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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A GRANDE ILUSÃO

Por Flávia Silva


“Mas sei como fazer as coisas funcionarem. Sempre podemos fazer algo bom de algo ruim.” Wilham Stark

Sean Penn encabeça um maravilhoso elenco que brilha em A Grande Ilusão.
Um épico sobre a política de todos os tempos. Wilham Stark é um matemático que
se lança no mundo da política para desafiar os poderosos de sua pequena cidade do estado da Louisiana (EUA) depois que um acidente fatal tira a vida de crianças no colégio local. À medida que sua popularidade vai se tornando maior cresce também
o interesse de seus adversários políticos em não mudar a forma de se fazer política na região.

É próprio de a natureza humana buscar justificativas sobre atos que outros julguem imorais e ilegais, sobretudo quando se trata da política e sua politicagem. Aí entra Maquiavel e seus fins que justificam os meios neste sistema que atravessa gerações sem a necessidade de se preocupar com justiça ou qualquer outro termo sinônimo.
Atos que dispensam o acompanhamento de uma lição de moral no final. O bem sempre vence, o vilão sempre é punido e a justiça sempre prevalece. Algumas pessoas conseguem lidar melhor com certas realidades do que outras cuja visão age sob uma única perspectiva. São as chamadas daltônicas, ou seja, aquelas que não conseguem enxergar além do preto e branco. Hipocrisia ou apenas a facilidade que temos em nos deixar iludir facilmente por idealismos políticos?
Para uma maioria a política representa o que há de mais nocivo para a humanidade.
A desilusão criada em torno deste sistema é tão grande que se reflete no aumento consi-derável do número de abstenções durante as eleições. Mas a decepção só existe quando alimentada pela ilusão. Só se deixa iludir pelo sistema quem ainda tem uma visão genuí-na sobre o assunto. Quem acredita piamente que as pessoas deste mundo são ou tende a ser incorruptíveis, incapazes de cometer atos no mínimo duvidosos para alcançar seus objetivos. A política sendo feita por heróis de ficha 100 % limpa. Neste processo quanto maior esta convicção, maior a decepção uma vez que constatamos que a política pende para o lado da politicagem com seus esquemas e negociatas.
Seguindo uma concepção religiosa somos dotados por Deus de livre arbítrio e a capa-cidade de escolher um único caminho por entre o Bem ou o Mal. Dos homens herdamos a racionalidade, ou seja, a capacidade de enxergar algumas questões de forma mais am-pla, sem a definição divina e inflexível. Ao nos desprendermos deste conceito este ca-minho toma uma via dupla sem um ponto final definitivo. Um dos capítulos mais con-troversos da história com certeza foi o da invasão americana ao Iraque. Uma atitude vis-ta com perplexidade e desaprovação do mundo todo devido às conseqüências irrepará-veis aos vários civis daquele país. Naquela época o então presidente americano George W. Bush chegou a ser chamado de o Anti-Cristo pelas camadas religiosas e adjacentes, mesmo com a captura do ditador Saddam Rocem. Há, entretanto um seleto grupo que enxergou a atitude do ex-presidente por outro lado. Sob várias cores e perspectivas dan-do a ele o benefício da dúvida ao justificar seus meios usados para livrar o mundo de uma figura tão nociva para a humanidade. É o famoso Mal que vem para o Bem. Ou se-ria o Bem que vem do Mal? A única certeza é de que no final não há mocinhos nem bandidos. Apenas a velha e boa política. Universal, atemporal e maquiavélica.
Pensemos na figura de Wilham Stark tão contemporânea no mundo de hoje. Em primei-ra instância um político incorruptível que tinha apenas seu ideal, sua voz e seu carisma como arma contra os poderosos. Porém quando percebeu que estas armas seriam ineficazes contra o sistema, decide reprimir seus princípios e se submeter a uma infinidade de recursos ilícitos em nome de seu propósito. Um propósito maior para ele e para a cidade. Sujar as mãos e derrotá-los com suas próprias armas. De aliada a política então se torna sua adversária. Entretanto ele não contava com as conseqüências destes atos que teve em seu desfecho sua trágica morte bem arquitetada por seus adversários e executada por um idealista daltônico.
Stark faz parte de um grupo de políticos que se elegem com boas intenções, mas a pres-são de conseguir cumprir suas promessas, as alianças duvidosas que são induzidas a fazer e os efeitos de se envolver na política do adversário os tornam corruptíveis. Foram estas observações que levaram a militante Marina Silva, candidata à presidência nas últimas eleições a se desligar de seu partido de origem segundo seus princípios. Para ela
a essência do partido se tornou colorida demais e ficou difícil visualizar o final do arco-íris.
Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos. Não se faz política sendo apenas o mocin-ho da história. Não se faz história apenas separando mocinhos de um lado, vilões do ou-tro. Assim sendo voltemos à religião. Historiadores descobriram recentemente um evan-gelho que julgaram ser um dos indexados pela Igreja Católica. Trata-se do Evangelho proibido do apóstolo Judas. Segundo estes sagrados manuscritos a figura do apóstolo mais famoso na história da crucificação é retratada de uma forma totalmente controver-sa a apresentada pela Igreja desde seus primeiros tempos. Neles o apóstolo traidor se torna o discípulo mais fiel aos desígnios de Deus em sua missão de salvar o mundo através de Cristo. Aqui a traição, capítulo mais sombrio da relação de mestre e discípulo ocorre de acordo e consentimento do próprio Jesus. Inclusive há uma passagem onde se narra a relutância do apóstolo em cumprir “sua missão” perante Deus. Deixando de lado concepções religiosas e a análise da veracidade destes fatos, chegamos a uma colocação interessante. Podemos concluir que Judas acaba se tornando então o mocinho, o herói da história. E que se não fosse por ele não haveria crucificação e consequentemente salvação. Estas descobertas só fazem reforçar uma nova concepção do que é certo e o que é errado. No final o nome de Judas se funde com o do político Stark. Ambos acabam nos fazendo refletir a respeito do mundo, suas cores e perspectivas. Fica cada vez mais evidente que hoje em dia não existe mais espaço para pessoas meramente idealistas que simplesmente se deixam levar por uma única forma de enxergar algumas questões. Conjurar retamente o certo e o errado passa a ser privilégio de santos, heróis sobre-humanos em uma realidade paralela. Há quem precise disso. Acreditar em contos de fada, agarrar-se ao que realmente acha ser o correto, o incorruptível. Contudo no mundo real e político ao qual pertencemos é essencialmente viável que tentemos encontrar o meio termo, um mundo mais colorido numa cartilha humana de sobrevivência. Dar nossa contri-buição para a democracia seguir da melhor maneira possível e sem criar grandes expectativas. Estar preparado para uma possível frustração. Afinal, trata-se da política com seus raios e trovões em dias de chuva. E depois para alguns é possível até visualizar um lindo arco-íris. Mas sem o pote de ouro no final.

A GRANDE ILUSÃO (All the King’s Men/2006)
Com Sean Penn, Jude Law, Kate Winslet e Antony Hopkins

Veja também:
* Frost/Nixon * A última tentação de Cristo