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sexta-feira, 29 de março de 2013

Personagens inesquecíveis: Lisbeth Salander


Filme: Os homens que não amavam as mulheres (2009)


Se existe um exemplo de mulher que faz os homens não amarem, este atende por características anti-sociais, personalidade ríspida e delineamento moldado pelo ostracismo. A hacker punk mais famosa das telas saiu das maravilhosas páginas de Stieg Larsson para brilhar, e mais precisamente, digitar seu nome, na história. Vinda de uma infância conturbada, como a maioria das pessoas que rejeitam um contato mais humano com os outros, ela se fez por si  mesma, mesmo sem o esteio de um colo mais familiar, colecionava em sua jornada devastadora lares adotivos e tutores inescrupulosos. Corajosa, ousada, e extremamente inteligente, sua habilidade de desvendar mistérios cibernéticos a tornou uma espécie de anti-heroína de uma das mais intrigantes histórias do cinema. Suas características físicas no mínimo despertam atenção e as psíquicas mantém estas mesmas atenções pautadas invariavelmente na atuação fabulosa de suas intérpretes  A norte-americana Rooney Mara conseguiu a proeza de ser indicada ao Oscar fazendo uma personagem forte, porém mais maleável. Já a sueca Noomi Rapace foi mais fiel a sua construção literária, desenhando um perfil perfeito de uma mulher que ignora regras e padrões sexistas e segue a prumo seu próprio destino. Uma força descomunal que se alimenta principalmente da ausência da  capacidade de não ser amada por homens, e no viés da capacidade de ser amada por todos  os que adoram cinema, seus personagens e respectivas atuações.



"Quando chega o momento certo, eu os deixo pensarem o que quiserem. Se eles se importam o suficiente para se incomodar com o que eu faço, então já estou melhor do que eles." Marilyn Monroe


terça-feira, 26 de março de 2013

Grandes filmes que pouca gente viu: Anos 2000

Sempre existe aqueles filmes que você assiste e quando vai comentar com alguém, a pessoa não viu. O tempo passa e você percebe que aquele libelo vai passar despercebido pela maioria do público. Claro, que cinéfilo que é cinéfilo sempre dá um jeitinho de assistir, então vai o top 10 dos anos 2000. Vai por mim, merecem ser vistos.

Antes que o Diabo saiba que Você está Morto (2007)

Sidney Lumet andava meio sumido, parece desanimado de filmar, entretanto quando voltou à ação, nos trouxe uma obra visceral, intensa e truculenta. A trama conta a história de dois irmãos, Andy (Philip Seymour Hoffman, sensacional) e Hank (Ethan Hawke) traçam um plano , à primeira vista, simples: assaltar a joalheria  de seus pais. Com o risco de ser pego em uma auditoria, Andy consegue convencer o irmão que deve 3 meses de pensão da filha. Mas, quando a mãe deles (Rosemary Harris) acaba gravemente ferida, terão de se virar para contornar esta difícil situação, com o pai deles, Charles (Albert Finney), em seu encalço.


O Escafandro e a Borboleta (2007)

Tocante, o filme de Julian Schnabel era para ser um grande dramalhão, porém funciona ao contrário, traz uma aula de vida, perseverança e alegria. Filmado de forma extraordinária, sob o ponto de vista do protagonista, narra a história real de Jean-Dominique Bauby (Mathiew Amalric), editor-geral da revista Elle, que sofre um AVC e fica com todo o corpo paralisado, exceto o olho esquerdo. E é justamente por ali que consegue uma fórmula para se comunicar com o mundo exterior, pois apesar de invalido fisicamente, sua mente está perfeita. Com a ajuda de Henriette (Marie-Josée Croze) cria um sistema que só com o piscar dos olhos, consegue escrever um livro. Imperdível.


4 meses 3 semanas e 2 dias

Este filme romeno dirigido por Cristian Mungiu é um daqueles que gostam de sufocar o público, colocar a par da ação central, mas nunca permitir que se tome alguma posição enquanto o longa não chegue ao seu fim. As colegas de faculdade de uma pequena cidade romena, Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasilu), dividem o dormitória no campus. A segunda se desespera ao saber que está grávida, porém o aborto é ilegal no país. Entretanto ela aluga um quarto em um hotel e contrata o Sr. Bebe (Vlad Ivanov) para   fazer o serviço às escondidas. Porém, a gravidez está muito avançada, e as amigas ficarão reféns das exigências do misterioso homem, algumas delas, com um preço muito alto, em todos os sentidos.

Vênus (2006)

Este longa já vale pela lição que Peter O'Toole deu: recebeu o Oscar honorário pelo conjunto da obra, mas mostrou que talento não tem idade e conquistou mais esta indicação. Além disso, o filme de Roger Michell é, mesmo que a premissa nos leve à Memórias de Minhas Putas Tristes de Gabriel García Marquez, surpreendente do início ao fim, e não cai em maneirismos hollywoodianos. A trama gira em torno de Maurice (O'Toole, ótimo), um ator ainda em atividade, e Jessie (Jodie Whitaker), sobrinha neta de um amigo seu. A paixão dele pela moça, que não pensa duas vezes em maltratá-lo, é constituída de muito humor negro e situação libidinosas, mas longe de serem vulgares. 


A Viagem de Chihiro (2001)

Considerado um dos melhores filmes da história do cinema japonês, foi o primeiro vencedor do Oscar de melhor filme de animação, e elevou Miyazaki Hayao ao hall dos melhores roteiristas e diretores do Japão. E não era para menos. A história de jovem Chihiro, que perde os pais em um plano espiritual alternativo, e precisa passar por várias provações para que sua vida volte ao normal, contando apenas com sua coragem e a ajuda do menino-dragão Haku, que está sob um feitiço. Com traços preciosos, o diretor não poupa os olhos do público, insere sangue e situações violentas em geral. Poesia de primeira classe.

As Consequências do Amor (2004)

O título sugere algo mais sublime, entretanto isso não é do feitio de Paolo Sorrentino. Este seu longa tem uma narrativa ao mesmo tempo que vanguardista, muito contemporânea em linguagem. Na história, homeopaticamente vamos acompanhando a trajetória de Titta Di Giralamo (Toni Servillo), um hóspede morador de um hotel na Suíça. O diretor permite que direcionemos o olhar para as ações ´periféricas dos outros hóspedes do hotel, para só depois mostrar o que realmente move Di Girolamo . A relação do protagonista com a bela garçonte (Olivia Magnani), a aparição de gangsteres e o final curiosamente mais lento do que o normal, elevam este singelo longa a obra-prima obrigatória. 

