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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

X-Men Dias de um futuro esquecido: feito para não esquecer


X-Men Dias de um futuro esquecido 
(X-Men: Days of Future Past, 2014)
Direção: Bryan Singer
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Hugh Jackman, Patrick Stweart e Ian McKellen
Nota: 8

Filmes que tem os Heróis conhecidos como protagonistas no geral não têm uma grande preocupação de qualidade no roteiro, tramas mais caprichadas com uma construção de personagens. Afinal, para um fã no afã de ver sua paixão ganhando vida e poderes nas telas, nem conta se consiste ou não este devido capricho para honrar estas obras. Perguntem por que Superman de 1978 é reverenciado até hoje como um clássico e todos os filmes que o sucederam até o presente momento, nem chegam perto de sê-lo? Ou então por que Batman- O cavaleiro das trevas de Christopher Nolan fez um vencedor do Oscar em 2009? Nesses casos, nem precisa chegar perto de ser uma obra-prima, mas uma boa história contada e um roteiro que segue a coerência é o suficiente para satisfazer o espectador um pouco mais exigente. X-Men Primeira Classe de 2011 foi um deles. 

Lançado pelas mãos do diretor Matthew Vaughn, contou o início da saga dos “homens de Xavier”. Seu êxito apagou todos os erros cometidos pela primeira trilogia de Bryan Singer lançada em 2000. Em X-Men – Dias de um futuro esquecido, Singer e os mesmos roteiristas, não esqueceram o que elevou a saga dos mutantes dando continuidade à boa história anterior, que explorou uma identidade mais humana dos personagens míticos de heróis incompreendidos e temidos por uma humanidade preconceituosa. Charles Xavier (James McAvoy), Raven (Jennifer Lawrece), Erick Lehnsherr (Michael Fassbender) e Hank McCoy (Nicholas Hoult), para quem se lembra, foram bem trabalhados num roteiro funcional. 

Agora uniram os atores da primeira Trilogia de Singer com os de Vaughn e isso me impulsionou a querer pagar para ver. No futuro, os poucos sobreviventes liderados pelo Professor Xavier (Patrick Stewart) e Magneto (Ian McKellen) usam seus poderes para enviar Wolverine (Hugh Jackman) ao passado para deter Mística (Lawrence) que teria assassinado Bolívar Trask (Peter Dinklage), idealizador do Projeto Sentinela. O ato desencadearia um futuro apocalíptico para os mutantes, pois capturada, Mística e seus genes, seriam a arma perfeita do insistente Trask para tornar as Sentinelas imbatíveis exterminando quase todos eles. Se Mística matasse Trask, o Governo Americano entraria em pânico, ordenando o início do Projeto Sentinela. Aliás, estes robôs gigantes foram um show à parte, não apenas pelos efeitos especiais, mas também pela trilha sonora característica das personagens. Me senti em frente à TV ainda menina sentindo medo delas. 

A tática de se voltar ao passado para consertar algo no futuro não é nova e muito menos original, mas funciona se bem empregada numa trama convincente, explicada nos primeiros 20 minutos. No filme, Wolverine teria de convencer os jovens Charles e Erick, lendários por suas Filosofias diferentes acerca da interação com a humanidade, a trabalharem juntos. Tarefa complicada ainda mais quando o Herói com garras sem adamantium (um sub-trama interessante) encontra um Charles totalmente devastado pelas consequências da Guerra do Vietnã que minou sua Escola e a perda da amiga Raven para o ex-amigo e aliado Erick. E com a atenuante de estar sem poderes, já que um soro desenvolvido por Hank o faz andar, mas com este ônus. 

