do diretor. Daí já saímos do campo da curiosidade para entrar no campo do paradoxo. 

Ao assistir a obra, me veio à cabeça as novelas do autor global Manoel Carlos com a mesma proposta. As crônicas da vida cotidiana. Com isso, entra na lista dos chamados “ame-o ou deixe-o”. Há pessoas que acham o estilo de folhetim de Maneco algo parado, monótono, cansativo e com diálogos extensos demais. E outras que apreciam este estilo como arte, algo acima das demais, uma coesão bem feita entre ficção e realidade. Em outras palavras, as novelas do autor não precisam de vilões icônicos, cenas inimagináveis e personagens exagerados. Ele apenas procura mostrar as pessoas como são em suas relações no dia-a-dia, sejam elas emocionantes ou tediosas. E antes de me apedrejarem por estar comparando novela com filme, só usei este exemplo para tentar explicar o porquê de filmes como este ser tão festejado perante a crítica mesmo que para nós, pobres mortais, não demonstre nada de tão especial assim. Seja no cinema, na novela, ou na vida real, há sempre coisas novas, diferentes, que divide opiniões. Não é unanimidade.

Mason em vários momentos: vida que segue

A meu ver, Boyhood já entrou na lista daqueles filmes cults, que marcou época como algo inovador e que não poderá ser copiado, como a Bruxa de Blair lançado em 1999, que teve sua essência remontada em obras dispensáveis. Sinceramente me empolguei mais com a semente lançada por Linklater do que com o fruto colhido. Assim acontece com os filmes de grandes cineastas considerados verdadeiros gênios, mas de difícil linguagem para quem curte cinema expandindo suas preferências, incluindo os mais populares e menos aclamados. Eu por exemplo, tenho problemas com 12 Anos de escravidão, vencedor do Oscar passado que não conseguiu me alcançar como alcançou toda a crítica e seus argumentos bem enfeitados. E nunca fiz de E o vento levou um dos mais empolgantes que já assisti, ainda que tenha dado muito crédito à sua produção, apreciado o carisma e atuação dos atores, e soubesse dar importância ao seu contexto histórico bem como a grandiosidade nele inserido. Filmes assim, são vistos até mesmo pelos cinéfilos mais pungentes, pela questão de se gostar ou não, mas jamais deixando de mencionar sua força. 

Linklater me ofereceu um filme esteticamente bonito, favorito ao Oscar com algumas cenas emocionantes, a minha preferida é de quando o pai (Ethan Hawke) se nega a ser apenas o que ele chama de “pai biológico legal que sai com as crianças em fins de semanas”. Muito tocante mesmo. Portanto, ele tem méritos sim, mas seguindo a trajetória de Mason no filme, muito me lembrou momentos de minha vida como se abrisse uma gaveta, pegasse um álbum de fotografias minhas antigas e suspirasse relembrando aqueles tempos e tudo que passei para chegar à fase adulta. E depois de algumas horas, colocasse de volta na gaveta, e continuasse seguindo com a minha vida até que mais um ciclo tenha fim. É apenas isso. Algo simples, singelo, escasso de cenas sem igual, como a de Scarlett O’Hara nos campos devastados gritando “Jamais sentirei fome novamente”. 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Trilogia A Múmia: diversão e qualidade em ordem decrescente

Quando em 1999 emergiu dos sarcófagos do mundo mais uma aventura hollywoodiana, muitos apostavam que seria um remake dos famosos filmes de terror da década de 30 estrelados por Boris Karloff. Mas logo o que era terror, tornou-se um excelente blockbuster, e as comparações foram outras. A caracterização de um herói irresponsavelmente charmoso chamado Rick O’Connel (Brendan Fraser) lembrou o mítico Indiana Jones de Harrison Ford. Esta comparação no entanto, não diminuiu a essência da obra dirigida por Sthepen Sommers. Pelo contrário, só fez valer ao menos o interesse do público saudoso das aventuras do eterno Indy. 

Rick era o tipo perfeito de Herói. Bonito, corajoso e divertido, com o carisma lá nas alturas. Tudo o que precisava o oficial-Chefe de uma Expedição no Egito. Depois do fracasso de sua expedição com os americanos em 1920, ele ficou anos preso como um vagabundo qualquer. Contudo, com um segredo que mudaria pra sempre sua vida e a dos irmãos Canarhan, estudiosos da cultura egípcia. Ambos descobrem que Rick sabe a localização da lendária Hamunaptra, a chamada Cidade dos Mortos, que segundo a lenda esconde riquezas dos antigos faraós. A história chama a atenção da linda bibliotecária Evelyn Carnahan (Rachel Weisz), que segue seu irmão Jonathan (John Hannah) na possibilidade de enfim, encontrar a cidade. Eles chegam até Rick e o salva da forca em troca do aventureiro guia-los até as areias de onde escapou com vida. 

