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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Da realidade para a ficção: Maria Antonieta


Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo-Lorena nasceu em Viena, 2 de novembro de 1755 e morreu em Paris, 16 de outubro de 1793 durante a chamada Revolução Francesa. Viveu como uma arquiduquesa da Áustria e rainha consorte de França e Navarra. Décima quinta e penúltima filha de Francisco I, Sacro Imperador Romano-Germânico, e da imperatriz Maria Teresa da Áustria. toda a preponderância e pomposidade do nome, a levou a ser escolhida para subir ao altar em abril de 1770, aos quatorze anos de idade, com o então delfim de França que depois receberia a majestosa condecoração em maio de 1774 com o título de Luís XVI. A união fora uma tentativa de estreitar os laços entre os dois inimigos históricos. Detestada pela corte francesa, onde era chamada de uma "mulher austríaca" e autre-chienne, que significa "outra cadela", também ganhou gradualmente a antipatia do povo, que a acusava de influenciar o marido a favor dos interesses austríacos.Quando o marido Luís XVI foi deposto e a monarquia abolida em 21 de setembro de 1792; a família real foi posteriormente presa na Torre do Templo. Nove meses após a morte do Rei pelos rebeldes da revolução, Maria Antonieta foi condenada ao mesmo destino por traição, e recebeu na cabeça a lâmina da guilhotina em 16 de outubro de 1793.

No entanto, nem a morte evitou que a excêntrica majestade fizesse parte da cultura popular e se tornasse uma figura histórica de tamanhas proporções que acabou sendo o assunto de vários livros e filmes. As contradições apontadas por alguns estudiosos em relação a sua personalidade é bem retratada no filme homônimo de 2008 dirigido por Sofia Coppola que procurou retratar com mais sensibilidade a visão desta enigmática figura. Fútil ou incompreendida? Tanto que alguns dos mais importantes fatos da transição política do páis foram deixados de lado, terminando o filme com a família real sendo escoltada para fora do Palácio. Nada de guilhotina! Tudo para mostrar uma Maria Antonieta confusa na adolescência, frágil como esposa e emotiva demais em seus últimos dias. Nada que lembre a figura insensata apontada como o estopim de uma das maiores rebeliões da história. Kirsten Dunst brilha magnificamente no papel da monarca numa das melhores interpretações do cinema moldada pela fabulosa direção de Coppola. A obra em si é um deleite encantador pra quem gosta de intrigantes fatos históricos e ótima produção.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PERFIL: Charles Chaplin: o grande ditador da arte


"Não preciso me drogar para ser um gênio; Não preciso ser um gênio para ser humano; Mas preciso do seu sorriso para ser feliz." CHARLES CHAPLIN



Sir Charles Spencer Chaplin veio ao mundo no dia 16 de Abril de 1889  em Londres e de uma família privilegiada pelo dom da arte. Seus pais (Charles e Hannah) eram cantores e atores do music-hall. Ao lado dos pais, o garoto começou a se enveredar pelo mundo que o consagraria. Porém, a vida artística sempre reclama seu ônus e assim, aos 3 anos viu a separação de seus primeiros professores.  Ficando o pequeno com a mãe, que a esta altura estava instavelmente desequilibrada. Fato que se agravou quando a mesma teve um sério problema na laringe que a impossibilitou de continuar com a carreira. Num dos tristes episódios de fim de carreira, sua mãe teve o alento de ver seu rebento mais promissor subir ao palco e cantar a canção mais popular da época "Jack Jones." Com a mãe mentalmente doente, Chaplin e seus meio-irmãos foram morar com o pai e com sua amante e quando completou 12 anos, viu seu pai morrer de cirrose.  Depois de vários incidentes traumáticos, foi deixado numa casa de trabalho em Lamberth, mudando-se posteriormente para o Central London District School, uma escola para pobres em  Hanwell. Não demorou muito para seu talento ganhar notariedade  e ao lado dos irmãos, foi seduzido para o music-hall. 