Caché (2005)

Michael Haneke pega um gancho, não assumido, no filme Estrada Perdida (97) de David Lynch e desenvolve à sua maneira a trama. Georges Laurent (Daniel Auteuil), um apesentador de TV, é casado com a editora Anne (Juliette Bonoche) e vive bem em alto padrão. Quando fitas de uma câmera de segurança é deixada em sua porta, inicia-se o mistério, que vai se desenrolando ao passo que outras gravações, da fazenda onde Georges cresceu, e a presença de seu quase irmão Majid (Maurice Benichou) são inseridos na história. Haneke vai largando aos poucos o suspense intruncado para expor sem piedade sua violência, reveladora, mas também, estarrecedora. 

A Teta assustada (2008)

Tudo bem que existe quem tenha classificado como péssimo este libelo do cinema latino-americano, talvez por não perceber acima de tudo, se trata de uma cultura inédita, a peruana. O nome do filme faz referência a um folclore do país, onde  as mulheres estupradas, contaminam seus filhos através da amamentação com uma espécie de doença que extermina a alma. Fausta (Magaly Solier, ótima) é uma delas, que depois que sua mãe morre, é obrigada a encarar de frente seus temores, e ainda manter em segredo a batata que mantém em sua vagina, como forma de evitar um possível estupro. Alegórico, estranho, porém, brilhante.

Confissões de uma Mente Perigosa (2003)

Pode ser que este seja uma espécie de "vestibular" que George Clooney como diretor, e por isso sua mão ainda não estava com maneirismos. Divertido, imprevisível e, às vezes, lento, o longa conta a história de Chuck Barris (Sam Rockwell), um produtor cheio de criatividade da industria televisiva. Quando percebe que está sendo seguido por um estranho, ele é levado ao universo dos agentes secretos, com missões nos mais variados lugares do mundo. Para manter as aparências, concilia a vida na TV com a de espião, o que rende situações impagáveis. Cult Movie instantâneo.

O Segredo de Seus Olhos (2009)

O cinema argentino tem sido o mais regular do circuito latino-americano. E o auge deste momento foi com este thriller de suspense, que do primeiro minuto ao desfecho absolutamente inesperado, retumba entre os melhores do gênero na história. Bejamim Esposito (Ricardo Darín, extraordinário) se aposentou do cargo de oficial de justiça e decide escrever um livro sobre  um crime brutal, o qual não conseguiu resolver quando trabalhava como investigador. Ao se encontrar com o viúvo da vítima promete solucionar o caso com a ajuda de seu amigo Pablo (Guillermo Francella) e de sua chefe Irene Menéndez (Soledad Villamil), a quem ama em segredo. Definitivamente imperdível. 

segunda-feira, 25 de março de 2013

Temple Grandin (2008)

Temple Grandin , 2008
Direção: Mick jackson. Com: Claire Danes, Julia Ormond e Catherine O'Hara.
Nota: 9


Quando se fala em filme para a televisão sempre surge uma dúvida em relação a qualidade inserida neste tipo de atração. Filme remete a cinema, portanto costuma ser de praxe que os dois seguimentos estejam separados por um sistema distinto de qualidade em termos cinematográficos. Nos EUA filmes para a TV tem um contra-censo diferente baseado neste conceito, surgindo de vez em quando coisas apreciáveis como cinema. Mick Jackson resolveu tentar aproximar ambos com um filme qualitativo na área da sétima arte, mesmo sendo para a TV. E não é que esta fusão de ideias acabou por dar bons frutos? 


Com Temple Grandin, o diretor usou a sensibilidade para minimizar a diferença entre os dois meios de forma que proporcionasse uma narrativamente ágil e agradável. O filme conta a biografia de Temple Grandin (Claire Danes, assombrosa), uma mulher que desde criança fora diagnosticada com autismo e sem esperança de falar até os 4 anos. O amor de sua mãe (Julia Ormond) contrariou a medicina, ignorou os conselhos de especialistas e insistiu para que a filha tivesse uma educação como de qualquer outra criança. A matriarca abraçou, mesmo que subjetivamente, a causa de sua rebenta dando-lhe o suporte necessário para que a mesma crescesse de todas as formas e se tornasse um baluarte para todas as crianças com a mesma limitação. 

As dificuldades decorrentes eram notáveis, mas nem tanto para a determinação da menina esquisita vencer todas as barreiras impostas. O preconceito em cima disso era apenas um pequeno chamariz de dificuldades no desafio maior que estava por vir. Suprir ela mesma com as armas que tinha (inteligência e perspicácia)  as necessidades impostas por sua condição através de uma máquina, conhecida como "A máquina do abraço". Mesmo sem entender o que as pessoas pensavam, o que os livros e os professores diziam, Temple tornou-se uma jovem cheia de menções acerca de sua notável inteligência acadêmica. Adulta, ingressou na faculdade, se formou com as mesmas menções do colegial alimentando sua paixão pelas ciências. A desvantagem gerada pela incapacidade de entender as pessoas a seu redor virou uma vantagem para a capacidade de entender os animais. A cientista Grandin adota uma filosofia que a ajuda estabelecer um novo método de tratamento direcionado a várias espécies de animais, em especial equinos e bovinos, das regiões dos estados americanos. Seu método revolucionário se mostra eficaz no campo da natureza e na área financeira, ganhando ela notariedade e prestígio por todo o mundo. 

"A natureza é cruel, mas nós não precisamos ser." Foi com esta mensagem que Mick nos apresentou uma filosofia diferente de se fazer uma obra cinematográfica de grande alcance  na TV. O cinema ainda tem suas fortes raízes ortodoxas, seus prós em termos de produção, mas o filme da HBO que mostrou a vitória da humanidade sobre a desumanidade consegue com um roteiro satisfatório desmistificar este conceito. A surpresa gerada em torno de algo produzido para a TV nos dá a certeza de que às vezes falta um pouco mais de empenho e cuidado por parte dos responsáveis pelo veículo em se fazer algo benéfico para todos, unindo em um só destino a qualidade de sons e imagens. 

A qualidade e o roteiro são claramente impulsionados, neste caso somados, a caracterização magistral de Claire Danes. Isso me leva afirmar que se entrasse na disputa pelo Oscar daquele ano, certamente seria uma candidata com T-O-D-A-S as condições de sair dali com a estatueta dourada, aumentando desta forma sua coleção de prêmios na estante acerca deste trabalho, incluindo o Globo de Ouro. Os trejeitos, a voz, o andar, o olhar melancólico, a personalidade distante, as caras e bocas somam-se numa transposição física de quem não se acostumou a lidar com palavras para transparecer emoções. Perfeito! Uma atuação que raramente vimos  no cinema, e que se não fosse pelo trabalho qualitativo seria desperdiçado na TV. 