Contudo, o que era difícil se torna fácil graças a uma agilidade nociva no roteiro. Em pouco tempo, Wolverine convenceu Charles, que ajudou Erick a escapar de uma prisão por ter supostamente assassinado o Presidente Kennedy. A tensão dramática foi quebrada pelo curto espaço de tempo de uma ação e outra e ainda mais quando se tem cenas inúteis e enfadonhas de jovens engraçadinhos exibindo seus poderes para alegrar uma plateia teen. Lembrando que um dos pontos menos entusiasmantes da primeira Trilogia foi a enxurrada de figurantes de luxo que deixam pra trás histórias mal contadas. Sabemos que cada mutante tem seu poder em particular, no entanto, pra quem está longe de ser uma fã ardorosa devoradora de quadrinhos, é normal se sentir um pouco perdida. Nesse caso, o melhor é deixar a confusão acerca de poderes e se concentrar nos personagens mais relevantes e no objetivo principal de toda a história. 

O elenco, ponto positivo de Primeira Classe, segura bem um texto nada extraordinário, apenas eficiente. McAvoy e o talentoso Fassbender formam uma bela dupla antagônica dando suporte ao carisma eterno de Jackman e seu Wolverine e o talento reconhecido de Lawrence. Por outro lado, não há muito do que se dizer de Stewart e McKellen que pouco aparecem, assim como Ellen Page e Halle Berry, vencedora do Oscar, que nem estaria na trama se não fosse a preocupação pelas cifras nas bilheterias. O contexto histórico da Guerra do Vietnã bem como o assassinato do Presidente Kennedy também foi bem inserido naquilo que a saga X-Men tem de melhor. A questão da opressão e discriminação no caos político vivido pela sociedade americana de encontro com o medo que a humanidade tem do que é diferente. Tudo inserido no discurso final de Magneto que foi muito melhor e de mais impacto do que flutuar ao lado de um estádio de Futebol inteiro pelos ares. 

No clímax dramático na redenção de Mística, valeu o ingresso. Lawrence, formidável como de costume, deixou sua personagem fluir, e enfim, dividiu com Wolverine a relevância na história. A dualidade humana vista em Raven, uma jovem perdida que anseia por respostas e Mística, uma mutante corajosa em busca de vingança. Este conflito pessoal elevou a personagem, que merecia sim ter em suas mãos o destino dos mutantes, afinal, sua representação mórfica é muito alusiva às diferentes personalidades humanas.

Assim como existe a mensagem clara de X-Men, a coexistência pacífica apesar das diferenças, no cinema não é muito diferente. Se de um capricho maior com as histórias emergem produções interessantes como essa, por outro lado, o objetivo apenas de entreter ajuda a alavancar as bilheterias. Neste contexto, ambos são de suma importância para o cinema. Mas quando se tem uma ótima mescla dos dois elementos, ele se torna algo mais prazeroso de se assistir.

Dias de um futuro esquecido: aqui a "bagunça de mutantes"
serviu a seu propósito em todos os âmbitos

X-Men - Dias de um futuro esquecido desenvolve com mais maturidade a primeira sequência, especialmente entre Charles e Raven. Mas ambas produções cumprem bem o seu papel de esquecer os equívocos de X-Men, X-Men 2 e X-Men 3 - O Confronto final. O fim deixa pra trás mais indagações, que os mais otimistas chamariam de ganchos para o próximo capítulo da saga. A volta de Jean Grey (Famke Janssen), viva, Ciclope (James Spader), infelizmente vivo, e Vampira (Anna Paquin), que só aparece de relance quase imperceptível se juntam no chamado happy end ao lado de tudo como deveria ser na Escola Xavier. A cena pós-créditos - essa sim gancho mesmo – nos mostra um culto em meio as areias do grande deserto numa amostra arrepiante do que vem por aí. X-Men Apocalipse (título provisório) deve tentar aparar estas arestas. Ou não. Mas até lá, a mim só resta exaltar mais este êxito e deixar para trás amargas lembranças de um passado esquecido quando se trata de filmes do gênero. 