A Companhia de Fred Karno foi a ponte que o fez sair da Inglaterra e conhecer o terreno onde seria imortalizado. Uma turnê com a trupe entre 1910 a 1912, rendeu boas impressões, tanto que após 5 meses na Inglaterra, ele retornou a terra das oportunidades e dividiu seu quarto com Stan Laurel. Enquanto o amigo retornava a sua terra natal,  o imigrante de feições delicadas e expressões fortes, seguia seus instintos e no final de 1913, a atuação de Chaplin foi eventualmente vista por grande parte da nata de produtores hollywoodiana   entre eles Mack Sennett que o contratou para a Keys tone Film Company, pois precisavam de um substituto para Ford Sterling. Inicialmente, sua dificuldade em se adaptar ao estilo de atuação cinematográfica do estúdio no filme Making a Living, fez a diretora reavaliar sua posição. No entanto, o jovem recebeu uma segunda chance e logo começou a trabalhar com Mabel Normand, que dirigiu e escreveu vários de seus primeiros filmes. Teria ele não gostado de ser dirigido por uma mulher, pois acreditava que Sennett pretendia demití-lo caso houvesse um afrontamento com sua colega.

Foi neste estúdio que Chaplin criou seu mais memorável personagem e, o que talvez se fundisse com sua própria persona. Os leigos podem não conhecer o ator Charles Chaplin, mas com certeza conhecem aquele vagabundo. Com este incrível personagem o ator construiu mais que sua carreira, uma legião de adoradores que se deliciavam com seus improvisos e versatilidade em se criar um tipo diferente de comédia. A partir daí seu legado estaria caracterizado neste personagem. O mais imitado de todos os tempos. Em seus primeiros filmes, ele ainda carregava o padrão da Keys tone  o das comédias pastelão. Quando o público viu pela primeira vez aquele homenzinho de paletó apertado, calças e sapatos desgastados, bengala de bambu e bigode-de-broxa, jamais esqueceu. A pantomima foi mais sútil, apropriada as comédias e farsas domésticas. No entanto, como sempre, público e crítica andam de lados paralelos, e então veio o lado controverso do sucesso em que os homens da caneta classificou como algo vulgar. Logo depois, Chaplin se ofereceu para dirigir e editar seus próprios filmes, saindo desta ideia 34 curta-metragens para Sennet. Em 1915, assinou um contrato mais rentável com Essanay Studios, onde pôde desenvolver melhor suas habilidades cinematográficas  Seus filmes eram mais ambiciosos com duração duas vezes maior e de próprio elenco estático. A genialidade do agora autor ultrapassou barreiras com a grande população de imigrantes que chegavam a América em busca do ouro.  Daí o motivo da aceitação maciça de seus filmes, que não necessitavam de palavras para dizer a todos, tornando-o facilmente o maior expoente do cinema mudo, artística e financeiramente. Em 1916, a Mutual Film Corporation pagou a Chaplin US$670.000,00 dando a ele controle artístico quase total, produzindo doze filmes de comédia mais influentes da história do cinema. 

O controle criativo de Chaplin renderia a sua nova casa a First National qualidade e recompensa financeira. Com o objetivo de se concentrar em seu talento, ele construiu seu próprio estúdio em Hollywood, um marco de sua independência sob vários aspectos. Assim pôde ser mais ambicioso, expandindo seus projetos em longa-metragens, como o imortal  O garoto. Clássico que deu tanta fama ao protagonista (Jackie Coogan) que chegou até a ser condecorado pelo Papa. O filme fez de Jackie a primeira celebridade infantil da história e foi a primeira comédia dramática. Uma obra-prima. Sua independência como cineasta se consolidou em 1919 quando co-fundou a UA (United Artists) em parceria com alguns grandes nomes, como  D. W. Griffith. Chaplin trabalhou em sua administração até 1950. O movimento da agregação visava assegurar ao artistas uma defesa contra a crescente consolidação de poder dos financiadores de filmes durante o desenvolvimento de Hollywood. Estes tempos modernos tornaram-se dominantes quando o cinema mudo entrou em decadência. Não para Chaplin, que passou uma década resistindo a nova sensação. O gênio sempre considerou a arte cinematográfica essencialmente pantomímica. Desta época emergiram sucessos incontestáveis do gênero como Luzes da cidade e Tempos modernos.  Embora o último tenha efeitos sonoros e um dueto final de Chaplin com Paulete Godard cantando a belíssima "Smile", toda a essência fílmica se concentra nas cenas mudas. Para a maioria, o último suspiro de uma era de ouro.    

