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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

10 Personagens assustadores do cinema

"A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido." H.P. Lovecraft


Hoje, 31 de Outubro celebramos o Halloween, ou vésperas de todos os Santos dependendo do acervo cultural de cada país. Confesso que o gênero terror não faz muito a minha cabeça, mas não a ponto de negar sua importância demarcada na história da sétima arte. O cinema de terror é algo que representa esta data tão famosa pelo mundo afora. Dentre os grandes, inesquecíveis e importantes filmes desta indústria, destacam-se também os personagens que ajudaram a mistificar o gênero e tirar a tranquilidade das noites de muitos fãs. Personagens que marcaram tanto vários momentos, que a maioria deles, tiveram vida longa no cinema e fora dele.

Pensando nisso, preparei uma lista dos personagens que mais me assustaram durante estes poucos, mas marcantes momentos que tive com estas obras:


1 – Nosferatu (1922)

Klaus Kinski e sua brilhante interpretação
O nome soa bem mais arrepiante que Drácula. E as diferenças não param por aí. Sem uma aparência mais humana, assusta mais, especialmente em sua silhueta bem retratada no filme Nosferatu de roteiro mais macabro. As distinções físicas ajudam a tecer a conclusão de que o Vampiro era aversão Neandertal do famoso Conde de Bram Stocker. Aqui Drácula vira Conde Orlok, por conta da burocracia de direitos autorais pela obra original. Ainda assim, o vampiro om garras, de dentes mais pontiagudos, orelhas enormes e olhar vidrado, é o retrato mais fiel ao público do gênero, pois ao contrário dos vampiros que geralmente vemos, ele não é nada romântico ou charmoso. É simplesmente um assombroso morto-vivo

2 – Norman Bates (1960) 

Anthony Perkins e seu "medo" pelo personagem que o consagrou
 
O pacato atendente de um Motel a beira da estrada é um dos mais instigantes personagens do Hitckokiano Psicose e do cinema. Não se trata de um ser sobrenatural da lista, mas também fez seus estragos. Sempre muito ligado à mãe de forma obsessiva, via as mulheres, suas principais vítimas, como seres do Demônio. Quando passa a se sentir atraído pela jovem Marion Crane, Norman é tomado pela personalidade da mãe já falecida, provocando o medo no público. O impacto do personagem foi tão grande que diz a lenda que o ator “teve medo” de interpretá-lo nas outras 3 continuações. 

3 – Zé do Caixão (1963) 

Jose Mojica Marins: pra sempre Zé do Caixão

O representante do terror nacional é um sádico Agente funerário. Trajado de forma sombria, de unhas enormes, e óculos que escondem seu olhar sinistro, marcou uma geração pelo medo. Extremamente confiante e egoísta, não se importava com os outros, vivendo seu mundo no ostracismo social. Seu objetivo era encontrar a mulher certa para poder procriar e trazer um herdeiro no mundo. Essa busca acabou lhe custando a liberdade, ficando ele preso durante anos e anos. De volta, deparou-se com um novo mundo do qual não conseguiu compreender. A confusão gerou mais sustos, corpos mutilados e sangue para todos os lados em muitas sequências de terror. 

4 – Menina Regan (1973)

Linda Blair: antes do ostracismo, rostinho angelical

Ao protagonizar um dos mais assustadores (senão o mais assustador) filme de terror de todos os tempos, a pequena foi a “escolhida” para cenas memoráveis dentro das sequências de arrepiar de O Exorcista. Ninguém jamais conseguiu dormir direito depois de vê-la pela primeira vez girar a cabeça em 360 graus ou descendo de costas as escadarias de sua casa. A cambaleante relação com sua mãe, pode ter sido o estopim para o início de todo o tormento. Elementos bem inseridos na obra com a grande interpretação da atriz, que estranhamente nunca conseguiu mais nenhum grande papel na carreira. 

5 – Irmãs Grady (1980) 

As gêmeas Lisa e Louise Burns: iluminadas pelo terror

“Venha brincar com a gente Danny. Pra sempre”. Quem nunca se arrepiou com esta frase depois de percorrer com o menino Danny o vasto corredor do Hotel de O Iluminado? A visão arrepiante de duas meninas bonitinhas e bem vestidas no corredor é um convite para muitos sustos. Uma cena breve, porém inesquecível, das famosas irmãs gêmeas assassinadas brutalmente pelo pai insano. O rastro de sangue se esconde na presença das meninas de semblantes cadavéricos e te deixam agarrado à poltrona. 

