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terça-feira, 31 de julho de 2012

Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)


The dark knight rises, 2012. Dirigido por Christopher Nolan. Com Christian Bale, Tom Hardy, Anne Hathaway, Gary Oldman, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Morgan Freeman e Michael Caine.                                                                                            Publicado no portal acessa.com em 28/07/12

Nota: 9.3

Há sete anos Christopher Nolan resolveu encarar a terrível missão de levar de volta às telonas o Homem-morcego, que andava meio em baixa no mundo cinematográfico depois que Joel Schumacher conduziu o péssimo Batman & Robin em 1997. Porém, depois do mediano Batman Begins (2005) e do excelente Batman – O cavaleiro das trevas (2008), Nolan chega ao momento derradeiro de sua trilogia mantendo o mote que fez de seus filmes mais do que simples trilhers de super-heróis repletos de ação, a arte cinematográfica de primeira linha.

A história se passa oito anos após os acontecimentos de O cavaleiro das trevas e Gothan City goza de uma paz, que a população acredita que se deve ao sacrifício do visionário justiceiro Harvey Dent (Aaron Eckhart). Bruce Wayne (Christian Bale) vive em um auto-exílio, onde mantém Batman fora de ação, pois é acusado do assassinato de Dent. Entretanto, quando o terrorista Bane (Tom Hardy) surge como uma ameaça real e implacável, trazendo o mais puro caos apocalíptico à cidade, o cavaleiro das trevas terá de usar todas as forças para evitar o pior. Ainda contará com o fator mais importante de toda a trilogia, o humanismo.

O roteiro escrito pelo próprio Nolan com a ajuda de seu irmão Jhonatan mantém o teor claustrofóbico que conduz o espírito da saga. As dúvidas de Wayne sobre qual é seu verdadeiro papel para com Gothan não desapareceu. Para não sintonizar os acontecimentos apenas no protagonista, mais personagens com essas características humanistas são incluídos, como o policial John Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a bela ladra Selina Kyle (Anne Hathaway), que travarão batalhas internas durante todo o longa.

A dedicação com que a psique dos personagens é confeccionada dá outro nível ao trabalho do diretor. Parece que simplesmente os cria e eles ganham vida própria na película. Desde Wayne até o intrépido comissário Gordon (Gary Oldman), todos têm um alto teor realístico, o que faz o público aceitar que é possível que qualquer ser humano comum venha a se tornar um herói, simplesmente fazendo o que é o certo.

O trabalho na direção é firme e mantém uma parábola crescente desde o primeiro filme. A forma como desenvolveu uma espécie de purgatório, tanto para o herói mascarado quanto para a população de Gothan é soberba e agoniante. Nolan não tem pressa em chegar ao ápice e mantém o nível de tensão e ação altíssimos sem que tudo descambe para algo pueril. Auxiliado por uma trilha sonora inebriante do experiente Hans Zimmer e uma fotografia sombria e pulsante, sufoca o público que fica à mercê das manipulações inteligentes que se sucedem filme adentro. Pode ser que em alguns momentos o filme tende a se entregar a alguns clichês, porém são tão minúsculosperto do esmero do trabalho que passa desapercebido.

Bale se firma como o melhor de todos que ostentaram o uniforme do morcegão, pois se segura muito bem na carga dramática nos piores momentos de seu personagem. Anne Hathaway mostra que tem talento e versatilidade para encarar qualquer papel encarnando uma femme fatale que vive no limite da razão. Gordon-Levitt é a grata surpresa do filme com a dureza com que encarna o corajoso policial Blake. Mas não tem como negar que os vilões de Nolan são os melhores. Tom Hardy não decepciona e mantém a escrita e encarna um Bane cruel, que mescla a astúcia de Ra’s Al Ghul (Liam Neeson) do primeiro filme com a atitude do sociopata Coringa (Heath Ledger) em uma boa atuação, mesmo escondido atrás da máscara.

Seria uma grande bobagem comparar este Batman com seu antecessor, já que este se trata de um fechamento, e o outro é o momento mias celebre, tanto na questão técnica quanto na condução das variações dicotmicas que constituem os personagens. Outro fato que levarão os cinéfilos a questões polêmicas são fatos mal explicados, mas se pararmos por um momento, começamos a pensar que talvez fosse esta a intenção do diretor, principlamente nos momentos finais.

O Cavaleiro das Trevas Ressurge pode ser considerado uma grande metáfora para a vida de qualquer pessoa e ainda um entretenimento de qualidade inquestionável. Mas com certeza o principal resultado da empreitada de Nolan no universo Batman é a prova de que existe sim a possibilidade de fazer cinema de verdade usando os quadrinhos como fonte. Um fim absolutamente digno para uma saga espetacular, que merece ser tratada de forma honrosa pelos autos cinematográficos daqui para frente. 


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Batman - O Cavaleiro das trevas (2008)

The dark knigth, 2008. Dirigido por Christopher Nolan. Com Christian Bale, Heth Ledger, Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhall, Morgan Freeman, Gary Oldman e Michael Caine.

Nota: 9.5

O desafio de Chris Nolan era a de iniciar uma nova era do homem-morcego nos cinemas, e assim o fez com o bom, porém contestado, Batman begins (2005), que devido ser um filme transitório, mostrou algumas deficiências, tais como ocorreram nos anteriores, principalmente na parte técnica. A ansiedade de mostrar o novo Batman fez com que só se preocupasse com o roteiro, isto é, o início da saga, deixando a desejar na construção do ambiente sombrio que caracteriza o contexto do personagem. 

Agora um herói formado, Bruce Wayne (Christian Bale) enfrenta uma dicotomia da opinião pública sobre sua importância para a cidade. Quando entra em ação o insano vilão Coringa (Heath Ledger, extraordinário), que promove um caos desenfreado e promete minar as esperanças da população, o Homem-morcego precisará fazer aliados para enfrentá-lo. Terá em Harvey Dent (Aaron Eckhart) seu parceiro mais valioso, porém uma escolha de Batman mudará o rumo da história de todos à sua volta.

O brilhantismo do roteiro, muito bem adaptado por sinal, se deve ao fato de encontrarmos um Batman que necessita de ajuda, um mero ser humano que tem a seu favor apenas a vontade de ajudar os desamparados e bilhões de dólares na conta para bancar seus acessórios hi-tech. O elenco base foi mantido, só que Aaron Eckart deu uma grande contribuição ao dar vida ao intrépido Harvey Dent, pois soube dar a devida característica a cada uma de suas facetas. 