Visto como uma demonstração de coragem na época, o primeiro filme falado de Chaplin faz uma sátira ao ditador nazista Adolf Hitler. Foi lançado um ano antes dos EUA romper sua neutralidade e entrar na Segunda Guerra. Todos os elementos que cercaram sua produção, o transformaram propositalmente numa das maiores obras do artista que concorreu a 5 Oscar  incluindo melhor roteiro original para Chaplin e melhor ator. Aliás, sua versatilidade é lendária. Ator, músico, cineasta, produtor, empresário, escritor, diretor, poeta, dançarino, coreógrafo, humorista, mímico e maestro. Um ser iluminado que sempre direcionou para si com uma competência invejável as luzes da ribalta. Como todo gênio, era perfeccionista ao extremo, capaz de refilmar uma cena várias e várias vezes. Neste processo, descontava, por frustração, nos atores e equipe, adiando ou em casos mais graves, cancelando as gravações. Fazia questão de não divulgar suas técnicas de filmagem. Para ele seria o mesmo que um mágico revelar seus truques. A mesma ficou anos e anos incógnita e só foram divulgadas após sua morte.  Pode-se observar um pouco destas "mágicas" no documentário britânico lançado em 1983 Unknown Chaplin

A repercussão de sua sátira cinematográfica ao nazismo atingiu outros pilares, em particular da chamada Era McCarthy, que entre tantas coisas acusou o ator de diversas atividades "anti-americanas". A perseguição alcançou um nível crítico no final da década de 1940, em que seus filmes tinham como corpo uma crítica ao capitalismo. Boicotado em várias cidades dos EUA, obteve um êxito maior na Europa, especialmente na França. Com isso teve o que chamamos de uma vida de cachorro sendo alvo do banco dos réus do FBI por meio de J. Edgar Hoover e do Congresso Americano. Contudo, nunca chegou a sentar nele, pois tinham medo que usasse seu extenso talento destes casos para satirizá-los com seu pungente humor negro. Devido a esta clara posição política de esquerda, entrou na famosa lista negra de Hollywood. E quando tentava tirar apenas umas "férias" em seu país de origem, teve o visto revogado por Hoover, que o acusou de comunismo, ficando ele exilado na Europa, mais precisamente em Vevey, na Suiça. 

Um artista com as qualidades incontestáveis de Chaplin deveria ter uma coleção de Oscar em sua estante. Contudo, o desprezo do ator com a Academia de Artes Cênicas é tão lendário quantos seus filmes. Uma das lendas em torno desta "guerra fria" seria que em 1929 o ator teria provocado a Academia ao deixar seu Oscar honorário na porta para impedir que ela se batesse. Isto explica porque seus grandes clássicos nunca foram premiados com um Oscar sequer.  Soma-se estes fatos a perseguições políticas, exílio e o próprio desprezo pela premiação neste período. Em 1972, o circo cinematográfico de prêmios, se rendeu à sua mais nobre atração em uma das mais emocionantes cerimônias. Chaplin saiu do exílio para ser aplaudido de pé por cerca de dez minutos. Ovação merecida àquele que tanto contribuiu para fazer deste circo algo tão rentável quanto inesquecível. Justamente neste período, sua saúde já estava debilitada. O que não o impediu de escrever e dirigir seus últimos sucessos, entre eles A Condessa de Hong Kong, estrelado por Sophia Loren e Marlon Brando,e em que fez uma ponta como mordomo, sendo esta sua derradeira aparição nas telas. Seu último trabalho foi compor a trilha sonora de Uma mulher de Paris de 1923, e só concluída em 1976.  Ainda planejou um filme para a filha Victoria e esta seria a protagonista, se ela não tivesse declinado do projeto para se casar. 