PS: Desculpem quem ainda não assistiu ao filme, mas penso que a estas alturas do campeonato não cabe se revoltar com spoilers.

domingo, 21 de setembro de 2014

10 Filmes inesquecíveis de minha infância

Bem, não é de hoje que gosto de assistir a filmes. Desde o final dos anos 80 até os meados dos anos 90, assistia a vários deles nas Sessões da tarde e Supercines da vida. Histórias divertidas, que mesmo bobinhas carregavam a inocência de que estava engatinhando pelas veredas do cinema. Claro que o senso crítico aqui deixou muito a desejar em algumas produções. Mas podemos cobrar algo de quem apenas estava procurando entretenimento?

1 - Loucademia de Polícia (Police Academy, 1984)

Antes de Premonições, Jogos mortais e outros tantos filmes ter continuações homéricas por aí, Steve Gottenberg estrelou o primeiro dos filmes que deram certo de primeira e ganharam várias sequências. A história é sobre um grupo de civis autuados que como cumprimento de uma Lei tem que parar numa Academia de Polícia. O objetivo era de se regenerarem, ou na melhor das sortes, surgirem novos policiais. Lá dentro, as confusões rolavam soltas com todos contra o terrível Capitão Harris (G.W. Bailey). O sucesso do filme foi tanto que ganhou uma versão em desenho animado. 


   
    2- Sheena – A Rainha das Selvas (Sheena, 1984) 

   Não, não é a personagem imortalizada pela neo-zelandesa Lucy Lawless. Aqui ela foi concebida como uma versão feminina do Tarzan, e não do Hércules. A bela Sheena interpretada por Tanya Roberts cresceu órfã tornando-se uma garota selvagem e corajosa em terras africanas. De espírito livre e amante da natureza, tinha o Dom de conversar com os animais e quando vê seu território invadido por homens brancos, inicia uma guerra em favor da natureza. Sheena e suas longas madeixas loiras e seu vestuário rústico, foi uma das minhas primeiras heroínas do cinema.


    3 - As minas do Rei Salomão (King Solomon’s mines, 1984) 

Também baseado em um livro e uma refilmagem do clássico dos anos 50, aqui vimos o aventureiro Allain Quartemain (Richard Chambelain) tendo de guiar uma bela jovem (Sharon Stone) pelas inexploráveis terras em busca de seu pai. O velho teria a localização exata das famosas Minas do Rei Salomão, local que segundo a Lenda guardaria incontáveis riquezas. E claro, os vilões que o haviam sequestrado também queriam botar a mão em toda esta riqueza. Com uma forte influência das aventuras míticas de Indiana Jones, o filme serviu como um bom entretenimento, mas longe do apelo dos clássicos filmes de Harrison Ford. 


4- O enigma da pirâmide (Young Sherlock Holmes, 1985) 

O mítico detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle ganha uma versão jovem nesta aventura que mistura diversão e suspense. Ainda estudante, Sherlock Holmes (Nicolas Howe) adora desafios e quando um deles se torna real, começa uma incrível resenha de pistas, mistério e sensações que te prendem do início ao fim quando pessoas são assassinadas devido a alucinações com dardos envenenados. Produzido por Steven Spielberg e com roteiro de Cris Columbus, o filme foi indicado ao Oscar de melhores efeitos especiais em 1986.



         5 - Deu a louca nos monstros (The Monster Squad, 1987)

       O diretor Fred Dekker tentou unir a fértil imaginação infantil e seus causos sobre os mais terríveis Monstros com o famoso Clube de Monstros, febre dos programas infantis da época. Quem foi criança neste tempo, sempre se colocou no lugar dos jovens heróis que tiveram de deter Drácula, Frankestein, Lobisomem, A Múmia e o lendário Monstro da Lagoa Negra. O filme foi claramente uma alusão, homenagem, aos clássicos Monstros da Universal, pois não assustavam ninguém hoje e nem na época. Apenas um bom divertimento para quem se sentia herói. 