A interpretação memorável de Danes tem o esteio da veterana Julia Ormond, que volta a seus bons momentos emocionando na medida certa como a mãe tão amorosa quanto frustada ao mendigar um simples abraço da filha. Catherine O'Hara (a eterna mãe desnaturada de Esqueceram de mim) aqui não esquece suas responsabilidades e dá suporte a suas colegas em cada sequencia. A montagem é interessante  derrapando apenas com algumas cenas um tanto vazias na reta final. Contudo, o significante e surpreendente discurso de formatura da moça tenta desfazer este equívoco. 

Uma menina estranha que conseguiu aprender a língua dos bichos com um carisma cativante é um atrativo e tanto para quem aprecia histórias edificantes acima do preconceito e com uma moral no final. Aos leigos, esqueçam ser ela de TV, pois se assim não tivesse mencionado,  nem saberiam de tudo isso provinha daquela pequena tela, pois afinal, muitas vezes ser diferente, não significa ser inferior.  

PS: quando a atriz faturou o Globo de Ouro me equivoquei ao dizer que não se tratava do reconhecimento de um talento, já que não considerava Claire Danes uma boa atriz. Enfim, é com muito prazer que agora digo que queimei a língua. 

sábado, 23 de março de 2013

Sete Psicopatas e um Shi-Tzu (2012)


Seven Psicopaths, 2012. Dirigido por Martin McDonagh. Com Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson, Abbie Cornish, Tom Waits e Gabourney Sidibe.

Nota: 8,7

De vez em quando aparece um filme que se propõe a ser imprevisível, destes com o roteiro que ganha alma em cada segundo, como se tivesse sendo escrito em tempo real. Martin McDonagh é o responsável por criar e dirigir esta trama empolgante, metaliguística, com violência e humor negro britânico, sem perder o foco narrativo, mas, comete apenas o erro de exceder no tempo de duração, que por pouco não pulveriza seu brilhantismo.

Marty (Colin Farrell) passa por um processo de criação de um roteiro cinematográfico, entretanto, a pressão de sua namorada e as bebedeiras não deixam que sua história, que titulou como “Sete Psicopatas”, evolua. Porém, a presença de seu amigo Billy (Sam Rockwell, ótimo) e sua atividade de raptar cãezinhos para que Hans (Christopher Walken) receba a recompensa, acabam por inspirar o escritor. Contudo, quando eles seqüestram um pequeno Shi-Tzu do instável mafioso Charlie (Woody Harrelson, impagável), a ficção vai ganhando vida, mas a realidade vai se tornando perigosa.

O texto de McDonagh é um primor. Vai criando situações em que, à primeira vista é impossível para o público compreender o que é real e o que se trata de invenção da cabeça de Marty. Sem rodeios, vai apresentando um por um os psicopatas da histórias, entrelaçando histórias e criando fios soltos que inevitavelmente são puxados para que alguns mistérios tenham solução, ou são solução que passam a se tornar um mistério. Assim como fez em seus bons Na Mira do Chefe (2009) e O Guarda (2011), consegue diluir a trama em vários esquetes, mas, com muita astúcia, nunca perde de vista seu eixo central.

Como de costume, trabalha com quadros rápidos, dando a sensação de velocidade, que neste caso, pressupõe que há um processo criativo em andamento. Cada revelação, cada inclusão de personagens e pequenos históricos, o diretor vai se desafiando a conseguir chegar ao final sem que tudo se torne chato e incompreensível. Neste aspecto, ele falha, e se excede no momento em que a história se aproxima do fim. O lenga-lenga de quase vinte minutos em que os personagens discutem sobre o final, cada um mais implausível que o outro, não é pobre como cinema, mas chato como o entretenimento que já havia formado.

A atuação do elenco é um dos aspectos que fazem o filme mais atrativo. O trio formado por Walken/Harrelson/Rockwell está em estado de graça, cada um a sua maneira. Porém, este último protagoniza cenas imperdíveis, além de manter uma química especial com seu companheiro canino. É um ator que merecia uma atenção maior. O ponto negativo é Colin Farrell, que não tira de seu personagem o potencial que carrega, e não repetiu a atuação excepcional de sua parceria anterior com o diretor em A Mira do chefe (09), que, diga-se de passagem, é sua única boa contribuição para o cinema.

Um filme que merece ser visto, e em alguns casos revistos, um trabalho excêntrico de um dos cineastas mais criativos da atualidade. Se não agradar o público pela metalinguagem, pode pegar pelo humor refinado, ou pela ação e violência, ou pela fofura do Shi-Tzu da história. Em todos os casos, vale muito a pena.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Histórias Cruzadas (2011)

The Help, 2011. 
Direção: Tate Taylor. Com Emma Stone, Viola Davis, Octavia Spencer,Jessica Chastain, Bryce Dallas Howard e Sissy Spacek.
Nota: 8.5

Ser mulher num mundo povoado de preceitos infundados muitas das vezes nos cala perante situações inócuas recheadas de inadequações aos princípios de humanidade. Uma mulher que nasce com a coragem suficiente para se fazer ouvir e, mais especialmente, se entender neste mundo, em qualquer época que seja, merece ser lembrada com carinho e admiração através dos tempos. Mulheres que ousaram desafiar os padrões impostos pela sociedade maniqueísta a qual deveriam silenciosamente pertencer. São as chamadas mulheres a frente de seu tempo. Ou seja, aquelas que nasceram na hora certa e no tempo errado. 

No filme roteirizado e dirigido por Tate Taylor, baseado em "A resposta" obra de Kathryn Stockett, a jovem jornalista Skeeter Phelan (Emma Stone) foi a mão que conduziu um grupo de empregadas negras do estado do Mississípi a desafiar os limites comportamentais da época. Domésticas que ousaram contar em alto e bom som suas histórias de vida proletarizada bem como as nuances de manifestação racista de seus respectivos empregadores. Com coragem, a jovem Skeeter foge deste padrão, sendo tachada de “diferente” por todos e até mesmo por sua mãe (Allyson Jenney), que chega a sugerir um “remédio especial para tratar seus problemas”.