A parte técnica foi de fazer inveja a qualquer um, a alegre Chicago se tornou a sombria Gothan, as cenas de ação não se tornaram cansativas por terem, na maioria, sido filmadas em tamanho real, sem a quebra de sequência que chateia os olhos. A direção de Nolan é segura, e em momento algum deixa o público ser levado pelas excelentes cenas de ação e perca o foco de seu contexto humanístico e sombrio.

Quando o diretor encarou o desafio de inserir o vilão caótico Coringa, sabia que tinha de ser algo diferente do palhaço de maquiagem irretocável e excessivamente biruta, magnanimamente interpretado por Jack Nicholson. Começou dando uma nova configuração ao personagem, que passou a ser um sóciopata sedento pelo caos e tentando submeter a todos à desesperança que o assombrou em sua infância. Heath Ledger conseguiu incorporar o estado de anormalidade mental do vilão, irreconhecível o ator teve uma fusão com o personagem, a veracidade das maldades chega a amedrontar! Tanto que se o compararmos a Aanton Chigurgh (Javier Bardem, Onde os fracos não têm vez, 2007), outro malvado assustador, esse não passaria de um de seus capangas, mais mal-humorado e de cabelo ridículo. 

Enfim, o longa de Nolan se tornou a melhor adaptação de quadrinhos que o cinema já viu, suas oito indicações ao Oscar não me deixam mentir (recorde entre as adaptações de quadrinhos). Com um elenco em perfeita sintonia, fez um trabalhjo primoroso. Há de se lamentar apenas a morte do talentoso Ledger, que nem pode apreciar seu maravilhoso trabalho e nem ver seu Coringa se tornar o maior vilão que se tem notícia desde os primórdios da sétima arte, e também, o preconceito da Academia que não indicou o filme e nem o diretor para os prêmios principais.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Bruna surfistinha (2011)

Bruna Surfistinha, 2011. Dirigido por Marcos Baldini. Com: Deborah Secco, Cássio Gabus Mendes, Drica Moraes e Fabíula Nascimento.
 
Nota: 5
 

Deborah Secco mergulha na vida de uma famosa garota de programa e acaba tomando caldo num filme com ares de cinema privê

A ideia era interessante. Transportar para as telas os encontros sexuais da garota de programa mais famosa do país. De uma adolescência desencontrada, passando pelos bordeis até chagar as páginas interativas de seu notebook, a garota que nasceu Raquel Pacheco, contou em “O doce veneno do escorpião” sua saga como Bruna Surfistinha, aquela que se tornou a prostituta mais desejada da cidade e uma celebridade nacional.

A história começa com a jovem Raquel, filha de classe média, que opta por simplesmente odiar tudo e todos a sua volta. Num belo dia, sem nenhuma razão de ser, coloca a mochila nas costas e toma seu próprio rumo. Já com a ideia de se tornar uma prostituta, Raquel vai parar numa espelunca onde é explorada por uma cafetina nada amigável (a excelente Drica Moraes). Em pouco tempo e muito “talento”, Raquel se torna Bruna, a garota mais procurada da casa, o que desperta ciúme nas demais companheiras. Após ser expulsa do estabelecimento por uma falsa confissão de ser usuária de drogas, a Bruna se torna Surfistinha, e por meio de um blog na rede social sua vida profissional dá uma guinada tão grande que acaba caindo nas terríveis armadilhas de um sucesso meteórico. Bruna vai do céu entre fama, baladas e amigos providenciais, ao inferno de se tornar dependente de cocaína e sexo desenfreado. Ondas intercaladas entre a turbulência de uma vida pouco convencional e a calmaria no apoio incondicional de um apaixonado cliente (Cássio Gabus Mendes). É neste tempo de sobriedade que Bruna resolve escrever seu livro, onde conta suas aventuras sexuais com os mais variados parceiros em busca de nada mais, nada menos, do que prazer.

Aliás, o filme dirigido por Marcos Baldini estava mais para nada menos. O roteiro, baseado no livro citado acima, se revelou um vicioso estigma dos filmes nacionais que remetem o tema, mostrando excessivas cenas de puro sexo e luxúria, sem a mais remota preocupação em dar ênfase a uma questão mais sentimental a fim de desnudar emocionalmente a personagem. Fica sem razão de serem as questões aparentes que levaram o patinho feio do colégio em desejar vender seu próprio corpo. É como se garota de programa fosse o emprego dos sonhos de qualquer garota que deseja ser independente. Uma coisa meio Capitu de Laços de Família, com direito a final feliz no subir dos créditos.

Embora a proposta do filme seja falar sobre sexo, suas aventuras se perderam em cenas fracas de mero apelo sexual. Talvez seja este o ponto positivo do filme que acertou em cheio ao escalar a sensual Deborah Secco como protagonista. O papel recusado pela talentosa Mariana Ximenes, não poderia ter ido parar em melhores mãos. Deborah mergulha profundamente na personalidade sexual da personagem e se o roteiro ajudasse um pouco mais, poderia ir mais fundo nas emoções de sua surfistinha. Tudo fica na superfície, esvaziando um roteiro já esvaziado pela falta de uma coerência no mínimo racional. Poderia ter tomado uma vertente maior e mais interessante explorando sensivelmente um mundo que ainda é tabu na sociedade. O submundo da vida das garotas de programa. Assim, os espectadores poderiam mergulhar mais profundamente nos sentimentos verdadeiros da moça, retratados de próprio punho num diário que depois virou um best-seller.

Para os mais fanáticos (lê-se: ninfomaníacos), o filme conseguiu passar sua proposta, ou seja, sexo, sexo, e mais sexo. Mas para quem gosta de uma boa arte cinematográfica, Bruna Surfistinha está muito longe de ser algo apreciável, mesmo se tratando de um tema que exime o adjetivo. A falta de racionalidade em construir os personagens e dar uma carga mais emotiva a todas as passagens faz sua prancha boiar numa onda gigantesca de minutos que do início ao fim nos deixam à deriva.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Quanto mais quente melhor (1959)



Some like it hot, 1959. Dirigido por Billy Wilder. Com Tony Curtis, Jack Lemmon, Marilyn Monroe, George Raft, Pat O’Brien, Joe E. Brown, Nehemiah Persoff e Joan Shawlee.

Nota: 9.8

Pouca coisa em uma comédia pode ser considerada novidade, se conhecermos a filmografia de Billy Wilder e suas histórias maravilhosas. Sem se importar se iria ou não agradar o público, criou uma trama divertida e inteligente, que nasceu de um massacre e deságua em um show de situações impagáveis. Lembrada e homenageada várias vezes nas telonas ou telinhas, ainda tinha a beldade eterna Marilyn Monroe como um atrativo à parte.