Quanto sua vida pessoal, nada de diferente dos grandes astros. É o preço que as estrelas vivem pagando para contrabalancear com o sucesso. Foram 4 casamentos e vários romances conturbados com direito a brigas incessantes por ciúmes e ações judiciais  de paternidade. Dentre as bodas, destaca-se a primeira, com Mildred Harris, quando o astro tinha 28 anos de idade. Depois do divórcio, sucederam-se romances escandalosos com garotas muito jovens. A companheira de alguns sucessos das telas Paulete Godard e por último sua fiel companheira Oanna O' Neil  com quem teve 8 filhos e passou o resto de sua vida. O peregrino coração finalmente havia repousado. 

As luzes da cidade de  Corsier-sur-Vevey na Suíça apagaram-se para ele em 25 de Dezembro de 1977. Sentado em uma cadeira de rodas, com dificuldades para falar quando um derrame cerebral o levou deste mundo. Seu corpo, enterrado no cemitério comunal, chegou a ser violado por um grupo de mecânicos suíços que queriam extorquir dinheiro da família. O plano falhou e então Chaplin teve que ter outra moradia eterna, agora bem mais protegida. Perto do Lago Léman, jazz seu corpo franzino e no mesmo local uma estátua foi erguida em sua homenagem. Lembrando que em 1975, dois anos antes de sua morte, a Rainha Elizabeth II o nomeou Cavaleiro comandante do exército britânico (KBE). Uma entre as muitas honrarias e homenagens antes e depois de sua morte. 

Tudo e nada. Substantivos paradoxais em que se congrega ao citar um nome tão reluzente na história. Um artista de obras inesquecíveis, de personalidade indomável, de talento descomunal, de visão à frente de seu tempo. Tudo que possamos falar a respeito do pai do vagabundo mais amado  da história é nada diante do tudo que ele representou para o cinema. O grande ditador da arte cinematográfica, que conseguiu sua própria liberdade pra expressar a mesma, e que com uma competência absurda ditou regras e padrões de entretenimento num tempo em que nada se falava, mas tudo se fazia ouvir. Assim ele jamais poupou ninguém em nome do que mais acreditava. Sua arte de poder se comunicar sem palavras. 

* OBS: embora ditador tenha um sentido pejorativo, e de más lembranças na história da humanidade, sua denominação a Chaplin vem a definir o que o próprio representou para a história cinematográfica. Nada mais que isso. 


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Argo (2012)