Skeeter era realmente especial. Uma mulher que via o casamento como opção, não solução. Seu amor estava voltado para a universalidade que desmontava os preconceitos absurdos contra empregadas negras do Estado de Mississípi regido por uma segregação racial quase imutável naquele American Dreams dos anos 60. A era da hipocrisia velada e da aparência exacerbada que muito de vez em quando levava ao suicídio diante de tamanha pressão em querer manter esta aparência. A jovem como tantas outras daquela época, enxergava em sua babá negra um espelho para sua vida. Ou seja, nela encontrava o amor que não via em sua própria mãe. Impulsionada por este amor maternal, a jornalista decide se unir às corajosas Aibileen (Viola Davis, fabulosa) e Minny (Octavia Spencer, perfeita) e imortalizar suas histórias através de um livro. Nele, ambas puderam fazer o que legalmente era impossível naquela época. Ter voz e vez.

Aibileen e Minny são protagonistas de um grupo chamado de "help" (babás que substituíam integralmente o papel das mães naquele tempo intolerante). Mesmo assumindo esta responsabilidade sagrada da maternidade, ambas sabiam que sua condição inferior era o passaporte para um possível descarte individual de cada uma. A fortuita ajuda de Skeeter as ajudam se manter e se imortalizarem através das páginas como exemplos edificantes de formação moral e acadêmica. Apesar de serem dotadas de personalidades diferentes, Aibileen e Minny conseguem extrair muita coisa proveitosa desta troca de experiências com a ousada jornalista, desmantelando o núcleo soberbo e frágil das damas da sociedade como a mimada Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard), cuja parceria com a vencedora do Oscar - Octávia Spencer - rende um momento de diferentes interpretações no filme. Alguns acham de péssimo gosto, outros uma vingança genial e muito bem orquestrada. Mas não se pode negar que a atuação e a teia de situações que Tate encaixa seu elenco passa de tudo, menos indiferença. 

Este certamente é o maior mérito de Histórias cruzadas. Através de suas personagens magistralmente interpretadas por um grande elenco, ele unifica modelos heterogêneos de mulher em suas relações, seus dramas e histórias. O poder deste elenco eleva o filme a um status em que a história relevante parece um ornamento. Octavia puxa a fila numa atuação concisa e inesquecível. Davis, que poderia indiscutivelmente ser contemplada com a estatueta está impecável como uma empregada oprimida, isenta da pieguice que este tipo de drama irradia. Pra completar, a bela Dallas Howard dá segurança, Sissy Spacek marca seu território e Jessica Chastain, que como coadjuvante  arrancou merecidamente uma indicação ao Oscar também. A ingenuidade quase infantil de sua personagem injustiçada emociona demais. 

A questão racial molda o filme, mas o que também ajuda a conduzir com precisão sua arte cinematográfica é o excelente roteiro, os belíssimos figurinos e cenas que mesclam as mais variadas sensações. Todos os elementos são usados com cuidado, não deixando escambar para um possível marasmo. Uma obra imperdível em todos os campos. Uma ajuda que se faz para quem ainda, em pleno século XXI, não consegue ter uma voz e uma vez.




"Às vezes você vê como a humanidade pode passar por cima de qualquer tipo de males culturais. A capacidade de uma pessoa amar e perdoar pode ser maior do que qualquer outra coisa."
Viola Davis

quarta-feira, 20 de março de 2013

Previsões Oscar 2014: ATOR

Depois que Daniel Day-Lewis fez história, outros monstros correm atrás da marca que o britânico atingiu. Porém, um está bem perto. Tom Hanks tem dois na prateleira, e seu terceiro pode pintar, já que interpretará Walt Disney em Saving Mr. Banks. Indicado ele já tá né?

ATOR

Tom Hanks - Saving Mr. Banks

Parece praticamente impossível se pensar em um situação em que um grande interpreta um grande nome da história do cinema americano e não consiga uma indicação. Hanks como Walt Disney meus caros, é a única certeza que tenho para o ano que vem.





Leonardo DiCaprio - The Wolf of Wall Street ou The Great Gatsby


A parceria entre o talentoso ator e o mestre Scorcesse já lhe rendeu uma indicação (O Aviador, 05), o qual merecia ganhar. Depois de esnobadas consecutivas por J. Edgar (11) e pela sua atuação açucarada (melhor do que a de seu companheiro que venceu o Oscar, Christoph Waltz) em Django Livre, este ano, acho difícil que o ignorem como um jovem corretor da bolsa que não sucumbe às tentações do mundo dos executivos, ou na pele do bon vivant Gatsby, que parece ter sido escrito por Fitzgerald, especialmente para ele.


Matthew McConaughey - Mud


Nos últimos anos ele vem amadurecendo e cada vez mais perto de conseguir uma vaguinha na categoria principal. Depois de bons trabalhos em Killer Joe e Magic Mike, ano passado, sua parceria com Jeff Nichols deve render bons frutos também.






Ralph Fiennes - The Invisible Woman


É impressionante como a Academia cisma com um ator e lhe torcem o nariz com uma facilidade incompreensível. O britânico poderia muito bem tre entrado como coadjuvante em A Condessa (09) ou O Leitor (08), mas deixaram para lá. Agora, como Charles Dickens, colocará a Academia em xeque.






Josh Brolin - Oldboy

Depois de um surto de talento que estava escondido depois de Onde os Fracos Não Têm Vez (07) ex-Goonie mostrou que tinha condições de encarar bons papéis e arrancou um indicação por Milk (08). Agora na pele do executivo transtornado de Oldboy, pode conseguir, novamente, mostrar do que é capaz.




Benedict Cumberbatch - The Fifith Estate


O ator britânico do momento mostrou presença de cena ao compartilhá-la com Gary Oldman, ano passado em O Espião que Sabia Demais, e agora encarna um personagem real e polêmico, Julian Assange, criador do Wikileakes. Chance para mostrar que as expectativas não são atoa.


Robert DeNiro - Malavita


Depois de nos afastado do Oscar, um dos melhores atores da história do cinema voltou à cena em O Lado Bom da Vida. E para confirmar que a fase é boa, vai encarar um mafioso, algo que costuma fazer bem quando está fora de forma, agora que voltou ao ritmo, tem muitas chances de continuar no topo.






Oscar Isaac - Inside Llewin Davis


Os Irmãos Coen costumam fazer muito pelos seus protagonistas, Jeff Bridges que o diga. E numa história de um cantor jovem e perseverante, e Isaac pode ter achado seu pote de mel, e ser levado ao Olimpo hollywoodiano em seu primeiro papel de destaque.