Quando os dois músicos Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon, soberbo) testemunham uma chacina em Chicago, decidem se vestirem de mulher e se infiltrar em uma banda feminina rumo à Miami, para não serem também mortos. Só que o azar da dupla, o chefão mafioso que quer eliminá-los também está na cidade, e no mesmo hotel. Um festival de trapalhadas, que inclui o affair de Joe/Josephine e Sugar Keane (Marilyn Monroe), e o “namoro” de Jerry/Daphne com um senhor rico e romântico, além de um final inesquecível.

O roteiro, inspirado em um sucesso da Brodway e uma comédia alemã, foi a segunda parceria de Wilder e I. A. L. Diamond, e com todas as principais características colocadas em cena. O humor hora é ácidas, outras maleáveis e furtivas dão as caras e os sorrisos. O mote musical que conduz a presença de Sugar, é tão hipnotizante quanto o inocente sonho da moça em encontrar o amor de sua vida. O texto, que só terminou de ser escrito quase no fim das filmagens, reservava uma espécie de stand up para que todos os personagens, até os gângsteres, fizessem das suas e arrancassem no mínimo uma gargalhada do público.

O diretor acertou principalmente em fazer com que os atores se mostrassem másculos, assim as confusões que se seguiam teriam um efeito ainda mais cômico. O durão Tony Curtis parecia tão incomodado com a situação quanto seu personagem, e Lemmon ficou tão à vontade que entregou ao público uma das melhores atuações que o cinema presenciou, pela primazia com que transita entre a razão e a emoção abilolada de Jerry/Daphne. Monroe por si só já era um ícone, porém, sua forma foi prejudicada por sua gravidez (estava gordinha), o que valorizou sua atuação, onde cantou, dançou e deixou fruir naturalmente a veia cômica.

Dizem que Billy Wilder foi o maior mentiroso que Hollywood conheceu, e não era para menos. Fazer o público engolir uma história tão estapafúrdia, e ainda fazer dela a melhor comédia que se tem notícia, é mais que um trabalho de um falsário, é serviço de primeira de um gênio.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Valente (2012)


Brave, 2012. Dirigido por Brenda Chapman e Mark Andrews.

Nota: 9.2

A cada produção que chega aos cinemas assinada pelo casamento feliz entre os estúdios Disney e a especialista em computação gráfica de animações Pixar, um questionamento reaparece: será que este e o auge da dupla? Bom, Valentechegou a um nível extraordinário, tanto na parte técnica da Pixar, com imagens absolutamente verossímeis, quanto no roteiro refinado, mais um brilhante feito da Disney, que nos apresenta algo que pouquíssimo se vê no cinema, uma heroína poderosa, que não necessita de atributos físicos para encher a tela.

A princesa Merida cresceu ouvindo a falácia de sua mãe, a rainha Elinor, sobre como deveria ser seu comportamento, e com lições estafantes para fazer dela uma lady. Entretanto o que a mocinha adora mesmo é cavalgar pelo bosque, com os cabelos ruivos rebeldes ao vento, disparando flechas e escalando montanhas. Quando seu pai, o rei Fergus, promove uma competição entre os primogênitos dos outros três clãs da Escócia, para saber quem seria o futuro esposa de jovem, ela entra na disputa pela sua liberdade, vence todos os concorrentes com flechadas certeiras, e provoca uma tensão entre os clãs, e também na sua relação com a mãe. Depois de discutirem, Merida foge para o bosque, onde é guiada por luzes misteriosas até a casa de uma bruxa. Na busca de uma poção para mudar Elinor, as coisas não saem como esperado, e a ruivinha terá que provar valentia para buscar uma solução.

O roteiro de Brenda Chapman, que divide a direção com Mark Andrews, faz referências sutis de obras clássicas da Disney, porém traz uma reflexão firme sobre as relações familiares, e ainda abre espaço para outras discussões, como o novo momento em que se encontra a mulher, que tem o livre arbítrio sobre sua vida. Merida e sua mãe terão de aprender a conviver entre si devido as dificuldades que encontrarão pelo caminho. Nesse meio tempo a grande moral da história vai se revelando, de forma gradativa e sem exageros na linha dramática.

O que prova ainda mais o brilhantismo do enredo das produções Disney/Pixar em geral, é que não há necessariamente um arquétipo de vilão. As ações sempre se desenvolvem na intenção de uma grande lição, não no combate ao malvado, que mesmo estando presente, funciona apenas como apoio da narrativa e geralmente também está incluso no tema em questão. Como sempre, o humor fica concentrado em um segundo plano, aparecendo convenientemente, na maioria das vezes na figura do pai e dos irmãos endiabrados da princesa.

A Pixar enfrentou problemas gigantescos na produção do filme, pois o cenário, composto por florestas obscuras, cheias de musgo e com uma presença constante de chuva e neblina era muito difícil de ser reconstituído através da computação gráfica. Foi necessário que muitas imagens reais fossem convertidas em digitais, e o resultado foi um visual que beira a perfeição. Muita gente sairá do cinema achando que os personagens digitais foram inseridos em cenários reais.

Além de tudo, Valente conseguiu uma proeza inesquecível. Deu vida a uma protagonista real e marcante, que não precisou matar aliens ou encarar brucutus de todos os tipos para mostrar sua força. Sua bravura está em mudar o rumo de sua vida e das pessoas ao seu redor sem precisar lutar. Tem como arma apenas a boa e velha coragem, como sempre deve ser feito. Voltando ao questionamento se seria este o auge da Disney/Pixar, bom a resposta não se sabe, mas para o bem de todos, espera-se que não. 

CARRIE, A ESTRANHA (1976)


Carrie, 1976. Dirigido por Brian De Palma. Com Sissy Spacek, Piper Laurie e Betty Buckley

Nota: 8.0

 “Vocês pararam para pensar que Carrie White tem sentimentos?” A questão colocada em voga durante um sermão da Srta. Collins (Betty Buckley) é o que move o roteiro de Carrie, a estranha, um dos maiores clássicos do cinema. Ao tentar proteger uma de suas alunas de um tipo nocivo de discriminação, o chamado bulling dos dias atuais, sua atitude perpetuou as razões de um grupo de garotas más que não suportavam a “estranheza” de Carrie White (Sissy Spacek). Uma garota de feições apagadas, tímida, isolada em seu mundo particular e com a forte atenuante de possuir poderes tele cinéticos.