       
      6 - He-Man e os Mestres do universo (Masters the of Universe, 1987) 

He-Man era um dos desenhos mais famosos da época e como acontece hoje, ganhou uma versão nos cinemas. No papel do fortão defensor de Etérnia tivemos Dolph Lundgren que ecoou o seu eterno “Eu tenho a força!” contra o vilão Esqueleto (Frank Langella). O filme pode até ser piada hoje, com um roteiro absurdamente risível, mas na época era uma boa pedida pra quem acompanhava vibrante suas aventuras na TV e esperava ansiosa suas reprises. 



         7 - Willow, na Terra da Magia (Willow, 1988) 

O livro é de George Lucas e a direção é de Ron Howard, nomes de peso na Indústria cinematográfica. Portanto, dá até para imaginar o porquê dessa obra ser lembrada até hoje como uma daquelas em que a magia verdadeiramente entrava no coração das crianças. Willow (Warwick Davis) era um jovem aprendiz de Feiticeiro que morava numa Vila pacata que lembra a Vila dos Hobbits, de O Senhor dos Anéis. E como eles, teve sua própria aventura para proteger uma criança inocente de uma Rainha perversa.



               8 - Lady Repórter (Female repórter, 1989) 

Cynthia Rothrock ou Bruce Lee de saias, somou-se ao gênero mulher que troca socos e pontapés com os marmanjos. Foi exibido muitas vezes numa época boa da Sessão da Tarde e claro, logo se tornou uma referência para as mulheres que “mandavam ver” ou queriam mandar quando crescessem, como eu na época. Neste intrigante filme do gênero ela interpreta Cindy, uma jornalista que se envolve numa investigação de um crime de alta sociedade e logo se torna alvo de várias tentativas de assassinatos. Claro, todas fracassam diante da Super Lady Repórter.


         9 - Aracnofobia (1990) 

Frank Marshall dirigiu este Thriller de suspense que contou com John Goodman, Julian Sands e Jeff Daniels no elenco. As outras estrelas, as aranhas, vieram da Nova Zelândia e eram inofensivas aos atores. Tudo começa quando um médico aracno fóbico se muda com a família para o interior e logo descobre que o lugar está infectado por aranhas letais. A cidade fica tomada pelos aracnídeos e o pavor aos telespectadores que começam a espreitar cada centímetro de sua casa e mal conseguem andar por ela à noite.



      10 - Xuxa – Lua de cristal (1990) 

A então Rainha dos baixinhos protagonizou mais um de seus filmes no início dos anos 90. Aqui Xuxa viveu Maria das Graças, uma garota sonhadora que sai de sua casa provinciana para tentar o estrelato na cidade grande em um concurso de música. Uma versão do conto da Cinderela, com direito a tia má (Marilu Bueno), prima invejosa (Julia Lemmertz) e Príncipe Encantado vivido por Sérgio Malandro.  E sim, eu torcia para que eles ficassem juntos também na vida real! O filme teve uma das maiores bilheterias do cinema nacional.

sábado, 13 de setembro de 2014

Crash: no limite entre drama e reflexão

Crash – no limite (Crash, 2005), 
Direção: Paul Haggis.
Com Sandra Bullock, Brendan Fraser, Matt Dillon, Don Cheadle, Terence Howard e Ryan Phillipe. 

Nota: 9

Há quase uma década atrás, o diretor Paul Haggis nos brindou com um daqueles filmes que traz um resquício consequente dos atentados do 11 de Setembro. Momento significativo da história mundial em que o país mais poderoso do mundo na época, percebeu o quanto pode ser vulnerável contra a violência como qualquer outro. Depois que as Torres que sustentavam este Pilar megaeconômico caíram, os EUA tiveram que arranjar alguém para culpar. E esse alguém, ou melhor, alguéns, foram pessoas de diferentes culturas e nacionalidades que passaram a ser pressionadas pelas autoridades. Foi o que chamamos de paranoia seletiva.