Philip Seymour Hoffman - A Most Wanted Man


Não é brincadeira não. Hoffman é um talento único e sua atuação como um checheno vai lhe exigir um estudo de idiomas e comportamento. Muito pouco para se exigir de alguém que recebeu 4 indicações em apenas 7 anos e venceu um deles. Aguardem, ele de novo.






Christopher Plummer - Elsa e Fred


O veteraníssimo ator desconhecia o sabor de uma indicação ao Oscar até 2010, quando foi Tolstoi e recebeu sua primeira indicação. Dois anos depois subia no palco para receber a merecida estatueta e para quem achava que era o fim, tem tudo para retornar neste romance ao lado de Shirley McLaine.









segunda-feira, 18 de março de 2013

Perfil: Jennifer Lawrence - O lado bom da vida


“Eu fico empolgada por ser vista como sexy. Mas não vulgar” 
Jennifer Lawrence

Nascida em 15 de agosto de 1990 e criada em Louisville, Kentucky, Jennifer Shrader Lawrence  já sabia desde a pré-adolescência que queria trilhar a carreira de atriz. Após participar de peças da Igreja, convenceu os pais Karen e Gary Lawrence a ir para Nova Iorque se encontrar com um Agente. Embora não tenha tido nenhum treinamento de introdução, recebeu vários elogios da Agência como sinal verde para The Bill Engvall Show, uma comédia que teve 3 temporadas como um trampolim para o prêmio como jovem atriz revelação e promissora da televisão. Cold Case, Medium e Monk são outros relevantes trabalhos na TV, comprovando que a jovem de rosto confiável tinha armas incontestáveis para o cenário do estrelato. 

Em 2008 sua parceira com as divas Charlize Theron e Kim Basinger em The Burning Plain lhe rendeu mais um prêmio. Desta vez foi o Prêmio Marcello Mastroianni para Atriz Jovem mais Promissora no Festival de Cinema de Veneza. Los Angeles Film Festival foi outro patamar em que subiu na galeria das premiações depois do papel de uma jovem que sofria abuso no filme The Poker House, com Selma Blair e Chloë Grace Moretz. 

Com O Inverno da alma (2010) as coisas esquentaram e a carreira da promissora atriz deslanchou de vez. Além de receber inúmeros prêmios em festivais, as nomeações para o Globo de Ouro e outras principais corridas em tempos de premiações, provou com muito talento que todo este trovejão em torno de seu nome não era apenas uma chuva de verão. Era uma tempestade como bem salientou o jornalista Peter Travers da revista Rolling Stone: "o seu desempenho é mais do que atuação, é uma tempestade que se aproxima." Esta tempestade veio com a tormenta de nome Ree Dolly, uma adolescente corajosa que é obrigada a amadurecer precocemente pra segurar a família, desmantelada pelos abusos financeiros do pai. Aclamada por todos os críticos de cinema daquele ano, a presença de Lawrence no filme é verdadeiramente uma força da natureza. É daquelas que raramente vimos tamanha a naturalidade em que a jovem expôs o drama de sua personagem. Seu nome ganhava cada vez mais força dentro do cenário hollywoodiano  sendo ela convidada a participar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas no ano seguinte. 

A ascendente trajetória se perpetuou mais enfaticamente com o blockbuster Jogos Vorazes (2011). Obra baseada no best-seller homônimo de Suzanne Collins. Lawrence interpreta a heroína altruísta Katniss Everdeen, que para salvar a irmã de uma cruel competição de sobrevivência, se alista em seu lugar. A personagem é o grande mote do filme, sucesso de bilheteria em todo o mundo. O empenho da atriz neste trabalho foi louvável, obrigando-a a um intenso treinamento com dublês, tiro com arco, corrida, Pilates, dentre outras coisas. Sua determinação em se entregar a um papel já era voraz. O resultado foi um festival de críticas positivas num filme que de puro entretenimento se transformou em algo bem mais relevante em se apreciar em termos de narrativa devido a sua marcante presença. Além disso, sua Katniss virou um ícone de coragem do poder feminino, arrebatando uma multidão de fãs pelo mundo afora.  

Metamorfose sempre foi o objetivo de todos que se aventuraram no ramo da interpretação. E para Lawrence veio com a mutante Mística da série X-Men. No aclamado, X-Men - primeira classe (2011), ela se uniu a um bom elenco e ao poder de talento do mesmo para ajudar a passar uma borracha nos equívocos dos primeiros filmes da saga anterior dos fascinantes heróis. O sucesso obrigou a atriz a ser nome certo na sequência em 2014. 

A consagração, agora uma realidade, veio com Tiffany, uma maníaca depressiva em O lado bom da vida de David O. Russell, que deu todo respaldo para que ela pudesse brilhar. A dedicação na composição da personagem transcendeu seu comprovado talento e tocou mais fundo na miríade de emoções que transmitiu nas telas. Vibrante e sexy, Jennifer conduz o filme nas mãos, levando-o ao topo das críticas e a atriz ao topo da Academia. Sempre acostumada a premiações, desta vez ela não deixou pra ninguém, faturando os três principais do circuito. Globo de Ouro, SAG e finalmente, o Oscar no último 24 de Fevereiro. Neste evento  historicamente badalado, protagonizou momentos surpreendentes durante e depois da premiação, provando  mais uma vez sua espontaneidade em administrar o poder dos refletores em si mesma. 

Talentosa, espontânea, carismática. Lawrence é uma daquelas atrizes capazes de obstruir qualquer tipo de crítica a seu desempenho se levarmos em consideração toda sua entrega como profissional. É uma daquelas estrelas que não se deixam esmorecer nem mesmo com um tropeço na escadaria da fama. É uma daquelas mulheres que sabem como poucas nos apontar de que lado se encontra o lado bom da vida. 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Dezesseis Luas (2013)


Beautiful creatures, 2013. Dirigido por Richard LaGravenese. Com Alden Ehrenrich, Alice Englert, Jeremy Irons, Emma Thompson e Viola Davis.

Nota: 6.2


Depois que Stephanie Meyer conseguiu milhões de fãs com seu romance sobrenatural teen, diversos escritores se embrenharam por este novo gênero literário. Quando suas histórias ganharam as telonas, um novo gênero cinematográfico para o público infanto-juvenil também nasceu e chegaram a sua companhia Percy Jackson e o recente Jogos Vorazes. Agora, chegou a vez de Dezesseis Luas, de Margaret Stohl e Kami Garcia, ganhar sua versão cinematográfica, com bruxarias e paixão.