Argo, 2012. Dirigido por Ben Affleck. Com Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Tate Donovan, Clea Duvall e Alan Arkin.
Nota: 9.3
Quando o jovem Ben Affleck venceu o Oscar de melhor roteiro ao lado de seu amigo Matt Damon, com o ótimo Gênio Indomável (1997), todos achavam que seria o início de uma ascendente carreira. Entretanto, as mazelas hollywoodianas trataram de colocá-lo em um plano de galã de segunda categoria, que vivia de comédias românticas e casos amorosos malfadados e amados pelos paparazzi. Mas, com o surpreendente Atração Perigosa (2010), um outro Affleck entrou em ação, agora atrás das câmeras. Com o excelente Argo, prova que é ali o seu lugar e, desde já, é dado como certo entre os grandes favoritos ao Oscar em 2013.
A história do filme de Affleck ficou por quase duas décadas em sigilo, mas o ex-presidente americano Bill Clinton tirou o sigilo da operação Argo e deu a quem realmente foi o herói a honraria merecida. A trama conta como o agente Tony Mendez (Bem Affleck), juntamente com o famoso maquiador John Chambers (John Goodman, ótimo) e o produtor já em fim de carreira Lester Siegel (Alan Arkin, perfeito), montaram uma farsa e entraram em processo de produção de um filme de ficção científica que nunca sairia do papel para salvar seis americanos no hostil território iraniano do período da revolução de 1979.
O roteiro do estreante em longas-metragens, Chris Terrio, se inspirou em um artigo publicado na revista Wired, em 2007, e traz uma visão imparcial do contexto histórico do conflito que serve de complemento dramático da missão dramática de Mendez. A forma como conta a história, recheada de situações que fazem qualquer um suar de tão tenso, é peculiar, pois equilibra o que seria um drama intrínseco com tiradas com humor negro afiadíssimo do núcleo Hollywood de Goodman e Arkin. O contexto político não é posto em xeque, pois um pequeno histórico é introduzido no início do longa, praticamente só para dizer: "é tudo culpa nossa". Desta forma, deixaria de ser tendencioso.
O trabalho de Affleck é notável. Tem uma visão contemporânea no modo como dirige, usando muito do recurso de montagem forte e rítmica, assim como David Fincher. Percebe-se na forma como construiu um paralelo entre a farsa com que estavam montando e o terror crescente que se instaurava no Irã, ou seja, o mundo caindo e a indústria cinematográfica vendendo ilusões. Da trilha sonora descontraída à arte bem produzida, que consegue destacar com segurança tempo e espaço, ainda consegue deixar o público com a adrenalina a mil, mesmo sabendo do desfecho da epopeia. Realmente se dá muito melhor na condução que na função de protagonista.
O sucesso do filme deve-se também ao entrosamento do elenco. Affleck consegue dar dignidade a Mendez, mas o trio formado por Arkin, Goodman e Bryan Cranston é o que impulsiona a obra. Cranston, que ganhou notoriedade pelo excelente trabalho na TV, agora prova que também pode ganhar papéis relevantes no cinema. Seu Jack O'Donnel tem de agir mais com o coração do que com a razão, e o ator deixa isso transparecer. Goodman empresta seu dote cômico para caracterizar um mito da maquiagem cinematográfica John Chambers, imortalizado pelo seu trabalho na franquia Planeta dos Macacos, brilhante. Mas não tem como negar que o filme é de Alan Arkin. O veterano ator mais uma vez precisa de pouco tempo para roubar a cena e colocar seu nome na lista de premiações do circuito.
Argo é um dos grandes filmes do ano e elevará o nome de Ben Affleck ao hall dos diretores talentosos do cinema contemporâneo. Faz, a partir de uma história real e surpreendente, um filme à altura. Um trabalho consistente, que não tem medo de tocar em uma ferida aberta até hoje, porém isento de qualquer patriotismo forçado e barato. Agora sim pode-se dizer que está em ascensão.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Dez filmes para refletir - PARTE 2


“A última tentação de Cristo é diferente de todos os outros filmes que relatam a vida de Jesus e merece ser assistido. Nunca é demais conferir outras interpretações da mesma história.”
GRANDES FILMES