O colegial sempre foi um avatar de inspiração para autores que escrevem especialmente para o público adolescente. E para o multitalentoso Stephen King não foi diferente. Para escrever o livro que deu origem ao sucesso cinematográfico de 1976, o autor se inspirou na figura real de duas garotas que conheceu na cidade onde morava. Tímidas, recatadas, vivendo em seu modo particular, sendo que uma delas tinha uma conturbada relação com a mãe, fanática religiosa. King observou atentamente a relação destes elementos, que culminou com o suicídio de uma destas garotas. A forma trágica do desfecho de uma de suas fontes, não o impediu de criar uma personagem que se encaixasse perfeitamente no âmbito dramático deste mundo tão fascinante, mas às vezes tão cruel de nossa realidade. Como figura central deste turbilhão, está Carrie, uma garota que severamente oprimida pelos atos fanáticos de sua mãe, deixando minar sua personalidade e o modo como age ao tentar se encaixar no mundo a qual inevitavelmente deve pertencer.

Carrie simboliza todos os adolescentes que tem dificuldade em se adaptar a este mundo bem como demonstrar sua verdadeira essência para escapar das inúmeras armadilhas que ele proporciona. A garota que se assusta durante um banho após a primeira menstruação, e que por isso é vítima de uma crueldade psicológica jamais vista no cinema, aos poucos rompe o cordão umbilical com a mãe, Margareth White (a excelente Piper Laurie), se transformando numa moça audaz capaz de desafiá-la. A fim de realizar seu desejo de ter uma vida como qualquer uma, a moça vai ao intrépido baile com um acompanhante “encomendado” por uma de suas colegas. E o que se vê depois é a realização de uma das profecias da mãe. ”Todos vão rir de você”, a frase dá ênfase a uma das cenas mais clássicas da história, o horror do baile. Depois de subir no palco para receber a coroa de Rainha de Baile, Carrie é molestada por um balde que jorra sangue de porco sob sua cabeça. A partir daí se dá a inserção dos elementos sobrenaturais para expressar a dor e a frustação sofridas pela personagem num momento tão vulnerável de sua condição como mulher. E é neste momento que o talento da atriz, perfeita em todas as sequencias, fica mais evidenciado e a direção segura de Brian de Palma complementa um dos momentos mais memoráveis do cinema.

Ao retornar para casa, Carrie se volta para a mãe como faz a maioria das adolescentes neste momento traumático. Mas o que encontra é a síntese de seu relacionamento com a matriarca. O fanatismo religioso conduz Margareth a um ato insano de esfaquear a própria filha pelas costas após uma confissão perturbadora de “seus pecados”. A confusão de sentimentos da garota cria um revide fatal, fazendo com que facas voem em direção à mãe enlouquecida. Terminava ali uma história de repressão e ausência total de diálogo entre mãe e filha, na impressionante imagem da mãe crucificada pelas facas entre as colunas da porta. Uma cena inesquecível tanto visualmente quanto dramaticamente, nas atuações fantásticas e indicadas ao Oscar de Spacek e Laurie.

A metáfora utilizada pelo autor para tratar de exclusão social, os aspectos religiosos, o melodrama, o horror, são tópicos que colocam a adaptação do diretor como algo inclassificável como gênero cinematográfico, e como um dos filmes mais bem adaptados para o cinema. A segunda versão em 2002 protagonizada por Ângela Betis trouxe algumas passagens interessantes contidas no livro que não foram utilizadas pelo diretor nesta versão.

Mas nada que possa diminuir os atributos do filme de De Palma. Embora tenha pecado em certas passagens incompreensíveis como o altruísmo suspeito que leva Sue Snell (Amy Irving) a abrir mão de seu namorado em prol de Carrie, o popular Tommy Ross (William Katt) e a facilidade do mesmo em aceitar levar a estranha do colégio como acompanhante ao baile, cria certo desconforto com algumas lacunas no desenvolvimento de uma história tão boa que poderia ser desenrolada em mais tempo de duração. A história é corrida demais para chegar ao ápice da cena do baile. Pecados reparáveis atualmente, mas perdoáveis quando se trata de algo bem maior e mais contundente em seu objetivo final. Uma obra inesquecível que o sucesso instantâneo tornou Cult, mesmo com estes pequenos pecados, que segundo as palavras de Margareth nunca morre, bem como um clássico do cinema.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

J. Edgar (2011)


J. Edgar, 2011. Dirigido por Clint Eastwood. Com Leonardo DiCaprio, Naomi Watts, Armie Hammer, Judi Dench e Josh Lucas.

Nota: 7.8

Um pouco mais de quatro décadas após Franklin J. Schaffner levar às telonas um dos mais controversos personagens da história americana, o General George S. Patton, Clint Eastwood resolveu levar ao conhecimento das gerações contemporâneas um pouco da vida de J. Edgar Hoover, o excêntrico e polêmico diretor do FBI, que esteve presentes nos principais acontecimentos policiais do país da década de 20 até o início dos anos 70. Foi tão admirado quanto odiado por muitas pessoas, e o diretor não tem a intenção de dizer o motivo.

A história acompanha J. Edgar (Leonardo DiCaprio) em suas lembranças que são reveladas a um agente, o qual muda de acordo com sua conveniência, que escreve sua biografia. Desde seu início como agente, passando pela instauração e consolidação do FBI, e fechando com seu reconhecimento. Mas o filme também mostra o lado que não revela ao escritor, entre eles, sua relação homossexual com seu braço-direito o agente Clyde Tolson (Armie Hammer), os métodos pouco ortodoxos com que conduzia investigações e seus segredos guardados com a ajuda de sua secretária pessoal Helen Gandy (Naomi Watts).

O roteiro de Dustin Lance Black esmiúça um lado mais íntimo de Edgar, pouco comentado pelos americanos, e expõe seus erros e acertos no decorrer de sua carreira, que pode ser considerada sua vida. O modo como explora seu confronto interno, suas dúvidas quanto a sexualidade, exponenciada pela presença de sua mãe (Judi Dench), e sua incessante busca pelo reconhecimento que depois se transforma em obsessão é a parte mais relevante do longa, sem dúvidas.

Eastwood, que adora se aprofundar na psique de seus personagens e decompor a sua personalidade, teve um prato cheio para usar de seus closes e planos contemplativos. O roteiro é concebido de forma não-linear, mas ele faz questão de interligar as sequências buscando uma mesma significação ou provocando contra-argumentos, deixando a responsabilidade de julgar se os fins utilizados por J. Edgar justificavam os meios em que agia. Isentou-se de qualquer opinião subliminar, o que pode ser considerado seu grande trunfo.