Ethan Wate (Alden Ehrenrich) vive na pacata Gatlin e vem tendo estranhos sonhos com uma jovem que não conhece. Quando Lena Duchannes (Alice Englert) chega à escola onde estuda, sente uma estranha atração por ela, que logo descobre se tratar da desconhecida com quem andava sonhando. Eles se apaixonam e a jovem revela seu grande segredo: ela é uma conjuradora (uma espécie de bruxa), que possui poderes, e está prestes a completar dezesseis anos. Mas, a presença de sua sombria mãe Sarafine (Emma Thompson) e uma maldição revelada por seu tio Macon (Jeremy Irons) podem levá-la ao mundo das trevas.

Nada é novo em Dezesseis Luas, que parece uma colcha de retalho dos outros romances juvenis que superlotaram salas de cinema nos últimos anos. Um dos protagonistas é estranho, se descobre poderoso, apaixona-se por outro e revela a ele seu segredo. Mas, em comparação ao seu antecessor, a Saga Crepúsculo, traz um grau maior de obscuridade, e dá menos ênfase ao enlace romântico, tal qual acontecia com Edward e Bella. Porém, há momentos onde o roteiro é apressado, incompreensível, e muita coisa que deveria ficar claro, passa em branco aos olhos do público.

Ao contrário das outras obras, Dezesseis Luas apresenta um teor de humor negro bem elevado, apesar de na maioria das vezes não funcionar como era esperado. A trama em volta dos poderes da moça e de sua condição de conjuradora prestes a se tornar “maior de idade”, correndo o risco de se tornar uma serva das trevas é interessante, com potencial para uma grande produção. Mas o que se percebe é que não há uma motivação cinematográfica por trás do filme, apenas interesses de hipermídia que poderão vir junto com um possível sucesso do longa.

Os protagonistas interpretados por Alden Ehrenrich e Alice Englert não carregam o glamour que desde o primeiro filme perseguiram Kristen Stewart e Robert Pattinson, apesar de demonstrarem ter mais recursos que o famoso casal, não rola a tal química que os jovens tanto falam. Seja lá o que tenha motivado as presenças de Jeremy Irons, Emma Thompson, ambos vencedores de Oscar, e Viola Davis, indicada ano passado, foi o que salvou a produção de ser totalmente desinteressante. O mínimo que fazem em cena já é absolutamente suficiente para ser o alento ao enfado que domina o público já na metade da exibição.

Perante a um resultado tão insosso, a intenção de preencher a lacuna deixada por Edward e Bella não vingará e a sequência pode nem sair do papel, ainda mais com o lançamento da segunda parte de Jogos Vorazes prevista para o fim deste ano. Se isso acontecer, talvez seja um mártir necessário para que o cinema americano pare de insistir neste gênero fast-food, destes que é lançado na forma literária com a intenção de chegar às telonas. Sem mística, sem conteúdo, totalmente dispensável.

terça-feira, 12 de março de 2013

Persona - Quando duas mulheres pecam (1966)

Persona, 1966
Direção: Ingmar Bergman. Com: Liv Ullmann e Bibi Andersson.
Nota: 10

A máscara que cabe sobre cada qual personagem da vida real se ajusta a personalidades enigmáticas em um dos mais ousados filmes do mestre Ingmar Bergman. Com seu Persona, que o Brasil anexou o subtítulo de Quando duas mulheres pecam, tomamos o nosso lugar na primeira fila para acompanhar o drama intimista da atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann), que simplesmente se emudece para o mundo real depois de um surto nos palcos. A condição é de clara opção própria, uma vez que nada fisiológico foi encontrado em seus exames médicos. Assim a estrela é diagnosticada avulsamente com um limite quase insuportável de stress psicológico. Sendo assim é imediatamente enviada a se tratar numa casa de verão na companhia de uma dedicada enfermeira Alma (Bibi Andersson). 

Dá-se início a uma relação estranha de intimidade pautada sobretudo no monólogo da profissional da saúde. A atriz permanece muda só a ouvir algumas interessantes (e excitantes) histórias da vida pessoal da enfermeira, que com tanto ócio na arte de dialogar, se vê investida de uma ausência de inibição surpreendente. Logo ela, a toda certinha, moça de família com casamento marcado e tudo. Uma mulher que teria apagado a palavra pecado do dicionário descobre que sua identidade está longe de ser a que pensava quando suas histórias se tornam "perigosas" demais a seus anseios pessoais. Os monólogos de Alma satisfazem Elisabet a tal ponto que a certas alturas suas personalidades se fundem em uma só. A diferença social bem como o estado de espírito são abandonados dada a devidas proporções em que o relacionamento vai se destrinchando em confissões íntimas por parte de Alma. Uma mulher que a primeira vista é mostrada como uma pessoa centrada e com tempo se transforma numa persona altamente influenciável capaz de absorver inconscientemente a personalidade de Elisabet mergulhando  assim em um misto de sentimentos paradoxais. Enfermeira e paciente, cada qual com seus problemas, mas com as mesmas soluções, mesmo que se manifestem em condições assemelhantes.

Para quem acompanha atentamente a obra pode observar a evidência do teor verdadeiro desta afirmação. O poder da descoberta é o eixo principal da trama de Bergman, um diretor que adora levar ao extremo a densidade emocional de suas personagens femininas. E o que é melhor, o faz com extrema competência. Se tratando de um gênio é uma obra até certo ponto incompreensível pra maioria em questões cinematográficas. Contudo, cabe a qualquer um que gosta de uma boa obra várias interpretações. Aí consiste o poder do filme. Ele abre este leque que te deixa apenas  com o dever de apreciar. Você não precisa esperar entender. É possível com um pouco de visão tirar suas próprias conclusões de maneira subjetiva. Não há erros nem acertos. Apenas conclusões. Tudo é válido nesta atração de imagens enigmáticas que tratam a desilusão feminina com todo afresco real em que a própria se mostra. 

No que me diz respeito, a ideia proposta por Bergman de tirar a máscara de nossas personas ideais indo a fundo nos porões mais recônditos da alma humana, neste caso a feminina, foi muito bem explorada ao levarmos em consideração a metáfora brilhante da personagem central ser uma atriz. Uma mulher que nasceu com o dom de representar, vestir um personagem, alterar seus princípios e quando finalmente sua máscara cai eclode um surto de realidade e consequentemente uma revolta silenciosa. A "cura" através das palavras desnudas e sem achismos de sua acompanhante desfaz essa mudez interior e ela então se encontra apta para vivenciar o que aprendera no tempo de reclusão. 