Aproveitando dessa brecha, Haggis escreveu uma obra que trata exclusivamente de preconceito em todas as suas tramas. Um emaranhado de histórias começa a se desenvolver e depois se colidem em seu roteiro fascinante. Tudo começa com o roubo do carro do Promotor da cidade, o bonitão Rick (Brendan Fraser). Rick e sua mulher Jean (Sandra Bullock) são representantes da elite branca do filme, que para fugir do rótulo, tentam ser complacentes na rua com a dupla de assaltantes negros. Em vão. Os dois amigos rodam pela cidade aprontando todas e se envolvendo em muitas histórias, até que um deles é morto pelo policial Hanson (Ryan Phillipe). Um jovem idealista branco que só quer ser um bom policial acima de tudo e por isso desaprova os métodos antiprofissionais de seu parceiro Ryan (Matt Dylon), como por exemplo constranger uma mulher negra (Thandie Newton) diante de seu marido, o submisso diretor de TV (Terrence Howard) durante uma blitz. No decorrer de toda a história, Hanson irá descobrir que em Los Angeles não há nenhum lado certo ou errado e que todos estão sujeitos a atravessar a linha tênue que separa estes dois lados.

Assim horas depois, enquanto Ryan salvava a vida da mesma mulher que havia constrangido, Hanson se vê numa situação tensa e depois complicada após dar carona para um jovem negro, irmão do Detetive orgulhoso Graham Waters (Don Cheadle). Impulsionado pelo medo, ele acredita que será atacado pelo jovem quando este leva a mão no bolso. Então o policial exemplar age por impulso atirando na cabeça do seu possível algoz. Sua convicção de princípios cai por terra quando percebe que o jovem trazia consigo não era uma arma de fogo e sim uma imagem de São Cristóvão, o padroeiro dos viajantes, a mesma que ele tinha em seu carro. Um erro absolutamente e absurdamente comum naqueles tempos, porém fatal para a queda de alguns preceitos.

O policial Hanson em dois momentos:
como o policial boa praça e o assassino de um negro 

Todas as tramas que se sucedem paralelas, retratam com exatidão tudo que nos mostra a história construída por diferentes civilizações e depois de uma tragédia, moldada pelo preconceito, o ato de se julgar alguém sem ao menos conhecer. Afinal, até que ponto você mesmo se conhece? É isso que impulsiona os mais de 110 minutos de um filme brilhante, com uma mensagem bem clara para os EUA e para o mundo. Não há uma atuação arrebatadora que seja digna de indicação ao Oscar - embora Matt Dylon tenha sido contemplado com isso - e muito menos de levar pra casa a estatueta, o que não aconteceu. A meu ver de forma justa. As interpretações do elenco são formidáveis de forma linear, afinal, em um monte de histórias, ninguém poderia se sobressair mais que o outro, senão correria o risco de deixar a massa desandar. Inclusive aqui, Bullock já dava sinais de seu talento para o drama.

Indicado ao Oscar em 6 categorias em 2006, sendo vencedor de 3, incluindo Melhor Filme, Crash, que em português de Portugal tem o pertinente título de Colisão, é uma daqueles filmes feitos especialmente para assistir, gostar e depois da belíssima canção In the deep, refletir. Não chega a ser uma obra-prima de padrões colossais, mas cumpre com competência aquilo que é exigido. Desmembrar as reações, interações humanas de diferentes ângulos e âmbitos em uma realidade multicolorida e complexa: negros, brancos, muçulmanos, asiáticos, latinos, pobres, ricos. Nisso se torna um filme imperdível e inesquecível para as várias épocas e seus limites da intolerância. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Ben-Hur: Uma obra-prima que transcende o tempo e os limites do espetáculo!


Ben-Hur, 1959. Dirigido por Willian Wyler. Com Charlton Heston, Stephen Boyd, Jack Hawkins, Frank Thring, André Morell e Sam Jaffe.