Porém a escolha do diretor de manter os mesmos atores sob pesada maquiagem foi seu grande erro. Como eram três os personagens a serem envelhecidos, o trabalho ficou abaixo do esperado em dois deles, o que tira grande parte da veracidade que todo filme busca ter, uma falha comprometedora.  As boas atuações de Watts e Hammer poderiam ter sido mais retumbantes se não tivessem de dar vida à versão idosa de seus personagens. Só Leonardo DiCaprio teve um capricho maior no seu processo de envelhecimento, e se aproveitou disso e entregou outra excelente atuação, claramente injustiçada no Oscar. Se Eastwood trocasse os outros dois por atores mais velhos, o que geralmente acontece (Watts ficou a cara da Helen Mirren), seu filme teria passado de bom para ótimo. Valeu como documento histórico, ficou devendo como cinema.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O planeta dos macacos (1968)


Planet of the apes, 1968. Dirigido por Franklin J. Schaffner. Com Charlton Heston, Roddy Mcdowall, Kim Hunter, Maurice Evans, James Whitmore, Limda Harrison e Jeff Burton.

Nota: 9.2

Não tem como apontar a melhor ficção-científica que foram levados às telonas até hoje, ainda mais que os efeitos visuais extraordinários dominam a indústria cinematográfica há algum tempo. Entretanto, pode-se afirmar com certeza que um dos mais importantes é O planeta dos macacos, baseado no livro Planéte des singes de Pierre Boule, dirigido por Franklin J. Schaffner, que se tornou um fenômeno de público e crítica e até hoje impressiona pelas maquiagens perfeitas e atuações convincentes. Isso muito antes do CGI sonhar em existir.

O filme se inicia com Taylor (Charlton Heston) viajando pelo espaço na companhia de outros três exploradores. Algo dá errado e a nave cai em um planeta estranho. Então os três (um deles morre durante a viagem) saem em expedição pelo aparentemente inóspito planeta em busca de vida. Algum tempo depois descobrem que o local é habitado por uma espécie racional de macaco e os seres humanos não passam de animais selvagens. E o pior de tudo, não são benquistos.

Muitos consideravam uma tarefa de alto risco da Fox apostar em um filme em que a maioria do elenco se travestiam de macacos, porém John Chambers criou máscaras que, além de caracterizar de forma verossímel, dava a cada um dos símios uma expressão singular, um feito inesquecível. Acima disso, há o roteiro amarrado de Michael Wilson e Rod Serling, que dialoga, principalmente no fim, com as atitudes do homem em relação ao convívio em sociedade, e mais do que isso, a temor de uma possível hecatombe nuclear no período da Guerra Fria.

Schaffner não sossega sua câmera, e um pouco mais de um terço do longa nos apresenta ao cenário desconhecido, e angustia o público a cada plano aberto, câmera trêmula e longas sequências sem diálogos. Outro fator primordial neste gerador de tensão é a trilha sonora de Jerry Goldsmith, que a primeira “ouvida” parece poluída e exagerada, mas quanto mais os personagens avançam no território e entram em contato com os nativos, mais seu teor pesado se justifica.

Um filme extraordinário, que ganhou três continuações e um remake em 2001, que Tim Burton preferiria excluir do currículo, que imortalizou as atuações de Roddy Mcdowell e Kim Hunter  como os símios Cornelius e Zira. E, claro, também colocou Heston e sua memorável frase “Tire suas patas de cima de mim, seu maldito macaco fedorento”, na lista de fita obrigatória.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Pollock (2000)


Pollock, 2000. Dirigido por Ed Harris. Com Ed Harris, Marcia Gay Harden, Tom Bower, Bud Cort, John Heard, Val Kilmer, Amy Madigan e Jennifer Connelly.

Nota: 7.5

Em seu primeiro trabalho como diretor, Ed Harris busca em uma biografia a oportunidade de aplicar seu aprendizado, que absorveu durante toda sua carreira vitoriosa como ator. Há visíveis traços de diretores com os quais trabalhou ou não, que vai de Philip Kauffmann a Milos Forman. Se não fosse um “aluno” aplicado não teria conseguido atuar, transmitir a psicoldelia e o sofrimento do pintor impressionista americano Jackson Pollock e de sua fiel companheira Lee Krasner, e muito menos conduzir a obra sem fazer dela um grande dramalhão.

A história do pintor é adaptada do livro “Jackson Pollock: Na american saga”, de Steven Naifeh, e mostra o processo de construção e aperfeiçoamento artístico de Pollock (Ed Harris) até o ápice, depois acompanha a derrocada e o fundo do poço, comum na trajetória de grandes gênios. Mas neste caminho, descreve sua relação com o mundo, através de seu contato com a natureza, com as pessoas e com si mesmo. Esta última, a mais difícil e conturbada.

O roteiro de Barbara Turner e Susan J. Emshwiller segue a mesma parábola criativa que se abate sobre o personagem. Opta por recontar a história vista de fora, como acontece no livro, o que de certa forma privilegia os momentos de crescimento do artista, e seus desentendimentos com as pessoas que o cercam, principalmente Lee Krasner (Marcia Gay Harden), que abre mão de sua carreira para apoiar Pollock, mantendo-se zelosa e paciente com seus desvios de personalidade.

Harris atua melhor diante das câmeras, ou seja, fazendo o que sabe de melhor. Como produziu e dirigiu o filme, sua ligação com o personagem tornou-se tão forte e verossímel que rendeu a melhor interpretação de sua carreira (vencedor do Globo de Ouro e indicado ao Oscar). Como intimizou o olhar, pode fazer ligações metafóricas entre as pinturas e a vida do protagonista, sempre mantendo o tom pesado, melancólico e perturbado. Mas que em momento algum se converte em um drama excessivo. Entre uma crise e outra, cintila a figura de Krasner, tão importante em sua vida quanto em sua carreira, que deu um merecido Oscar de coadjuvante a Marcia Gay Harden.

Se não foi um brilhante trabalho de Ed Harris, ao menos foi um estreia com o pé direito. A chance de mostrar que seu talento ultrapassa as câmeras. Além disso, é um estudo de caso sobre um mestre das artes, que tinha a vida tão complexa quanto seu trabalho, e não teve tempo de ser entendido, ou mesmo de ele próprio se entender.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Amarcord (1973)


Amarcord, 1973. Dirigido por Federico Fellini. Com Pupella Maggio, Armando Brancia, Magali Noel, Ciccio Ingrassia, Nando Orfei, Luigi Rossi, Bruno Zinin e Maria Antonieta Beluzzi.