Além das riquezas mencionáveis, Hamunaptra esconde também segredos inomináveis e um deles, é a maldição da Múmia. Segundo a lenda, contada na poderosa introdução do filme, Imhotep (Arnold Voslo), o Sumo Sacerdote do Faraó Set I (Aharon Ipalé) envolveu-se romanticamente com a sua escolhida Anck-su-Namun (Patricia Velásquez). Para viver este amor proibido, os amantes planejaram se livrar do Monarca e assim o fizeram. Contudo, o plano não saiu como esperavam e Anck-su-Namun acabou sendo morta pela Guarda do Faraó e Imhotep condenado nesta e na outra vida. Ele sofrera o Hom Dai, o pior dos castigos, sendo amaldiçoado como o homem que jamsi descansaria e que se ressuscitasse traria consigo as pragas do Egito. E é exatamente o que acontece quando o grupo de Evelyn e de expedidores americanos encontram o livro dos mortos e invocam a Múmia/Imhotep, que não descansa até cumprir toda a descrição da maldição. Coube então a Rick, Evelyn e cia encontrar um meio de devolver a Múmia a seu túmulo infernal impedindo-o de trazer as trevas ao mundo e ressuscitar sua amada Anck-su-Namun. 

A Múmia foi uma das maiores surpresas daquele ano. O filme faturou o que muitos não esperavam com uma aventura, mesmo não sendo original, bem roteirizada entre personagens carismáticos e marcantes o suficiente para ter uma segunda sequência em 2001 trazendo o retorno de Imhotep e Anck-su-Namun, agora na figura de sua descendente que chefiou uma escavação com o intuito de libertar Imhotep para impedir um segundo reinado do Escorpião Rei (Dwayne Johnson). Segundo a lenda, também introduzida, o guerreiro teria recebido poderes especiais do Deus Anúbis para completar sua missão de conquistar o mundo através da violência. Após terminar sua jornada, Anúbis cobrou seu preço, tomando a alma do guerreiro, que se fosse trazido a vida novamente, ressuscitaria também o seu Exército das trevas. Mas poucos sabiam que a descendente de Anck-su-Namun queria mesmo era tornar-se de corpo e alma a amada de Imhotep e juntos trazer o terror e desolação ao mundo.

Evelyn e O'Connel e seu primeiro encontro com a Múmia:
início de uma boa história

O retorno da Múmia perdeu um pouco do encanto impactante da primeira sequência nos apresentando mais do mesmo. Personagens parecem não ter evoluído e sim apenas existido por anos. Dez anos depois, o casal Rick (Fraser) e Evelyn (Weisz) agora são pais de um moleque espevitado Alex (Freddie Boath), que entre outras travessuras, colocou no pulso o bracelete de Anúbis. Capturado pelos vilões, Alex os levaria até o Deserto no Oásis de Ham-Sher, onde se desenvolveu as batalhas mais emocionantes entre heróis e vilões. Mas até chegar a este momento, foram muitos minutos com a sensação de dejavu da primeira parte, inclusive nos bons efeitos especiais. Deve ser por isso que o filme arrecadou uma bilheteria satisfatória mesmo enterrando de vez qualquer possibilidade de vermos Imhotep e Anck-su-Namun novamente. A terceira aventura agora seria em outro país, a lendária China e sua mitologia. 