A simbiose das duas atrizes erradicadas no teatro tecem com perfeição as cenas pressupostas pela câmera do diretor de Gritos e sussurros  A sequencia inicial "sem pé nem cabeça" pode parecer um emaranhado de coisas sem sentido, mas se trata de arte. Arte surreal, que emoldurada cinematograficamente expõe nossa imensa face mascarada. Uma obra de arte e como tal, nos convida a ser mais reverenciada e menos compreendida. Deixemos as respostas cabíveis àqueles que preferem um entretenimento mais acessível numa poltrona de primeira fila ou em uma tela de LCD.


segunda-feira, 11 de março de 2013

Killer Joe – O Matador de Aluguel (2012)


Killer Joe, 2012. Dirigido por Willian Friedkin. Com Matthew McConaughey, Emile Hirsch, Thomas Haden Church, Juno Temple e Gina Gershon.

Nota: 7.8

Todo mundo achava que Willian Friedkin seria um dos grandes diretores americanos depois de vencer o Oscar pelo arrebatador Operação França (71), que também ficou com o prêmio de melhor filme, e estarrecer o mundo com o brilhante O Exorcista (73), considerado por muitos como o melhor filme de terror da história. Entretanto, como uma maldição, sua carreira não decolou, e passou a dirigir trabalhos menores sem relevância, principalmente pela arrogância que se tornou marca. Agora, com Killer Joe – O Matador de Aluguel, faz um filme duro, surpreendente e com cenas inesquecíveis, que talvez marquem sua volta ao cenário hollywoodiano.

A trama começa com Chris (Emily Hirsch) que é um traficante e tem seu estoque roubado pela mãe, o que faz com que fique em dívida com a máfia e ameaçado de morte. Para conseguir os 6 mil dólares que evitariam seu assassinato, ele contrata Killer Joe (Matthew McConaughey, ótimo) para matar sua mãe, que tem um seguro de vida no valor de 50 mil dólares. Só que para garantia, Joe pede a virgindade da jovem Dottie (Juno Temple, excelente), e mesmo contrariado, Chris aceita a condição. Entretanto, quando as coisas começam a sair erradas, o assassino começa a ficar cada vez mais impiedoso.

Como se tornou praxe nos filmes de Friedkin, em especial os do começo da carreira, Killer Joe – O Matador de Aluguel apresenta uma brutalidade e um humor negro que  deixam a violência atraente aos olhos do público. Claro, que para estômagos menos acostumados à crueza do cinema atual de Tarantino e Irmãos Coen, por exemplo, não agüenta nem dez minutos da película de Friedkin. Não há mocinhos e nem vilões daqueles destacáveis, apenas personagens com interesses em um meio termo maniqueísta, e mesmo no meio de tanta sujeira, tem lá seu caráter.

O ponto de discrepância de Chris e Joe está no comportamento. O primeiro é um traficante que planeja matar a mãe, que parece não ser flor que se cheire, mas, porém, não aceita o fato de que sua irmã de 12 anos seja molestada. Nesta relação meio incestual, meio paterna, o público cria afeição pelo jovem. Entretanto, a figura do matador, que a primeira vista é repulsiva, ganha cada vez mais admiração do espectador depois que dá uma lição na família de Chris. É um turbilhão de fatos ambíguos, que passa a impressão que ninguém é totalmente bom ou ruim.

A mão de Friedkin, que de tão pesada no início de sua carreira, afastou muitos atores de seus projetos devido à forma excêntrica e perfeccionista com que dirigia, parece ter voltado com tudo. As cenas transitam pelos gêneros, ora o policial, com referências e modismos do neo-noir da década de 70, de seu Operação França, ora se mostra como as comédias de humor pesado, estas com violência em cenas impensáveis. Na mais marcante delas, há uma coxa de frango e muita sodomia e sangue. Claro, que muitos até podem considerar esta como sendo de horror a lá O Exorcista.

Matthew McConaughey parece cada vez melhor, e depois de ter encarado um streeper em Magic Mike, o britânico mostra uma constrói uma assombrosa figura, que além de assassino é pedófilo, sem ser exagerado ou hiperbólico. Além do mais, seu carisma das comédias românticas não deixa o público odiar completamente o matador. Outro destaque do longa é Juno Temple, que soube encarnar a ninfeta apaixonada, mas que também conservava seu lado desprezível como todos ao seu redor. Uma grande revelação.

Uma bela surpresa do cinema americano e uma possível volta de Willian Friedkin ao cenário de relevância. Despretensioso, sagaz e  hipnótico, mostra que um filme pode ser bom, mesmo não gastando fortunas e sem ter a presença de um astro de primeira grandeza. É para poucos, mas não dispensável.

sexta-feira, 8 de março de 2013

"Finalmente!"


A frase proferida por Barbra Streinsand ao entregar a Kathryn Bigelow soou mais que um desabafo pela condição da mulher em alguns âmbitos. Foi uma vitória! Em 08 de Março de 2010 Bigelow alcançou o patamar que muitas já haviam tentado. Brilhar num território amplamente masculino. Lina Wertmüller, por Pasqualino Sete Belezas (1975), Jane Campion, por O Piano (1993), e Sofia Coppola, por Encontros e Desencontros (2003), foram indicadas a melhor direção, no entanto, a crueza de argumentos das obras frente o pressuposto de seu alcance, adiou a vitória de uma figura feminina do outro lado das lentes. Com mais de oito décadas de existência de um dos prêmios mai valorizados da Academia a estatueta dourada veio parar merecidamente nas mãos de uma mulher finalmente. A ex-mulher de James Cameron, com seu tenso Guerra ao terror (2009) bateu de frente com o próprio, tirando-lhe a vitória quase certa e entrando pela porta da frente nas páginas da história. Finalmente uma mulher chegou lá. Um fato histórico que não poderia ter passado em branco numa data que reverencia a luta de todas as mulheres contra o preconceito, o descaso e a injustiça pela nossa condição. É a guerra incessante ao terror do preconceito!

8 Mulheres que reforçaram o "finalmente" na história no cinema: 



Alice Guy Blache
A diretora foi junto com D.W. Griffith uma das pioneiras do trabalho por detrás das câmeras. Porém o sexismo hollywoodiano manteve Alice ofuscada enquanto a carreira de Griffith tinhas as bençãos de toda uma condição para a época. Lois Weber, a primeira mulher a dirigir um longa-metragem com O Mercador de Veneza (1914), e Leni Riefenstahl, cineasta alemã, cujo vínculo com o partido nazista aniquilou sua carreira , são nomes que merecem ser citados nesta área.