Nota: 9.7

Falar da maestria de Federico Fellini e toda sua importância ao mundo cinematográfico é chover no molhado, cantar balelas ao vento. E quando todos achavam que não mais teria condições de criar obras tão perfeitas e influentes quanto La Dolce Vitta (1960) ou 8½ (1963), o diretor criou um mundo próprio, derivado de suas experiências da juventude, para falar sobre a vida de uma forma mais doce, inocente e maravilhosa possível. Amarcord (“eu me lembro”) viaja por quatro estações e expõe o comportamento sócio-político de uma cidade italiana da década de 30, com tradicionalismos caminhando ao lado do crescente movimento fascista que já começava a ditar os rumos da sociedade.

Sob a visão de Titta, talvez o derradeiro alterego de Fellini, as histórias se passam de forma episódica, onde há uma preocupação em explanar até os mais simples acontecimentos. A cada uma das estações do ano que pontuam a obra, o ritmo da trilha do sempre competente Nino Rota e uma fotografia diferenciada de Otello Martelli caracteriza um momento em especial. Desde as mazelas da vida familiar (primavera), passando pelos devaneios juvenis latentes com a iniciação sexual (verão), chegando ao limiar da morte (inverno), tudo de forma alegórica e sensível.

Mesmo usando de humor na para coordenar as descrições autobiográficas do filme, se percebe uma crescente crítica de repúdio ao domínio fascista, com uma cabeça enorme de Mussolinni que celebra um casamento fictício de um jovem, e soldados do regime que obrigam ao pai de Titta a beber óleo de motor. Sem se esquecer de que se tratava de um ponto de vista juvenil, Fellini limitou a compreensão dos fatos.
Pode-se perceber que todos seus personagens são de certa forma, semelhantes a algum outros de obras anteriores. O mosaico da constituição fílmica permite que o próprio diretor narre a história de dentro de sua criação, às vezes como o perspicaz historiador, como um mentiroso vendedor de doces ou como um velho morador da cidade.

Se analisarmos tudo como o cinema contanto uma história, Amarcord será sem dúvidas o menor dos filmes de Federico Fellini, mas sua genialidade fez com que fosse a história se contando através do cinema, o manipulando ao invés de ser manipulado. Uma montagem simplória, às vezes boba, outras vulgar, mas indiscutivelmente extraordinária. O que tiver a mais a falar é chover no molhado e cantar balelas ao vento. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Pianista (2002)


The Pianist, 2002. Dirigido por Roman Polanski. Com Adrien Brody, Thomas Kretschmann, Michal Zebrowski, Ed Stoppard, e Maurren Lipman.

Nota: 8.5

Começa com ela e termina com ela. Ela, a música, na mais clara tradução de sua enfática relevância na vida de Wladyslaw Szpilman (Adrien Brody), um pianista judeu que sobreviveu ao terrível Holocausto na Polônia. O país mais atingido pelas mazelas da Segunda Guerra. O filme mostra em fatos metódicos como o pianista mais popular da Rádio Polonesa escapou de um destino trágico por meio de seu talento. Sua educação e boa formação impediram que em nenhum momento perdesse sua dignidade humana mesmo diante dos absurdos eventos. Algo que podemos acompanhar já na primeira sequencia quando Szpilman teima em não desgrudar de seu piano até que a última pedra caia sobre ele e fira seu rosto. Nela fica claro que a esperança de dias melhores para ele e sua família é o que alimentava sua fabulosa arte. Porém, aos poucos o admirável som de seu piano é sufocado pelos estrondos das armas que invadem Varsóvia. O pianista já não tinha mais como desenvolver sua arte e assim, em nome da necessidade, se desfez de seu mais valioso bem. A ele só restou o conformismo em ver sua família mandada para os campos de concentração enquanto ficava lutando para sobreviver na capital.

Seu nome se constituiu como um forte apelo junto a todos da cidade, e sua postura de homem íntegro o ajudou a vencer os tortuosos anos de uma guerra enfadonha. Enquanto seu irmão e vizinhos se armavam em torno do Gueto para resistir, Szpilman colecionava amigos através da música. Estes mesmos que o ajudaram no momento mais crítico de sua existência. Pousando entre um endereço e outro, convivendo com a fome e a doença, suas mãos que antes necessitavam apenas de uma força delicada, agora tinham que se embrutecer na força de um trabalho quase que escravo. O único alento que encontrava neste meio tempo, era o inseparável instrumento. O piano, que de vez em quando surgia em seu caminho. Um amigo que predizia algo de bonança depois da tempestade de anos de uma tortura física e psicológica.

A vida de um artista de alma sensível que lutou silenciosamente contra a brutalidade de um vergonhoso sistema de domínio de raças é o tema central desta obra-prima de Roman Polanski. O diretor o define como a vitória do homem e sua música sobre o horror, mas na verdade é uma vitória dele próprio como diretor personificado no Oscar que faturou pelo trabalho. Sua experiência pessoal com os acontecimentos canalizados no filme o ajudou a criar uma alquimia perfeita entre personagem-ator-história-diretor. Quatro elementos que bastaram para fazer de seu longa algo imprescindível de ver, admirar e principalmente se emocionar com sequencias brilhantes de ação inserida no drama da vida de Szpilman. Em alguns momentos é possível até classifica-los como momentos de um monólogo teatral. Este elo traz ao filme uma riqueza notória de detalhes na interpretação fantástica e vencedora do Oscar do multitalentoso Adrien Brody, um dos melhores atores do cinema que infelizmente não tem tido muitas oportunidades na atual conjuntura.

Além do conteúdo cinematográfico, O Pianista é uma obra histórica. A formação do Gueto de Varsóvia e de seu Levante, que resistiu até os últimos momentos contra uma ditadura cruel, são mostradas sob a ótica de um artista que usou sua coragem para produzir algo bem mais relevante em tempos de guerra. A música ao invés de armas. A amizade ao invés do ódio. O carisma ao invés do repudio. Tudo para atingir os corações de um seleto grupo de pessoas que curtem futebol, música ou cinema. Não importa o que te impulsiona quando o assunto é se envolver com uma história entre rajadas de sentimentos tão voluptuosos que só mesmo um diretor como Polanski deixa aflorar.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Era do Gelo 4 (2012)


The ice age 4, 2012. Dirigido por Steve Martino e Mike Thurmeier .

Nota: 6.0

Dizem que tudo tem seu momento de sair de cena, ainda mais quando se trata de algo que tenha dado certo, que viva sob os louros conquistados em seu glorioso passado. E esta é uma sentença válida para A Era do Gelo 4, que não consegue ser engraçado e divertido como seus antecessores. E o principal fator que acentua a baixa de qualidade são as ausências de Chris Wedge e do brasileiro Carlos Saldanha, mentores da franquia, na condução do longa.