A Múmia: Tumba do Imperador Dragão estreou em 2008 e como seus antecessores foi muito bem nas bilheterias, porém distante de ser tão rico e divertido. Coube aos roteiristas Alfred Gough e Milles Millar da consagrada série Smallville o roteiro da trama. Acostumados com o público jovem como alvo, eles não economizaram na dosagem para dar ao contexto da história um ar mais jovial. A começar pelo grau da importância dada aos protagonistas da trama. Saem o casal O’Connel, e entram o filho Alex (Luke Ford) agora crescido e jovem Lin (Isabella Leong). Não que Rick (Fraser repetindo o papel) e Evelyn (agora representada por Maria Bello) sejam meros coadjuvantes, mas foi notório a passagem, ou tentativa, de passagem do bastão. Essa mudança certamente foi um dos fatores que emperraram o filme. Embora Fraser tenha conseguido emplacar seu carisma novamente mesmo com seu herói envelhecido, e Bello defendendo com muito mérito o papel de Weisz, não se salvou a trama. O carisma dos personagens originais esteve inalterado enquanto os jovens não conseguiram nem arranhar tal feito. Aliás, Bello deu a Evelyn um tom correto depois de anos e esteve longe de ser a responsável pelo fiasco como foi injustamente massacrada pela crítica. O problema estava na espinha dorsal da história confusa e cheio de furos. 

Diretor dos filmes anteriores, Sommers produziu uma aventura fraca e ilógica que tentou trazer uma versão dos mitos da antiga China. Aqui vemos o Imperador Han (Jeti Li) como o déspota que tenta conquistar o maior número de territórios e aumentar o seu poder. Sagaz, o Imperador se envolve com poderes sobrenaturais e quando se dá conta de que uma vida só não é o bastante para tudo que conquistou, ele ordena que seu mais leal General Ming (Russel Wong) encontre Zi Juan (Michelle Yeoh), uma feiticeira poderosa para lhe conceder a imortalidade. Assim que coloca os olhos na bela, Han logo pensa em possuí-la, mas ela já está encantada por seu General. Cruel, o Imperador manda assassinar Ming, mas sela seu próprio destino. Zi Juan o amaldiçoa a se tornar pedra junto com o seu Exército e se for libertado trará novamente o caos ao mundo. Passam-se séculos e séculos e o jovem Alex prova que herdou o dom de despertar múmias dos pais e uma sucessão de acontecimentos traz o Imperador de volta à China pós-guerra. 

Os elementos que funcionaram bem nas primeiras sequências, não surtiram o mesmo efeito, nos dando a sensação de que o Imperador deveria ter ficado em sua Tumba. Uma história sem pé sem cabeça na tentativa de dar (mais uma) versão mais “romântica” ao Exército de Terracota. Piadas forçadas engrossando um texto pobre e previsível, personagens que nada acrescentaram e erros de continuidade - como um feitiço em chinês arcaico ditado em inglês – não compensaram algumas boas sequências de ação e a luta entre Li e Yeoh, relembrando momentos marcantes de ambas as trajetórias no cinema. 

Entretenimento é uma parte essencial, fundamental dentro do cinema e neste propósito, A Trilogia A Múmia alcançou com aplausos o seu objetivo. Entretanto, quando se fala em uma qualidade maior de mescla de todos os elementos de uma obra, ela muito se perdeu desde que o fanfarrão Rick conheceu a intrépida Evelyn. O cinema ganhou sim uma ótima pedida, mas nada tira a sensação de que poderia ter sido melhor. Poderia ter se tornado algo tão memorável quanto os filmes de Karloff. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Garota exemplar (2014)

Garota exemplar (Gone girl, 2014)
Direção: David Fincher
Com: Ben Afleck, Rosamund Pike e Neil Patrick Harris
Nota: 8,5

David Fincher é um diretor que recorre muito a captura de imagens para abordar todos os contextos de seus filmes. A superexposição de seus personagens em cima disso, também se ecoa nesta linguagem. Foi assim em Os homens que não amavam as mulheres (2011), remake do sucesso sueco do livro de Stieg Larsson. Esta forma algumas vezes é confundida com frieza, e talvez tenha sido esta minha maior crítica em relação ao filme citado. Podemos dizer então que Fincher é um diretor “certinho” que usa e abusa de seu trabalho em montagens e fotografias, ou seja, aspectos mais técnicos, porém nunca se descuidando do roteiro, afinal, para se fazer uma montagem bem feita, é um ponto essencial. 