Nota: 10

Já havia assistido a este filme épico algum tempo atrás. O idioma era em inglês, portanto eu o vi legendado. E convenhamos que uma obra que tenha quase 4 horas de duração, assistir tendo que ler as legendas, é um tanto quanto complicado e fatalmente caímos na armadilha de perder algum detalhe que possa ser grande para o total entendimento. Hoje, 5 anos depois, tive a oportunidade de revê-lo em nosso idioma e o fascínio continuou o mesmo. 

Primeiro sucesso do cinema a faturar 11 Oscar, Ben-Hur conta como a história do Cristo se fundamentou no embate antigo da linha tênue entre o ódio e o amor

“Um conto do Cristo.” Assim são abertos os créditos iniciais de um épico grandioso que traça um paralelo interessante entre dois personagens inesquecíveis dentro da história, cada qual a seu modo.

Judah Ben-Hur (Charlton Heston), um aristocrata judeu de grande influência econômica na Região, viu sua vida desmoronar após um incidente com o novo Governador do Estado da Judeia, que na época estava sob o Poder do Império Romano. Sua mãe Miriam (Martha Scott) e sua irmã Tirzah (Cathy O'Donnel) foram condenadas com ele injustamente a uma vida sub-humana nas masmorras romanas. A desesperança começou a transformar seu coração em uma rocha sólida à procura de vingança contra um inimigo inesperado.

O inimigo era o romano Messala (Stephen Boyd), após uma bem sucedida campanha pelo Império Romano, volta a Terra onde cresceu ostentando um posto considerável. Para fortalecer a dominação romana no território, Messala faz uma proposta ao amigo de infância. Ben-Hur teria de ajudá-lo na missão de restabelecer a ordem na região judaica que transpirava fanatismo religioso à espera do Messias. O romano rogava em nome da velha amizade para sustentar as muitas questões políticas da época. No entanto, Ben-Hur não concordava com os métodos nada ortodoxos do Império Romano para estabelecer esta ordem. Ele preferiu continuar sendo um judeu autêntico do que trair seu povo, mesmo em nome da amizade. Diante desta recusa, o oficial romano usa um incidente com o Governador como represaria. A casa de Hur era a mais forte da região, portanto, puni-la era como sufocar quem ousasse levantar a mão contra o poder de Roma. Assim começa a saga de Ben-Hur que passa a viver do ódio para alimentar sua força como escravo em um navio de Guerra. 

Enquanto isso, o Império Romano continuava sua saga de escravização e punições contra seu povo. A situação se tonara insustentável na Região e rebeliões dispersas eram facilmente sufocadas. Até que surgiu um filho de carpinteiro da região da Galileia, chamada Nazaré, que teria a missão de reunir o povo e marchar para a tão sonhada liberdade. Seu nome era Jesus e conduzia uma multidão de seguidores por todos os lados, proclamando o Evangelho com base no amor incondicional ao próximo em meio a muitos milagres. Seu nome ecoou tão forte que rapidamente foi denominado o Messias, ou seja, aquele que libertaria os filhos de Israel da opressão. Como consequência, tornou-se uma ameaça em potencial ao Sistema que imperava. O mesmo sistema que condenou Ben-Hur aos navios de Guerra. E foi lá que ele encontrou uma saída considerável para retornar e enfrentar Messala. 

Depois que um dos navios da frota é atacado por bárbaros, Ben-Hur liberta os escravos, além de ter tempo de salvar a vida do Cônsul Romano responsável pela missão. O espírito do escravo 41 havia chamado a atenção do Cônsul, que viu nele a mesma força de seu filho morto. Quintus Arrius (Jack Hawkins) adotou o escravo judeu como seu filho e voltaram triunfantes para Roma. Como o filho de um Cônsul ele teve a oportunidade de recuperar a sua e a Honra de todo seu povo por meio de uma tradicional corrida de Bigas. E o mais importante para ele. Se vingaria de Messala. Assim, se faz. Ben-Hur vence a corrida, recupera a dignidade e ainda descobre pelo amigo quase desfalecido o paradeiro real de sua família que considerava morta.