6 – Jason (1980) 

Jason, sua máscara e inúmeros intérpretes: entre eles Richard Brooker

Ao contrário da maioria dos serial killers o vilão mascarado não chega a ser um psicopata. Age por puro impulso sem motivo ou razão circunstancial. Quando criança, afogou-se no lago do acampamento Krystal Lake e depois que sua mãe é morta, retorna do mundo dos mortos com ódio e sede de vingança protagonizando uma série de assassinatos aleatoriamente. Nas 13 sequências Da franquia Sexta-feira 13, suas vítimas prediletas foram adolescentes que mal tem tempo de experimentar os prazeres que a vida lhes proporciona. Com seu inseparável facão, deixa um rastro de raiva e mutilações por onde passa. 

7 – Fred Krueger (1984) 

Robert Englund: o rosto por detrás do Senhor dos pesadelos 

Ele não é um simples bicho-papão, ou seja, aquele monstrinho que as crianças temem na hora de dormir, e que, insiste em povoar suas imaginações. Os ataques dos Monstro dos pesadelos são tão reais quanto mortais. Com suas garras de ferro deixa para trás um rastro de sangue e desespero em crianças em A Hora do Pesadelo. Após ser queimado por pais vingativos, consegue obter o poder de controlar os sonhos das pessoas e matá-las durante. Ficou tão famoso que ganhou vida também em um jogo da série de games Mortal Kombat. 

8 – Chucky, o boneco assassino (1988) 


Nunca deixe seu filho levar para casa um boneco com um rostinho de Anjo, pois nunca se sabe se de repente ele pode ser portador de uma maldição vingativa. Um ritual fez com que um espírito de um serial killer se apossasse do corpo inerte de um boneco, transformando o sonho de muitas crianças em pesadelo. O brinquedo de olhar sinistro, cabelos engrenhados e risada horripilante, atormentou a todos em Boneco Assassino. Sua força para assustar foi tão grande que ele sobreviveu a vários ataques, casou-se e ainda teve um filho. O boneco funcionava com a tecnologia de “animatronics” e em grande parte das cenas, era controlado por sensores e por até cinco pessoas que ficam manuseando-o como se fosse uma marionete. 

9 – Samara Morgan (2002) 

Daveigh Elizabeth Chase: nada de assustadora

Adotada pelo casal Anna e Richard Morgan, a menina com cara de Anjo e de pele alva é acusada de ser culpada pelas visões de sua atormentada mãe. Anna então leva a filha para a Fazenda onde a joga dentro de um poço. Na escuridão de sua prisão subterrestre, a protagonista de O Chamado viveu apenas mais alguns dias. A história de terror começa com tudo o que via, podia ser reproduzido em um objeto, encontradas na pasta de arquivos que ela tinha no hospital em que ficou internada. A fita foi criada depois que Samara morreu e voltou ao plano material como um espírito maligno que matava dentro de um período de 7 dias todo aquele que assistia ao vídeo depois de um chamado telefônico.

10 – Garoto Toshio (2004) 

O já adolescente Yuya Ozeki nunca esqueceu "o menino do grito"

O menino aparentemente pacífico é uma daquelas presenças de entidades que assombram casas, os chamados Poltergeist. Ele aparecia e desaparecida em cada cômodo, causando em suas vítimas um terror mais psicológico e quando conseguia deixá-los na exaustão de seus pensamentos, soltava seu apavorante grito. Quem o ouvia, estava com os dias contados em O Grito. Toshio e sua mãe foram vítimas de uma maldição japonesa depois de serem assassinados de forma brutal e extremamente desumana. A raiva e ódio que sentiram naquele momento, ajudaram a carregar a casa com ares nada confiáveis.

Muitos personagens míticos também ficaram de fora, mas como disse anteriormente meu conhecimento na área de terror é propositalmente limitado. Por isso arrisquei retratar apenas aqueles que ajudaram a me traumatizar nesta área. Neste momento meu lado limitado neste campo falou, ou melhor, gritou, mais alto.

domingo, 26 de outubro de 2014

A Menina que roubava livros (2013)

A menina que roubava livros (The Book Thief, 2013)
Direção: Brian Percival
Com: Sophie Nélisse, Geofrey Rush e Emily Watson
Nota: 6

Um dos filmes mais aguardados deste ano foi A menina que roubava livros, dirigido por Brian Percival. O filme é baseado no sucesso editorial de mesmo nome e seguindo a linha da chuva de adaptações literárias para o cinema, pecou ao trazer expectativas demais junto ao público fidedigno ou mesmo aqueles que não são. Em outros termos, uma coisa é ler o livro e achar o máximo, outra é ter a mesma interjeição quando este se aventura na sétima arte. As transformações são inevitáveis sabendo que a fidelidade à obra original é praticamente impossível de se alcançar ao bater da claquete. 