Tudo isso se torna sobrepujante em Garota Exemplar. A história que mais uma vez tem como protagonista uma mulher, é muito mais extensa que as características primordiais do diretor. O que seria frieza, cuidado, se torna um perfeccionismo mais humano, híbrido, ao contar uma história com mote diferente acerca do desgaste da relação a dois. O diário pessoal da esposa se mescla com perfeição à figura do marido que ganha a tela nos momentos iniciais. Nick Dunne (Ben Afleck) é um escritor que vive um bloqueio mental no trabalho. Insatisfeito profissionalmente e entediado pessoalmente com a vida de casado, ele vai se perdendo em meio a todas as dificuldades de uma relação com a imprevisível Amy (Rosamund Pike). A garota é a típica filha única, mimada ao extremo pelos pais, a ponto dos mesmos criarem uma personagem baseada na rebenta, a Amy Exemplar, que como conta o filme, fez muito sucesso como obra fictícia. A garota exemplar consegue aparar as arestas deixadas pela verdadeira Amy na vida real, como ser a capitã do time de vôlei quando ela mesma foi cortada. É como se a menina exemplar estivesse um passo à frente da mulher não realizada. Desta forma natural, somos apresentados à protagonista da trama, que se desenrola de maneira tão enigmática que é impossível de se esquecer, mesmo quando privados de sua presença em quase 1 hora de história. 

Especialista em montagens fabulosas, Fincher deixa que os flashbacks da vida a dois entre Nick e Amy tomem espaço na primeira parte do longa quando correm as investigações sobre o desaparecimento da esposa ou um possível homicídio cometido pelo marido. Vimos então o cenário de casamento dos sonhos perdendo para a rotina do dia-a-dia. O desinteresse do marido em tentar contornar a situação, optando por uma saída mais fácil ao ostentar uma amante mais jovem, e as nuances de temperamento da esposa, tão diferente a cada frase narrada. Seria ela apenas uma mulher desiludida e cansada com os rumos de sua relação ou uma vítima de um marido aproveitador? 

O caso de Amy ganha a mídia nacional com proporções que fazem inveja aos programas vespertinos das emissoras de TV aberta no Brasil. O sensacionalismo da mídia através do roteiro se desenrola num teor mais crítico com o seu poder de endeusar ou blasfemar cada um de seus personagens, e claro, manipulando a rodo a público que aguardava ansioso o desfecho do caso. Dessa forma Nick transita de suspeito de homicídio a assassino confirmado e por último, o marido arrependido. Amy, a mulher exemplar desaparecida a queridinha da América que sofreu abusos incomensuráveis pelas mãos ávidas de seu ex-namorado (Neil Patrick Harris). E ambos, de casal sob suspeita a perfeitos amantes e pais no fim dessa jornada instigante. 

O roteiro certamente é o maior trunfo do diretor para criar uma trama envolvendo suspense, humor (negro) e um pouco de drama. A Amy desaparecida dá espeço a Afleck, mas não deixa escapar a forte sombra da personagem sobre ele. Quando é revelado o grande fim do mistério em torno do desaparecimento, entra em cena a atriz numa metamorfose perfeita amparada pelo bom trabalho que provavelmente concorrerá ao Oscar. A forma com que conduz todas estas características da garota exemplar, coloca Pike como uma das grandes interpretações da história. Um exemplo de força feminina, do poder feminino. Inteligente, manipuladora, fria e calculista, bem ao estilo das femme fatales. Realmente impressionante como se dá sua transformação até pelo aspecto físico. De uma mulher amável a uma megera de primeira, a beleza física vai se esvaindo nesta miscelânea de sentimentos. Um detalhe muito interessante com certeza. Afleck não é conhecido em Hollywood por seu talento como ator, e aqui o papel cai sob medida para ele. Homem sonso, egoísta em seu mundo particular e facilmente manipulável. Sendo assim, casaram-se perfeitamente nas feições impenetráveis que necessitava a trama.

O bonitão inexpressivo Afleck e a bonitona enigmática Pike: casamento perfeito

A união entre roteiro e atores seria perfeito, se não fosse por um detalhe que infelizmente se tornou necessário dentro da trama. A quebra do fim do mistério revelando todos os truques da esposa para manipular mídia e polícia, acaba que fazendo a história em si perder um pouco da força, dando voltas demais, e assim precisando ostentar o valor inquestionável da protagonista. Neste caso, não houve o equilíbrio que faria do filme perfeito. Em outras palavras, Amy se torna maior que o filme em sua segunda metade. O início também dá algumas derrapadas, quase que deixando o suspense pender para um clima mais entediante. Contudo, pra quem resistiu até as “coisas esquentarem”, não se arrependeu, acompanhando uma história bem contada de uma mulher que mesmo não sendo tão exemplar quanto a personagem nela inspirada, consegue traduzir ao modo Fincher o que todas as mulheres são ou o que ao menos em um dia da semana gostariam de ser. Complicadas e perfeitinhas.