A corrida de Bigas: uma das cenas mais memoráveis
do cinema faz jus a sua fama de espetáculo
Após o duro golpe de saber que sua mãe e irmã contraíram Lepra, uma doença incurável nas prisões romanas, nele se desencadeia um sentimento que desconhecia até então. Nem mesmo o amor incondicional de Esther (Haya Harareet), tirou dele este desejo visceral. O Império Romano, entre tantos outros crimes, teria corrompido a alma de seu amigo. Sua sede de vingança só seria saciada com a queda do mesmo. A estas alturas, Ben-Hur era considerado o Redentor de seu povo depois de vencer Messala na corrida. O povo judeu o aclamava entre louros e aplausos. Naquela época, derrotar um romano na arena significava mostrar todo o poder dos outros homens. A fama e o poder consequente fortaleceram suas ambições de liberdade pelo poder da espada. Liderar uma rebelião a fim de terminar com a tirania em seu país. É neste momento que o filme ganha contornos espirituais com bases na figura de outro Redentor.

Dá para imaginar Jesus de Nazaré como apenas um coadjuvante numa história? Esta certamente foi a maior proeza do filme de William Wyler. Jesus não resplandece sua face na tela e muito menos menciona uma palavra sequer. Um relance de imagem é o suficiente para transcender sua presença no filme. Sua silhueta surge como o carpinteiro que se abaixa, humildemente, para saciar a sede de Ben-Hur caminhando na escravidão dos desertos. Um segundo encontro se faz quando o judeu retribui o gesto de caridade ao Cristo no caminho do Calvário.

Sem entender o porquê de aquele Homem Bom ter sido condenado à morte, Ben-Hur se viu na mesma situação tempos atrás. Ambos foram vítimas da injustiça. A diferença foi que enquanto o aristocrata pensou em usar seu ódio como arma, o carpinteiro pregou incessantemente o Amor como a única arma da verdadeira liberdade. Até mesmo nas horas de desespero, suas palavras serviram como alento a todos que ansiavam por esperança. O embate moral de Ben-Hur chega ao limite da condição humana, quando o lado obscuro de sua alma se esvai diante do milagre das últimas palavras proferidas por Cristo na cruz. “Pai, perdoai-lhes, pois eles não sabem o que fazem”. “Eles” a quem se refere é diretamente ao sistema que o condenou à morte. O mesmo sistema que assolava seu povo.

Sentindo o poder das palavras de Cristo, a redenção de Ben-Hur salva as vidas de sua mãe e irmã curadas pela fé. “E senti a sua voz tomar a espada de minha mão”. As cenas finais são de uma grandeza hipnotizante. E não apenas pela questão espiritual, mas como coesão de toda a obra de quase 4 horas num delinear perfeito entre os elementos mais primordiais do cinema. Nem mesmo os ainda precários efeitos visuais (especialmente nas sequências da batalha marítima) destoam de uma obra-prima tão rica que não precisa nos hipnotizar com efeitos nauseantes que vimos hoje em dia.

Conhecido por interpretar personagens reais, Heston surpreende num papel fictício e ao mesmo tempo tão real que lhe deu o Oscar de Melhor Ator. Tão surpreendente quanto ver um Jesus somente pelo poder de sua presença subjetiva. Tão surpreendente quanto um filme de ação tratar com tanta humanidade um tema relevante a qualquer época. Sentimentos que ditam os caminhos pela alma humana e obriga cada ser humano a escolher qual curva seguir. Como uma corrida de Bigas, tomar as rédeas de seu próprio destino. Este é o ideal da verdadeira liberdade.

Que a força de Ben-Hur e o espírito de Cristo estejam sempre conosco!