Estamos em 1938 na ascensão do Nazismo na Alemanha e logo já nos compadecemos com os dramas que enfrenta a menina Liesel Meminger (Sophie Nélisse), abandonada pela mãe comunista por conta de forças maiores. Quando seu irmão mais novo morre na fuga, a matriarca resolve dar a Liesel uma nova família, um novo recomeço. Ela é adotada pelo casal alemão Hans Hubermann (Geoffrey Rush) e Rosa (Emily Watson) depois do enterro de seu irmão. Este episódio muda sua vida ao se defrontar com aquilo que será sua paixão nos próximos anos. O Manual do Coveiro, que cai do bolso do homem no cemitério, é o primeiro exemplar de uma série de livros que irá colecionar na memória. Mas a luta começa quando Liesel sofre na Escola por não saber ler. Coube então ao pai adotivo ajudá-la superar este desafio e depois de muitas histórias contadas pelas páginas consegue alfabetizá-la usando seu porão para isso. A determinação da menina é algo que assusta o patriarca alemão ao vê-la resgatar em meio às brasas teimosas de uma pilha um dos volumes considerado inapropriado pelo regime Nazista. A extinção dos livros através das chamas da Ditadura é certamente uma das melhores passagens do filme.

A queima dos livros: um dos raros momentos de beleza crua da trama

Este pequeno ato de coragem, mas de uma grandeza impressionante, comove a mulher do prefeito que abre as portas de sua biblioteca para a menina que roubava livros. Liesel mergulha a fundo nesta aventura contando mais tarde com a ajuda do amigo Rudy (Nico Liersch). Um garoto que desconhece os preceitos do regime e idolatra um atleta negro, o corredor americano Jessie Owens, que fez história com suas 4 medalhas no Atletismo olímpico em plena Alemanha Nazista. Logo o talento para correr do menino é percebido pelo Governo, mas Rudy se nega a satisfazer um regime opressivo e foge do recrutamento. As crianças seguem vivendo suas vidas sabendo dos perigos que as cercavam todos os dias daquela época difícil com o estouro da Segunda Guerra e das bombas que caíam sobre a cidade de vez em quando. A situação piora para Liesel e a família Hubermann quando o filho de um Soldado judeu que havia salvado a vida de Hans durante a Primeira Guerra pede asilo. Se sentindo em dívida com o amigo, o alemão acolhe em sua casa o jovem Max (Ben Schnetzer), que também é fã de livros. Então logo se aproxima de Liesel, tornando seu amigo, confidente e parceiro na hora da leitura. Esta amizade irá se estender por muitos anos, entre momentos de alegria e sofrimento. 

Para quem leu o livro, alguns pontos abordados no filme foram considerados decepcionantes, afinal, como citado acima, é muito complicado se encontrar um consenso entre literatura e cinema. No entanto, as limitações da obra não ficam somente a cargo das armadilhas de adaptá-la para o cinema. Neste campo, ela chega a comover em algumas cenas especialmente as pavimentadas com a narração da Morte, que podemos dizer sem exagero, é a personagem central do filme e que foi de fato um acerto na voz do ator Roger Allam. A própria se coloca bem na perspectiva de todos os personagens do filme sustentados por atuações que transitam entre o razoável e excelente. A menina Sophie demonstra talento ao protagonizar o filme, porém lhe falta o que talvez seja primordial quando se trata de interpretações infantis: empatia. Assim fica difícil mergulhar tão intimamente nas emoções cruas da menina, que vai apenas se apoiando no forte contexto da trama, na trilha sonora e na narração. Em outras palavras, a história por si emociona e não sua protagonista. O casal alemão também não trabalha em plena sintonia. Enquanto Rush se perde entre o avassalador do início e um mero coadjuvante no fim, Watson dá um show como a mãe durona de coração mole. É uma das melhores e mais instigantes atuações do ano com certeza. 

