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terça-feira, 12 de março de 2013

Persona - Quando duas mulheres pecam (1966)

Persona, 1966
Direção: Ingmar Bergman. Com: Liv Ullmann e Bibi Andersson.
Nota: 10

A máscara que cabe sobre cada qual personagem da vida real se ajusta a personalidades enigmáticas em um dos mais ousados filmes do mestre Ingmar Bergman. Com seu Persona, que o Brasil anexou o subtítulo de Quando duas mulheres pecam, tomamos o nosso lugar na primeira fila para acompanhar o drama intimista da atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann), que simplesmente se emudece para o mundo real depois de um surto nos palcos. A condição é de clara opção própria, uma vez que nada fisiológico foi encontrado em seus exames médicos. Assim a estrela é diagnosticada avulsamente com um limite quase insuportável de stress psicológico. Sendo assim é imediatamente enviada a se tratar numa casa de verão na companhia de uma dedicada enfermeira Alma (Bibi Andersson). 

Dá-se início a uma relação estranha de intimidade pautada sobretudo no monólogo da profissional da saúde. A atriz permanece muda só a ouvir algumas interessantes (e excitantes) histórias da vida pessoal da enfermeira, que com tanto ócio na arte de dialogar, se vê investida de uma ausência de inibição surpreendente. Logo ela, a toda certinha, moça de família com casamento marcado e tudo. Uma mulher que teria apagado a palavra pecado do dicionário descobre que sua identidade está longe de ser a que pensava quando suas histórias se tornam "perigosas" demais a seus anseios pessoais. Os monólogos de Alma satisfazem Elisabet a tal ponto que a certas alturas suas personalidades se fundem em uma só. A diferença social bem como o estado de espírito são abandonados dada a devidas proporções em que o relacionamento vai se destrinchando em confissões íntimas por parte de Alma. Uma mulher que a primeira vista é mostrada como uma pessoa centrada e com tempo se transforma numa persona altamente influenciável capaz de absorver inconscientemente a personalidade de Elisabet mergulhando  assim em um misto de sentimentos paradoxais. Enfermeira e paciente, cada qual com seus problemas, mas com as mesmas soluções, mesmo que se manifestem em condições assemelhantes.

Para quem acompanha atentamente a obra pode observar a evidência do teor verdadeiro desta afirmação. O poder da descoberta é o eixo principal da trama de Bergman, um diretor que adora levar ao extremo a densidade emocional de suas personagens femininas. E o que é melhor, o faz com extrema competência. Se tratando de um gênio é uma obra até certo ponto incompreensível pra maioria em questões cinematográficas. Contudo, cabe a qualquer um que gosta de uma boa obra várias interpretações. Aí consiste o poder do filme. Ele abre este leque que te deixa apenas  com o dever de apreciar. Você não precisa esperar entender. É possível com um pouco de visão tirar suas próprias conclusões de maneira subjetiva. Não há erros nem acertos. Apenas conclusões. Tudo é válido nesta atração de imagens enigmáticas que tratam a desilusão feminina com todo afresco real em que a própria se mostra. 

No que me diz respeito, a ideia proposta por Bergman de tirar a máscara de nossas personas ideais indo a fundo nos porões mais recônditos da alma humana, neste caso a feminina, foi muito bem explorada ao levarmos em consideração a metáfora brilhante da personagem central ser uma atriz. Uma mulher que nasceu com o dom de representar, vestir um personagem, alterar seus princípios e quando finalmente sua máscara cai eclode um surto de realidade e consequentemente uma revolta silenciosa. A "cura" através das palavras desnudas e sem achismos de sua acompanhante desfaz essa mudez interior e ela então se encontra apta para vivenciar o que aprendera no tempo de reclusão. 

A simbiose das duas atrizes erradicadas no teatro tecem com perfeição as cenas pressupostas pela câmera do diretor de Gritos e sussurros  A sequencia inicial "sem pé nem cabeça" pode parecer um emaranhado de coisas sem sentido, mas se trata de arte. Arte surreal, que emoldurada cinematograficamente expõe nossa imensa face mascarada. Uma obra de arte e como tal, nos convida a ser mais reverenciada e menos compreendida. Deixemos as respostas cabíveis àqueles que preferem um entretenimento mais acessível numa poltrona de primeira fila ou em uma tela de LCD.


Um comentário:

  1. Persona é genial, quase um tratado sobre o comportamento feminino. Só Sonata de Outono o supera neste quesito. Também mostra que um gênio se mostra nas mais simples histórias.

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