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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma nova projeção


A amizade entre um velho projecionista e um garoto apaixonado por cinema é o mais brilhante cartaz de Cinema Paradiso. Uma obra inesquecível dedicada a todos que fazem da missão de ensinar um aprendizado contínuo e apreciam a arte de recriar os sonhos através das telas

Ensinar é um verbo transitivo direto que nos acompanha sempre em cada jornada de nossa vida. Da infância, passando pela adolescência e chegando a fase adulta, sempre precisamos de alguém que o carregue consigo e que esteja comprometido em usá-lo a fim de nos apoiar em cada passo. Foi assim que Alfredo, o projecionista do Cinema Paradiso da cidade de Giancaldo se destacou na vida do menino Totó. Passivamente, Totó foi conduzido com dedicação e considerável afeição por seu mestre nas mais fantásticas obras que realçavam seus sonhos. Por meio deles, Alfredo se tornou seu professor munido com o diploma na arte de ensinar. Assim, conseguiu se tornar um elo familiar importante na vida de Totó. Ativamente, o menino aprendeu a carregar suas diversas lições e com a mesma afeição e dedicação para quem delas necessitava. O elo criado desta troca de afeto então se fortaleceu como uma base sólida para vida de ambos.

Neste caso não importa o grau de escolaridade a que Alfredo venha possuir. Aliás, isto ele nem mesmo tinha por ser analfabeto. Bastou que tivesse no coração o dom de ensinar e se comprometer em se tornar parte de algo familiar na vida de seu pupilo. Ser um bom professor muitas das vezes é superar seus próprios limites. É inventar, se reinventar como forma de interação. É ter sensibilidade de observar tudo que se passa dentro e fora dos muros do colégio. É ter a capacidade de estar ciente das veracidades destas lições, interagindo de forma uniforme com seu aluno. O professor da vida é alguém a quem devemos confiar como Alfredo ganhou a confiança de Totó através do carinho e idoneidade.

Somando as inspirações de mestre e discípulo, obtemos algo mais valioso que ensinar e aprender. A amizade. O professor é um amigo professor e o amigo é o professor. Esqueçamos as datas, semestres, trabalhos, notas, diários. Amigos necessitam apenas de compreensão e paciência para entender uns aos outros. Entrar em cada mundo, conhecer a fundo, e ainda assim, continuar sendo amigo na esperança de que um dia você nele se inspire e também possa fazer a diferença na vida de outras pessoas. Expandir conhecimentos adquiridos pelo mundo afora sem medo de enfrentar os inúmeros percalços adiante. Esta foi a mais poderosa e, com certeza a mais dolorosa, lição que Alfredo ensinou para o rapaz Salvatore, no diálogo derradeiro de ambos na estação de trem, quando o jovem deixou a cidade.

Insistentemente o menino sonhador foi levado por seu mentor através de caminhos menos tortuosos toda vez que se deparava com a dura realidade de sua vida na cidade. Numa passagem, Alfredo descreve o pai do garoto como uma artista. “Ele tinha o bigode do Clark Gable.” Ao saber que perdera o pai em combate, Totó, que caminha com sua inconsolável mãe, fixa seus olhos num pôster do filme E o vento levou. Logo, ele se lembra das palavras do velho amigo. Assim, graças à magia do cinema, o pai permaneceria vivo por toda eternidade. O professor torna-se um mágico que encanta e fascina quem dele se espera respostas surpreendentes para difíceis questões.

No mundo real não é permitido sonhos nem mágicas. Mas o importante é saber que sempre que tentarmos viajar por nosso mundo de fantasia ou empunhar nossas varinhas encantadas, há de sempre nos lembrar de quem um dia nos ensinou os grandes truques. Com uma incrível habilidade, Alfredo ensina Totó como recriar na praça o filme que era exibido do lado de dentro do cinema lotado. Satisfazendo assim, a multidão que não conseguiu entrar.

Aqui ou ali, lá ou cá. Não importam em qual direção nossos rumos irão nos levar. Nós sempre acabamos voltando as nossas raízes. O início personificado por alguém que nos ensinou a moldar nosso caráter e que nos deu força por meio de sua força para projetar nossos próprios sonhos pelas telas da vida. Salvatore retornou a cidade no intuito de enterrar seu velho amigo. Mas acabou por desenterrar suas velhas lembranças. Ele retornou ao início da história como uma revisão de cartilha. O clima de nostalgia voltou a alimentar seus sonhos perdidos pelo tempo.

Rir e chorar tornaram-se verbos diretamente transitivos no Cinema Paradiso. Um local onde surgiu uma das mais poderosas alianças da vida. Onde foi atado um laço indestrutível de amor e amizade que nem mesmo uma implosão pôde desfazer. Um local onde eram aniquiladas as diferenças sociais. Onde cada pessoa sabia o que a definia. Onde sonhos eram alimentados e a realidade ficava do lado de fora. Um local de beleza inigualável que testemunhou uma nova projeção da palavra professor.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mais que uma história de brinquedos


Toy story 3 fecha uma das melhores trilogias do cinema com um filme feito para entreter, mas que acaba emocionando até mesmo aqueles que não esperavam possuir sentimentos“Toy Story ficará pra sempre na memória.”