O roteiro poderia se fazer inesquecível aproveitando o fio da meada de um dos temas. A visão das crianças acerca da brutalidade da Guerra. O mesmo elemento usado em O menino do pijama listrado (2008), outra obra adaptada, não funcionou aqui. Este conseguiu comover na medida certa com um final muito mais comovente e impactante, ou seja, aquilo que não se deixa esquecer. O filme de Percival bem que tentou, mas deixou que no fim a emoção se transformasse numa novela de sentimentalismo barato que logo que termina, o espectador já se esqueceu do que viu nesta rajada de temas que ornamentou a história. Erro de foco que se apoiou em outros tópicos para ajudar a emocionar. Bem aquém da expectativa dos fãs, e nada a ponto de roubar dos leigos a sensação de que tudo poderia ser bem melhor. 

domingo, 19 de outubro de 2014

Amadeus: espetáculo imperdível

Amadeus (Amadeus, 1983)
Direção: Milos Forman
Com F.Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge e Jeffrey Jones

Nota: 10 

Inspirado na peça homônima de Peter Schaffer, o diretor Milos Forman levou para as telas do cinema uma história brilhante de um dos maiores nomes da música de todos os tempos. O resultado final foram 8 merecidas estatuetas para uma obra que se aproxima mais de um clássico do que uma biografia de Wolfgang Amadeus Mozart. 

Como o próprio compositor austríaco, sua história é cheia de complexidade e de difícil caminho a ser percorrido pelos vários cineastas que se aventuram a traduzi-la para as telas. Há muitas obras sobre Mozart, muitas versões, aversões, contradições, ou meros boatos para delinear sua trajetória. Sendo assim, parece então mais fácil recriar uma versão para sustentar algo que agradaria a todos que admiram uma ótima história. 

Comecemos então por uma liberdade poética essencial para criar uma trama com protagonista e antagonista que agradou e muito a todo o público e fez de Amadeus uma obra inesquecível. A rivalidade entre compositor italiano Antônio Salieri e Mozart já foi descartada por alguns estudiosos. Os mais ousados até declaram que Salieri nunca foi o compositor medíocre que o filme de Forman quis passar e que na verdade era Mozart quem tinha inveja de seu sucesso. Fatos e boatos à parte, o que interessa é analisar um dos espetáculos visuais mais lindos do cinema. 

“Um homem dividido em dois.” Assim se define Antônio Salieri (F. Murray Abraham) em sua jornada particular da relação com Deus, a música e Mozart (Tom Hulce). O filme se centra na figura do compositor italiano que narra durante uma confissão no hospício como suas emoções em relação à figura de Mozart terminaram por afetar seu juízo. Diante de um perplexo Padre (Richard Frank), ele descreve sua paixão pela música desde a infância numa família desprovida de apreço musical. Depois da morte de seu pai, Salieri dedicou toda a sua castidade a Deus e sua vida a este objetivo, a fim de tornar-se o melhor compositor de Viena até a chegada de seu “rival” à cidade que segundo ele, expõe toda sua mediocridade ao mundo. É o que podemos chamar da diferença entre ser uma pessoa esforçada naquilo que faz e ser um gênio nato. Esse foi o grande mote da história. A razão da revolta interior do compositor italiano. Mesmo que tentasse, rogasse em preces e orações, Salieri jamais conseguiria superar o que ele chamou de “a criatura de Deus”.


Ainda assim, o sucesso de Salieri era evidente em meio ao grande público e como o Compositor mais respeitado da Corte do Imperador Joseph II (Jeffrey Jones), interferia com total autoridade em tudo que se via pelos palcos da bela, mas ainda questionável em matéria de cultura musical, Viena. Tudo era entregue às mãos do Imperador, que mesmo tendo um Conselho manipulador para isso, tinha sempre a última palavra sobre. Sagaz, Salieri era testemunha das limitações do Monarca acerca do assunto, mas nunca deixou de dançar conforme a música da época. Mesmo admirando a obra genial de Mozart, fez de tudo para sabotá-lo na Corte por se sentir diminuído diante dele e pelo próprio Deus. O divino passou a ser alvo de sua revolta depois de uma tentativa frustrada de se vingar do rival através da dedicada esposa do mesmo Constanze (Elizabeth Berridge). Para Salieri, Mozart tinha tudo que ele escolheu se privar. Tudo lhe foi concedido por obra divina sem nenhum esforço, sacrifício. 