A história se passa em algum lugar do passado, já que desde o primeiro filme há pouca preocupação em sincronizar o tempo cronológico com a história da Terra, e novamente os amigos, o mamute Manny, o tigre-dentes-de-sabre Diego e a preguiça Sid são postos em uma aventura, depois que o esganado esquilo Scrat divide o planeta, antes formado por uma só porção de terra, em meia dúzia de continentes. O grandalhão Manny precisará da ajuda dos companheiros para reencontrar sua esposa Elle e sua filha Amora, que lideram uma marcha para fugir de um paredão que avança sobre o lugar onde moram. Mas nada será fácil depois que cruzarem o caminho de Entranha, um abilolado macaco pirata, que não gosta de levar desaforo para o seu navio iceberg.

A verdade é que A Era do Gelo é um nonsense cômico desde seu nascimento, e não procura nada, além das gargalhadas do público em seus filmes, ou pelo menos era, até então. O roteiro, que desta vez não contou com Wedge e nem Saldanha em sua confecção, adicionou à receita uma pitada de sentimentalismo barato e repleto de clichês de sessão da tarde, e pronto, desconstruiu toda a magia. Tudo bem, os outros três filmes tinham, sim, seus momentos de reflexão em meio às bobagens escatológicas do bando, mas enfiar uma discussão sobre relacionamentos de pais e filhos, além de ser uma exagero de mau gosto, de tão batido tornou-se piegas.

A dupla de diretores que orquestraram a aventura, Steve Martino e Mike Thurmeier, devem ter se arrependido de aceitar o trabalho. Pois, assim como Shrek, as desventuras de Manny, Diego, Sid e Cia. já demonstravam sinais de desgaste no terceiro filme, sendo totalmente dispensável que mais um capítulo fosse escrito. Ficaram reféns de um dilema, mudar ou continuar, optaram pela primeira e o resultado não foi o esperado.

Carlos Saldanha, mesmo fora da direção e do roteiro, ainda é o grande nome do filme. O personagem que ele próprio criou e dublou, o Scrat, continua sendo um obelisco que exala um humor contagiante. Sua trama em paralelo aos infortúnios dos outros personagens, mesmo que seus caminhos se entrelacem vez ou outra, é o ponto forte, pois se mantém fiel aos devaneios paranoicos que conquistaram o público em 2002. Se a franquia tiver seu fim com este longa, é provável que faça carreira solo, como os Pinguins de Madagascar.

A Era do Gelo 4 faz rir, e tem seus momentos que rememorarão os velhos tempos. Porém, é um filme fraco a partir do instante em que o público se lembrar do quanto são superiores seus antecessores. Se não lançarem outro filme, será uma lamentável despedida dos cinemas do bando incomum que alegrou o coração de crianças de todas as idades. Mas se resolverem emplacar o "cinco", sinto ainda muito mais pena deles.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vinhas da ira (1940)


The Grapes of Wrath, 1940. Dirigido por John Ford. Com Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine, Charley Grapewin, John Qualen e Russel Simpson.

Nota: 9.8

No período mais difícil da história norte-americana, a grande depressão, Hollywood optou por ignorá-la em forma fantasias luxuosas, ou explorando as mazelas das grandes cidades.  E ainda contava com o espirituoso otimismo de Frank Capra, que buscava equilibrar o ânimo da população com a valorização de índole que se propunha a contar. Eis que em 1939, John Steibeck acompanhou o martírio de interioranos, que eram despachados de suas terras e vagavam em busca de um recomeço, e escreveu Vinhas da ira. Um ano depois, Darryl F. Zanuck entregou a John Ford a missão de expor a ferida nas telas do cinema, e mostrar que histórias existem para serem contadas, sejam alegres ou tristes.

Depois de sair da prisão, Tom Joad (Henry Fonda) volta ao sítio da família em Oklahoma e descobre que as terras já não pertenciam à família, e que todos os habitantes da região se encontravam na mesma situação. Vendo-se impotentes diante da situação, ele e sua família, juntamente com o pregador Casy (John Carradine) partem para a Califórnia em busca da bonança que lhes havia sido privada.

Com sua competência única em captar a sensibilidade do ser humano, seja em qual situação este se encontra, Ford deu à família Joad uma força soberba para enfrentar as várias intempéries que os golpeiam. A obscuridade presente na maior parte das sequências representa o destino dos Joads, que viviam cada dia sem saber o que o seria do próximo. A perfeição do trabalho do diretor (premiado com o Oscar) chega ao ápice quando se percebe que o longa atinge um tom quase documental, que deixa o público sensibilizado com as injustiças daquela época triste.

O roteiro de Nunnally Johnson não procura martirizar os personagens e sim apresentar ao público verdades que o cinema não gostava de explorar. Seu Tom Joad representa a perseverança de quem faz de tudo para sobreviver, e a matriarca da família (em desempenho brilhante que rendeu um Oscar de coadjuvante a Jane Darwell) é a força interior que os governa por caminhos incertos em direção a melhores condições de vida, ou como a própria resume, ela representa o povo que jamais desiste.

Se no fim há uma divergência do filme em relação ao livro de Steinbeck, que no fim trazia a desilusão dos retirantes com a instituição do governo que os acolheu, Ford procurou ser menos pessimista e, mesmo não tendo os requintes sublimes de Capra, foi de certa forma otimista e inspirador, se tornondo uma das melhoras obras do cinema americano.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Onde Começa o Inferno (1959)


Rio Bravo, 1959. Dirigido por Howard Hawks. Com John Wayne, Dean Martin, Andie Dickinson, Ricky Nelson e Walter Brennan.

Nota: 9.3

Houve uma época onde os westerns dominavam os cinemas americanos. Tantas foram as produções, que em sua grande maioria eram bobagens, com tramas decoradas de cor e salteado pelo público. Mas, alguns diretores levavam o gênero mais a sério e incorporava um teor cinematográfico contundente e se diferenciavam por isso. Um deles foi Howard Hawks, que provou toda sua cancha quando reuniu quase todos os clichês básicos estafantes para construir um dos melhores westerns que se tem notícia.

Tudo está lá. O xerife bonachão, o bebum, o velhote cômico, os vilões e é claro, o interesse amoroso do protagonista. Entretanto, Hawks abre mão de um dos mais retumbantes clichês do gênero, os tiroteios. O filme em comparação à maioria é parado, porém não segue a linha dos chamados westerns psicológicos, tais como Matar ou morrer (1952) de Fred Zinnemann, como já dito, tudo que compõe a atmosfera estereotipada está presente no longa.