Carmem Miranda
A cantora e atriz luso-brasileira é até hoje uma figura imortal perante a cultura brasileira e americana. Sua relevante participação na história entre Brasil e EUA começou como um elo entre os países aliados durante a Segunda Guerra Mundial que souberam explorar seu dom artístico no campo político. Contudo, o nome de Carmem nem sempre foi ligado (e também não merecia) a ligações políticas. A moça de trejeitos alegres e sorriso encantador, fez sua história como precursora do Tropicalismo, movimento cultural brasileiro e como a primeira atriz brasileira a obter sucesso nos palcos americanos.




Mary Pickford
A atriz canadense foi uma das co-fundadoras da United Artists, AMPAS e MprF, ou seja, a primeira mulher chefe de um estúdio cinematográfico. O talento estendeu-se pelas telas e e o sucesso a levou faturar o Oscar de melhor atriz por Coquette (1930).




Louise Brooks


Atriz de talento nato para interpretar, tornou-se em pouco tempo e estudo um dos maiores expoentes do cinema mudo. Ela nunca se formou em Escolas dramáticas, mas assim mesmo se imortalizou como uma das mulheres mais talentosas e independentes da história cinematográfica. Todas estas virtudes desafiou os parâmetros opressores de sua época, decretando um freio definitivo em sua brilhante carreira. 






Hattie McDaniel
A primeira atriz negra a ganhar um Oscar foi cantora, compositora, atriz de teatro. Fato que desencadeou um racismo velado em Hollywood na época, obrigando os poderosos executivos a deixarem de fora das festas de premiação a talentosa artista. Constrangimentos e ignorâncias à parte, fato é que McDaniel escreveu seu nome na história da melhor maneira possível. 





Hally Berry
Outra atriz negra seguiu a inspiração de McDaniel e acabou agraciada com a estatueta de melhor atriz por A última ceia (2000). A interpretação de Berry pode até ser questionável  mas sua emoção ao ouvir seu nome como a ganhadora do Prêmio é uma das imagens mais belas da história da premiação. Emocionante! 




Marlene Dietrich
É com certeza uma das figuras femininas mais icônicas da história. Sua presença artística fundamental para as tropas aliadas durante a Segunda Guerra Mundial é uma das passagens mais polêmicas de sua polêmica carreira. Chocar parece ter sido o verbo transitivo direto para todos os padrões dentro da indústria, visto que foi a primeira mulher a usar terno e calças publicamente nos anos 20. Além disso, seguidos rumores de relações homossexuais marcaram sua trajetória. 



Hebe Camargo
Apresentadora, cantora e atriz, a loira foi uma das pioneiras da TV e dos programas femininos. Com o sugestivo nome de O mundo é das mulheres (1955), ela adotou o penteado que a caracterizaria até os fins de seus dias de glória. De personalidade inabalável e carisma sem-igual, vivenciou como poucas todos lados da vida artística. No cinema marcou presença em várias obras, destacando-se Liana, a pecadora em 1951 e Zé do Periquito em 1960. Para quem nasceu no dia internacional da mulher, sua determinação se fez lendária como um baluarte da causa feminina. 



"Gosto de ser a líder, eu acho cansativo tentar me ajustar a visão dos outros."
Jodie Foster



Previsões Oscar 2014: ATRIZ

Continuando as primeiras observações sobre o Oscar 2014. Agora, atriz.

ATRIZ

Naomi Watts - Diana


A talentosa loura, indicada ao Oscar este ano por O Impossível é, além de nome quase certo na lista, como desde já uma das favoritas a vencer. Principalmente se usar todo seu potencial para mergulhar de corpo e alma em uma das mais importantes mulheres do século 20.






Marion Cotillard - Lowlife


A ótima atriz (que venceu em seu papel extraordinário em Piaf) que ficou injustamente de fora da lista deste ano por Ferrugem e Osso pode encontrar na jovem imigrante, que é levada para se tornar burlesque em Vaudeville e depois sai em busca de sua irmã, uma resposta e o passaporte para a lista.






Shirley McLaine - Elsa e Fred

A Academia adora quando atrizes que já venceram o prêmio (Laços de Ternura, 83) retornam em uma grande atuação. McLaine a muito não tem um papel tão relevante, e se os ares do recém-premiado Plummer (Toda a Forma de Amor, 11) lhe fizer bem, estará na lista.





Cate Blanchett - The Monuments Men

Ela anda meio sumida, mas nada como um filme tenso e que provavelmente vai exigir empenho de seus atores para que Blanchett retorne.  Uma das melhores atrizes em atividade, torna cada personagem único, marcante e digno de prêmios.






Carey Mulligan - Inside Llewin Davis

Era para ela ter vencido pela sua atuação fenomenal em Educação (09), mas a Academia preferiu economizar um honorário com Sandra Bullock. Além disso, foi ignorada por Drive (11) e Shame (11). Isso tem que acabar e a mocinha voltar à lista, que tanto vem fazendo por merecer.





Emma Watson - The Bling Ring


Chegou a hora da mocinha provar que não foi por acaso que foi tachada como aquela que tinha mais talento do grupo de jovens da saga Harry Potter. Depois de um trabalho contundente em As Vantagens de Ser Invisível, poderá ter em Sofia Coppola a orientadora que precisava.







Emma Thompson - Saving Mr. Banks


Nem precisa de cartão de visitas com dois Oscar na prateleira né? Porém, anda bem sumida e vem fazendo pontas em filmes menores, contudo o personagem é forte e vai contracenar com um monstro em cena, indicação bem encaminhada ela já tem.






Nicole Kidman - Grace of Monaco

O polêmico The Paperboy de Lee Daniels dividiu opiniões, mas em uma coisa ninguém contestou, a atuação de Nicole Kidman. Mas não foi indicada. Agora tem uma pérola nas mãos, ao interpretar a ex-vencedora do Oscar, que largou a carreira para ser princesa, e usar sua influência para evitar um colapso político.





Kate Winslet - Labor Day


Alguns andam dizendo que ela ficou preguiçosa depois de conquistar o aguardado Oscar por O Leitor, mas o que poucos viram foi sua atuação excelente no ignorado Deus da Carnificina (11). Com esta parceria com Jason Reitman, pode retomar sua rotina de indicações.






Charlotte Gainsbourgh - Nynphomaniac


Podem falar o que quiserem de Lars von Trier, que é polêmico, imbecil e tudo mais. Porém, não se pode negar que seus personagens femininos são sempre extraordinários. Kirsten Dunst foi injustiçada pelo seu papel incrível em seu Melancolia (11), e talvez Gainsbourgh tenha carga o suficiente para evitar deja vú.