O misto de admiração e inveja é condensado de forma mágica, na sublime interpretação de Abraham. Tanto no passado vivendo o auge do compositor como no presente, já velho debilitado por uma tentativa de suicídio. A reação estarrecedora estampada na fisionomia do Padre é um retrato perfeito da reação de quem assiste a atuação de Abraham. Seguramente uma das 10 melhores de todos os tempos do cinema. Hulce também faz um excelente trabalho como o compositor em sua fase extrovertida. Seu jeito moleque, sua gargalhada contagiante e aos mesmo tempo inesquecível é a marca registrada da contradição entre os dois personagens. Em sua fase de declínio, perde um pouco esta força magnética especialmente em comparação a Abraham, regular o filme todo. Talvez este tenha sido o detalhe que definiu o vencedor do Oscar. 

Quando ouvi falar em Amadeus pela primeira vez, pensei como a maioria dos leigos em relação a música clássica, sua história e contexto cultural. A armadilha de se tornar um filme maçante de 3 horas com música alta, acordes incompreensíveis para ouvidos menos apurados, berros de sopranos e danças nauseantes, se esvai num show de beleza cinematográfica através das atuações, cenários e figurinos minimamente produzidos num ritmo tão perfeito de quadros no roteiro, que é impossível esboçar qualquer bocejo diante disso. 

Um êxito de uma das muitas versões da lendária história do compositor aqui mostrado como um homem que possuía um talento nato para a música, sofreu com a pressão de ser quem era, e ainda assim viveu suas paixões de forma natural. Entre farras, brincadeiras e bebedeiras, fez de sua personalidade escrachada pra obscena, um ultraje à sociedade conservadora. Como todo gênio, foi incompreendido por muitos, exceto por seu mais ilustre admirador. O algoz narrador de uma história avassaladora entre notas de raro dueto. A música fabulosa de um gênio é um êxtase para os ouvidos e o filme centrado num personagem fenomenal um êxtase para os todos os sentidos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Millenium e duas formas de não amar as mulheres


Baseado na fantástica Trilogia literária do sueco Stieg Larsson, o diretor Niels Arden Oplev adaptou Millenium – Os homens que não amavam as mulheres para o cinema de lá. O êxito foi tanto que chamou a atenção de Hollywood, e pelas mãos do talentoso David Fincher veio uma nova adaptação em 2011. A proposta agora é analisar as diferenças destas obras em cada tempo, país. 

A história


O filme traz o jornalista investigativo Mikael Blomkvist da Revista Millenium à beira de uma desmoralização profissional e prisão eminente até aceitar um trabalho que mudará os rumos de sua vida e de sua carreira. Ele é contratado por Henrik Vanger, um poderoso industrial para descobrir o que de fato teria acontecido com sua amada sobrinha Hariet. Mas logo Blomkvist percebe que não está sozinho em sua empreitada. Ele recebe a ajuda de Lisbeth Salander, um habilidoso hacker punk-feminista, que também por motivos de trabalho, tem consigo todas as informações de seu computador pessoal envolvendo o caso. De personalidades marcantes e distintas, juntos, a dupla consegue desvendar o mistério por detrás do desaparecimento da jovem. Mistério esse que envolve preconceito, incesto e Ideologia deturpada. 

O contexto cultural da história

O Herói hollywoodiano e a heroína sueca em primeiro plano

Enquanto a profundidade das questões femininas é bem locada dentro da Suécia, a versão americana não faz jus a este contexto. A figura de Lisbeth Salander dentro do país escandinavo é bem mais onipresente neste sentido do que em terras americanas. As mulheres se tornam o principal da primeira versão, com isso, a heroína tem uma participação bem mais ativa no desenrolar de toda a trama. Em Hollywood, a cultura machista ainda é predominante, onde podemos notar em coisas triviais como a capa/pôster do filme de Fincher com a figura do herói masculino (Daniel Craig) em primeiro plano. 

Lisbeth e Lisbeth


Com um contexto histórico bem mais equilibrado para o seu lado, não foi difícil para a atriz sueca Noomi Rapace colocar definitivamente sua heroína no hall de personagens inesquecíveis. De personalidade forte, agressiva e dominante, ela tomou as rédeas da situação na trama. Enquanto Rooney Mara fez um bom trabalho naquilo que foi proposto. Uma Lisbeth mais suave, fragilizada, dependente do galã bonitão para se sentir relevante na história. Dentro desse contexto, podemos afirmar que ambas se saíram bem em seus papéis, mas a atuação de Noomi foi bem mais visceral. 