Na história, John T. Clance (o bonachão supremo John Wayne) terá que resistir às investidas de pistoleiros que pretendem libertar um encrenqueiro irmão do chefão do bando. Para isso terá que ajudar seu amigo bebum (Dean Martin) a se recuperar para poder ter sua ajuda, ainda contar com o auxílio de um jovem e impetuoso forasteiro (Ricky Nelson) e  manter o romance com a viajante misteriosa (a voluptuosa Andie Dickinson). Tudo permeado pelo humor rabugento do Stumpy (Walter Brennan).

As emoções do filme são todas governadas pelo temor dos personagens em estado de sítio na pequena cidade. Hawks brinca com essa tensão, promovendo incursões esporádicas de confrontos diretos. Porém seu trunfo está em catalisar o humor em conflitos internos entre os mocinhos, sem ser profundo o suficiente para ser enfadonho e nem muito cômico ao ponto de se tornar pastelão. O toque final da mistura se dá no número musical de Martin e Nelson, sensacional, representando o alento antes do embate final.
Onde começa o inferno foi uma das raras exceções em que o óbvio ficou extraordinário. Howard Hawks, que havia passado um tempo inglório na Europa, mostrou que era, e ainda continua sendo, um dos maiores do cinema. Daqueles que pregam em um deserto de superficialidade e de lá extraem algo genial. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

INGRID BERGMAN

A princesa esquecida

“Tornei-me uma pessoa incrivelmente feliz, expansiva, porque estava fazendo exatamente o que queria. E era tão fácil para mim.”

E
la nasceu e morreu com o dia marcado. Num 29 de Agosto. A mesma estrela predestinada que nasceu em Estocolmo no ano de 1915 se apagou em Londres no ano de 1982. Mais que curioso, este fato só comprova a presença de algo especial na trajetória da exuberante Ingrid Bergman.

O início do reinado de uma das mais exaltadas atrizes do cinema começou ainda na infância quando tudo não passava de um mero sonho improvável confrontando uma timidez que teimava em acompanha-la. Felizmente outra forte característica de sua vasta personalidade também se fazia presente. Com perseverança ingressou na Escola Real de Arte Dramática da cidade em 1932 após apresentar trechos de peças de Rostand e Strindberg. A interpretação de Bergman fluiu da mesma maneira natural que marcaria seus personagens no cinema onde estreou em 1933 com um pequeno papel em Munkbrogreven. Daí em diante toda esta naturalidade foi se lapidando no estado bruto de puro talento. O sucesso de um de seus filmes (Intermezzo / 1936) abriu as portas para Hollywood por meio de David O’ Selznick, o mesmo produtor de E o vento levou. David teria se encantado por aquela atriz diferente, de forte presença em cena e que tinha na aura algo especial.

Antes de se tornar a estrela profetizada por Selznick, um pequeno drama. Como ainda era casada e mãe, a atriz hesitou em deixar sua terra natal para brilhar na terra dos reis do entretenimento. Contudo, ela sabia que seu maior objetivo só obteria êxito com uma mudança drástica. Com a Segunda Guerra Mundial em ascensão, assinou um contrato de exclusividade com Selznick, levando marido e filha com ela para os EUA.

A carreira em ascensão de Bergman se consolidava ao mesmo tempo em que a carreira de sua compatriota a ferrenha Greta Garbo caía em declínio. Todo este contraponto alcançou o apogeu como a sensual e enigmática Ilsa Lund de Casablanca. Mulheres de várias personalidades e nuances marcariam sua trajetória no cinema ajudando a firmar o mito em torno de sua vida e personagens. Não demorou muito para conquistar o reconhecimento da Academia faturando três merecidas estatuetas. A de melhor atriz por À meia-luz (1944) e Anastácia, a princesa esquecida (1957), onde sua naturalidade em demonstrar emoções fica mais evidente. Em 1974 o mistério de Assassinato no Expresso Oriente deixava exalar mais uma vez o ar enigmático na sua interpretação. O reino de Hollywood encontrava sua mais notória princesa.

Como em toda terra de reis existe algo de podre, a vida estável das telas sucumbiu à instabilidade de sua vida pessoal. Em 1950, em pleno apogeu da american way life, ela chocou o mundo ao trocar seu marido e sua filha pelo diretor Roberto Rosselinni durante uma viagem de trabalho para filmar Stromboli na Itália. O escândalo se consumou devido ao anúncio de sua gravidez, fruto desta relação extraconjugal. A partir dali, a figura mítica mocinhas românticas, freiras e santas mártires que a acompanhou na carreira seria deflagrada como mulheres de baixo calão. O nascimento de seu filho com Rosselinni atiçou a ira dos puritanos do mundo todo, e atingiu ferozmente Hollywood. O reino já não mais exibia seus filmes. A princesa exilada teve de se fixar na Europa ao lado do diretor italiano com quem teve mais duas filhas. Ingrid e Isabella Rosselinni.

Sob a batuta do marido sufocante, Ingrid fez vários filmes, entre eles o comentado Veludo Azul. Em 1956 já com o casamento em crise, retornou a Hollywood através de Anatole Litvak com quem filmou Anastásia. Quando subiu ao palco na noite do Oscar para receber sua estatueta, toda a corte a aplaudiu a atriz de pé, como num intenso gesto de pedidos de perdão pelo desprezo equivocado de outrora. Seu retorno ao trono hollywoodiano também marcou a retomada da carreira sem o repressivo diretor. Livre para poder escolher projetos que mais lhe agradavam, seu talento natural se mistificou em versatilidade. Comédias, suspenses e dramas devolveriam de vez o status que conquistou com tanta luta e capacidade. Outra marca especial na trajetória da atriz que descobriu um câncer de mama durante as filmagens de Sonata de outono de Ingmar Bergman. Contudo, as várias batalhas que enfrentou ao longo de sua vida a fizeram tão forte que foi capaz de contrariar as ordens médicas e continuar fazendo o que queria fazer. Aceitou o papel principal de Golda, minissérie sobre uma estadista israelense, a qual sempre admirou.

A turbulência de sua vida foi deixada de lado em sua morte quando deu os últimos suspiros de maneira serena e tranquila ao lado de toda família. Um final menos dramático para a vida dramática de uma atriz mítica de características propriamente reais. Uma mulher que teve liberdade o suficiente para viver seu próprio conto de fadas mesmo quando foi injustamente esquecida por seus súditos. Uma atriz de vida especial que se tornou inesquecível para o reino do cinema. Uma princesa que demonstrou coragem o suficiente de voltar para casa e retomar um trono que sempre foi seu de fato e de direito. Difícil de esquecer.