Cloud Atlas, 2012. Dirigido por Andy Wachowiski, Lana Wachowiski e Tom Tykwer. Com Tom Hanks, Halle Barry, Jim Broadbent, Susan Sarandon, Ben Whishaw, James D'Arcy, Hugh Grant, Hugo Weaving e Donna Bae.
Nota: 7.9
Depois de atingirem o ponto alto
de suas carreiras com o revolucionário, intrigante e complexo Matrix (99), os Irmãos Wachowiski ganharam
um status gigantesco, o que, obviamente, também tem seu lado ruim. A cada
trabalho posterior, inclusive as duas sequências que fecharam a trilogia
virtual de Neo e Cia., as cobranças para que o êxito cinematográfico ao menos
chegasse próximo ao seu maior triunfo também se tornaram enormes. Por isso talvez V de Vingança seja tão subestimado. Porém, com A Viagem, uma obra ousada que se passa em vários períodos distintos
da história, contam com a ajuda do alemão Tom Tykwer para provar que a
existência de qualquer ser humano é cíclica, e sempre será.
A trama envolve seis histórias
diferentes. No século XIX, Adam (Jim Sturgees) é um advogado em que a família
enviou para negociar escravos. Mas no caminho salva a vida de um dele, Autua
(David Gyasi) e recebe ajuda providencial quando necessita. Na década de 30,
Robert Frobisher (Ben Whishaw) é um jovem e talentoso compositor que vira
protegido de Vyvyan Ars (Jim Broadbent), mas aos poucos a relação começa a
ficar conturbada. Nos anos 70, Luisa Rey (Halle Barry), é uma jornalista que
por coincidência encontra com Rufus Sixmith (James D’Arcy) e descobre coisas
escabrosas sobre uma usina nuclear, que acaba colocando sua vida em risco. Nos
dias de hoje, Timoth Cavendish (Jim Broadbent) é um editor em baixa que vê sua
sorte mudar quando um de seus escritores (Tom Hanks) mata um crítico, tornando
o livro dele um fenômeno e Cavendish rico. Mais de 100 anos à frente, num mundo
já obscuro e moribundo, Sonmi-451 (Donna Bae) é um clone programado para
trabalhar em uma rede de fast-food, porém, ela consegue conhecer o mundo e
mudá-lo para sempre. E em um futuro bem distante, Zachary (Tom Hanks) e demais
moradores de um vale de um mundo pós-apocalíptico adoram a deusa Sonmi, e tudo
é colocado em xeque com a chegada de Meronyn (Halle Berry).
O roteiro foi escrito a seis mãos
pelos Wachowiski e Tykwer, baseado na obra de David Mitchell, e apresenta uma
miscelânia de mundos e situações distintas, tudo para chegarem a um mesmo
denominador comum: a vida é cíclica. A delineação de caráter dos personagens
são demarcados para que sua mudança de atitude no próximo cenário alimentem o
sentido que pretendem atingir ao fim da película. Entretanto há uma falta de
nivelação entre uma história e outra. A passagem dos dias atuais não é bem
acabada, deixando uma lacuna na ordem narrativa do filme. Quando o longa
termina, não fica claro como este episódio se conecta com o resto do universo
apresentado.
O trabalho dos diretores é
surpreendente se pensarmos que se trata de três cabeças diferentes. Andy e Lana
(que era Larry, mas não vem ao caso) dão espaço a Tykwer fazer seu trabalho e
não se decepcionam, pois o alemão mostra a mesma firmeza na direção de cenas de
ação que o fez notável em seus longas. Eles também parecem ter liberado a seus
atores reconstituir seus personagens de uma forma que se sintam à vontade, pois
só assim poderiam se desvencilhar de um e mergulhar em um universo totalmente
diferente, podendo ser o mocinho ou o vilão. E entre um mundo e outro, a
violência, a morte, a bondade e o amor andam em paralelo, presentes em todos os
episódios, mas de uma forma subjetiva, que força o espectador a compreender que
sempre estaremos rodeados por elementos incontroláveis.
Há de se invejar o belíssimo
trabalho de produção do filme. A mistura de ambientes é cada vez mais rítmica
de acordo com que os minutos vão avançando, ainda sim percebemos a
singularidade de todos. A maquiagem é incrível, tanto que a maioria dos atores
interpretam mais de um personagem, e em alguns cenários até mudam de sexo, como
Halle Barry e Hugo Weaving. Por este motivo é incompreensível a ausência do
filme em algumas categorias técnicas do Oscar deste ano.
Em meio a tantos atores os
destaques vão para o ator predileto dos Wachowiski, Hugo Weaving, pois seus
personagens apesar de hiperbólicos, são sempre os mais interessantes, como a
enfermeira brutamontes dos dias atuais, o assassino da década de 70 e o demônio
do mundo apocalíptico. E Jim Broadbent, que mostra desenvoltura principalmente
quando está de cara limpa enfrentado as mazelas de um asilo em que foi
internado contra a vontade. Tom Hanks é sempre excelente, talvez um pouco
perdido em meio a tanta maquiagem, mas sempre consegue fazer coisas não
esperadas em cena.
A Viagem
pode ter seu sucesso reduzido pelo seu tamanho exagerado de 172 minutos, pois a
maioria das pessoas não tem paciência para fazer as conexões por si só, ainda
mais em tanto tempo. Um defeito crucial de um filme acima da média e que não
deve nada a outras obras de cunho existencial lançadas ultimamente. Contudo, o
resultado desta tentativa dos diretores de propor uma lógica cíclica para nossa
passagem pelo planeta Terra vai sempre depender do ponto de vista de cada um.
Ou entrarão em uma onda espiritual e levará a sério, ou simplesmente se
deleitarão com os efeitos visuais e acharão que é apenas uma “viagem”, no
sentido pejorativo