Mikael e Mikael

Mikael Blomkvist em dois momentos: como o parceiro e o Herói.

Com a figura feminina mais embrutecida na Suécia, o personagem do ator Michael Nyqvist é bem mais sensível do que o de Daniel Graig, carregado com traços de 007. O herói que tudo sabe, tudo vê, e é bem mais perspicaz. Sendo assim, a Lisbeth de Mara não deixa de ter uma participação valiosa, porém há momentos em que não passa de uma mera ajudante do herói ou uma Bond girl carente e desamparada. Já a Lisbeth de Noomi é mais independente. Não se deixa agir de forma passiva. A dinâmica entre as duas duplas/casais é invertida dentro do contexto já mencionado, mas a força dos dois personagens dentro desse mesmo contexto, embora distintas, não é alterada para mais ou para menos.

Os Vilões


Pra quem conhece a história, sabe que Martin Vanger, herdeiro das Indústrias Vanger e filho de pai Nazista, é o grande vilão. Na Suécia, ele é interpretado por Peter Haber. O ator pode até ser talentoso em seu país, mas aqui não se sai bem e muito menos é superior a Stellan Skarsgard, o Martin da versão americana. Além de bem mais a vontade no papel, Stellan é bem mais assustador que Haber, no entanto, o desfecho do personagem sueco mexeu muito mais com as emoções dentro da trama de Lisbeth. 

Narrativa e efeitos visuais


Quando se fala em efeitos visuais não dá para comparar. David Fincher, especialista em montagens e belas fotografias, dá um passo adiante da versão sueca, que peca um pouco na dramatização excessiva em certos momentos e deixa algumas lacunas na trama, como por exemplo, o fato de Lisbeth (Noomi) saber rapidamente e exatamente onde procurar os nomes da lista em citações bíblicas. Em nenhum momento, dentro da trama cinematográfica, tivemos conhecimento da familiaridade da moça com o “mundo religioso”. Mais fiel ao livro e a própria narrativa cinematográfica, a versão americana coloca a filha de Michael, religiosa, como quem desvenda esta parte da trama. Contudo, há de se convir que a importância dada a Lisbeth na versão sueca pode até justificar este pequeno deslize narrativo. 

Cenas fortes


Estupros e violência de todo o tipo são o carro-chefe da obra de Larsson na história de sua personagem principal. Lisbeth construiu toda a sua vida embrutecida pelas relações conturbadas com homens e nunca se sentiu amada por eles. E uma dessas relações foi com o seu tutor o inescrupuloso Björn Granath (Gustavo Morell). Em troca de capital para as usas necessidades, Lisbeth tinha de atender favores sexuais para ele. E quando isso acontecia, a violência do homem era no mínimo impactante. Numa dessas, a hacker filma o ato e passa a chantageá-lo com o DVD, que será importantíssimo para o desfecho de toda a história. As cenas são fortíssimas, bem filmadas e representadas. Na versão americana, Fincher suaviza um pouco este lado, mas ainda assim as cenas ficam fortes e tensas. 

Desfechos e continuações


O sucesso de Os homens que não amavam as mulheres (2009) na versão sueca rendeu duas ótimas continuações. A menina que brincava com fogo (2010) e A Rainha do Castelo de Ar (2011). Todas entrelaçadas num único enredo. Este foi o ótimo padrão de toda a Trilogia de Oplev, que parece ter sido filmada de um take só e dividida em três partes. A coerência de todos os fatos ajudou a desenvolver todas as histórias bem fechadas dentro do que representava cada personagem. Esta é uma diferença mencionável dele para a versão amarrada de Fincher, fechada demais para ser uma boa âncora para os próximos filmes. Diretor e roteiristas terão de ser bem ousados e criativos para esta missão. Além disso, a fraca bilheteria ameaçou outra continuação e boatos dão conta que Daniel Craig, o ator principal não participaria destas sequências. 

Embora goste e me identifique mais com a versão sueca, há quem afirme categoricamente que a versão americana é melhor. Não me cabe julgar opiniões diversas, apenas fazer estas comparações dentro dos principais elementos que encontrei e achei mencionáveis das duas versões. A quem interessar, eu prefiro a Lisbeth de Noomi, prefiro a história bem mais contextual, emocionante/sentimental de Oplev, mas pra quem gosta das adaptações americanas, tem o que tirar de bom também do filme de Fincher, um diretor talentoso que fez seu elenco trabalhar naquilo que foi proposto. Ser apenas diferente.