Crescer muitas das vezes é um processo que requer muitos sacrifícios. Deixar pra trás tudo que possa lembrar um tempo onde à inocência de pensamentos povoavam o imaginário de seu mundo de aventuras, amizades, brincadeiras e em alguns casos, solidão. Um universo todo especial preenchido com a presença de amigos menos incisivos e mais dispostos a aceitar melhor qualquer proposta de diversão que possa ter em mente. Estes amigos inanimados pela natureza industrial receberam o nome de brinquedos.

A cada vez que a solidão tomava conta do seu dia-a-dia, a saída era uma velha caixa de papelão, cuidadosamente guardada por sua mãe, aos berros em atos de repressão. Não importa o quanto você necessitasse ou sofresse, lá estariam eles. Sempre apostos, leais, prontos para se tornarem por algumas horas seus companheiros fiéis de muitas aventuras. Porém, a mesma fidelidade implícita pelos brinquedos não tem a mesma reciprocidade quando o crescer se faz um processo natural da vida de qualquer criança. Ainda mais eloquente nos últimos tempos em que as crianças crescem em progressão geométrica e as brincadeiras tornaram-se, graças ao progresso tecnológico, permeadas de aparelhos eletrônicos.

Sendo assim, o destino de seus velhos e leais amigos é selado por novas prioridades de sua vida. Aquela velha caixa de papelão muda de lugar e vai parar onde não possa mais incomodar. Do quarto para um porão, sótão ou uma garagem. Recostada num canto qualquer, se fazendo um exemplo palpável de amadurecimento. Um ato de praticidade ou uma terrível demonstração de insensibilidade, abandono e ingratidão para com aqueles que tanto nos deram?

Esta poderosa questão impulsionou Toy story 3 a fazer história. O filme é o mais emocionante das histórias de animação do cinema. Este sucesso se reflete nos números quando arrecadou mais de um bilhão de dólares nas bilheterias de todo mundo. Por consequência, foi indicado ao Oscar de melhor filme este ano. Mesmo com o inchaço desnecessário na corrida pelo prêmio é impossível, para quem acompanhou e se emocionou com a terceira aventura do garoto Andy e de seus amigos de infância, não afirmar que certamente estaria entre os finalistas.

O longa da Pixar tornou-se um dos melhores filmes de todos os tempos por possuir o maior dos atributos da sétima arte. Emocionar. Durante mais de 15 anos, podemos acompanhar o amadurecimento da criança aficionada em criar aventuras dentro de seu próprio mundo a um jovem adulto como qualquer outro tentando cortar o cordão umbilical com a infância. O grande trunfo do filme foi apresentar o crescimento de Andy como o crescimento de muitos garotos.

As histórias se fundiram quando com o protagonista eles se identificaram desde a primeira sequencia. Tornou-se familiar a de milhões de crianças por todo mundo. A relação com os brinquedos vai da adoração, do apego sentimental ao descaso e abandono com o cruel passar do tempo. E é aí que entra o ponto chave de Toy story 3. Aqueles seres mudos por natureza, agora clamam, mesmo que no silêncio de nosso mundo, por uma última tentativa de fazer parte do mundo cruel que aprenderam a amar tanto quanto seu dono. A história dos brinquedos contada paralelamente aos dois mundos traça uma visão inquietante sobre o que fazer quando não se é mais essencial na vida dos entes queridos.

A solidão que tanto ajudaram a suprimir agora se encontrava onipresente na vida de cada um deles. Com isso, a decisão sobre que caminho seguir depois de uma inevitável separação entre amigos de longa data, é um paralelo interessante entre as decisões que devemos tomar a partir deste ponto específico de nossa jornada. E o que mais dói é que estas decisões são bem mais dolorosas do que se possa imaginar para qualquer uma das partes. Desapegar das brincadeiras inocentes e encarar a vida de forma mais real abre uma lacuna entre as duas realidades.

E para fechá-la é imprescindível que não deixemos de lado valores captados de nossos amigos incondicionais. Não devemos deixar que se percam na mudança e sejam esquecidos num sótão qualquer, pois são eles que irão reger nossa vida até o fim da jornada. Uma lição que Andy aprendeu na última e mais emocionante sequencia do filme quando ele concretiza o que Woody, Buzz e Cia. almejam durante todo filme. Uma última valsa de diversão numa despedida merecidamente digna àqueles com quem compartilhou os melhores momentos de sua vida até então.

Por tudo isso, Toy story 3 foi apontado por vários críticos como o melhor filme do ano. Sensível, singelo, engraçado e emocionante, é mais que uma história de brinquedos. É a história de nossa própria vida como uma fundamental lição de respeito e lealdade para com amigos de todo sempre.