Baseado no romance de Nikos Kazantzakis, o filme de Martin Scorsese escandalizou os pilares da Igreja ao dar ênfase a uma figura mais humana de Jesus Cristo. Aqui o salvador é interpretado pelo excelente Wilham Dafoe, um carpinteiro acusado de traição pelos seus por fazer cruzes para os romanos. Quando uma série de visões aterrorizadoras lhe tomam por completo, e ele se dá conta de que é o Messias. Sua natureza humana entra em colisão com a vontade divina, pois o que ele quer é continuar fazendo o que sabe fazer e quem sabe um dia viver ao lado da encantadora prostituta Maria Madalena (Barbara Hershey, fantástica). Partindo de um ponto específico de sua história, Nikos levanta uma questão primordial para todos seguidores do Cristo quando mostra o que aconteceria se Jesus renunciasse no último instante a seu propósito de salvar a humanidade. Ao descer da Cruz por medo iminente da morte humana, O Salvador vira um mero mortal. Casa-se com Madalena (sempre ela), vira um homem de família, e depois que o Anjo reclama a vida de sua escolhida, um homem de várias famílias. “Todas elas são Maria”, lhe diz o Anjo tentando “confortá-lo” em sua dor. Na companhia deste, ele tem uma vida plena de realizações humanas em meio ao caos que se tornou o mundo. O amor incondicional, a fé inabalável, tudo descera da cruz com ele. Mais tarde, já bastante decrépito, recebe a visita de seu amigo Judas (Harvey Keitel), lhe revelando a verdadeira face de seu protetor angelical. Mais uma vez sua condição humana entra em evidência quando suplica a Deus outra oportunidade de cumprir o seu destino. A redenção final, com ele vencendo seu maior desafio, a própria morte, serve mais como um mote inspirador do que blasfêmia, como foi acusado Scorsese na época de exibição de A última tentação de Cristo. Um filme de belos cenários visuais, uma trilha sonora impecável e interpretações seguras traduzem o tom divino deste marco da careira do brilhante Scorsese.

Pense nisso: “A dualidade da natureza de Cristo, a necessidade tão humana, tão sobre-humana de atingir a Deus – tem sido um mistério profundo e insondável pra mim. Minha principal angústia e a fonte de todas minhas alegrias... a impiedosa batalha entre o espírito e a carne... e minha alma é a arena onde estes dois exércitos têm lutado”.
NIKOS KAZANTZAKIS



“A produção mostra o potencial de Costner, estreando na direção”
VÍDEO 1993

Para começar a falar de Dança com lobos começaremos pela paixão. Paixão nas mais diversas áreas, fictícias ou não. A começar pelo comandante responsável por um dos maiores êxitos da cinematografia americana. Kevin Costner, o eterno guarda-costas, aqui atua como um defensor legítimo das causas que seu avô também defendia. A cultura indígena americana tão massacrada na época da Guerra Civil serve como adorno particular para um astro e seu triunfo. Seja com uma câmera, espada ou rifle nas mãos, Kevin brilha intensamente no longo filme de belas paisagens e sequências impressionantes. Ele é John Dunbar, um bravo tenente americano que se feriu bravamente nos campos de batalha e teve como recompensa desfrutar um pouco de sua liberdade. Sua jornada intimista começa quando ele decide se isolar numa fronteira em Nebraska onde tem como companhia um teimoso lobo e seu fiel e inseparável cavalo. Ali encontra remanescentes da tribo Sioux. O encontro não é nada amistoso, como não poderia deixar de ser entre velhos “inimigos mortais”. Mas também como não poderia deixar de ser, a coragem do tenente é algo apreciável aos olhos dos nativos chamando a atenção dos chefes da tribo que o convidam para passar um tempo com eles num gesto de pura cordialidade. Assim, nasce Dança com lobos, o homem que ama os animais e que por isso tem a chance de amar os seres humanos taxados como tal. Uma das mais poderosas relações da história do cinema, fazendo com que o amor à amizade entre os povos seja a maior arma contra o ódio e o preconceito. O belíssimo roteiro já serviu de inspiração para outras obras como O último samurai e Avatar. Através deste poderoso longa, Costner reescreve a história, dando aos nativos o devido destaque de valores morais e humanistas, apontando nela os verdadeiros mocinhos e vilões. Um dança equilibrada de força e sensibilidade.

Pense nisso: “Nunca conheci um povo tão alegre, tão dedicado à família, tão dedicado uns aos outros. A única palavra que vem a minha cabeça para descrevê-los é: harmonia.”   
TRECHO DO DIÁRIO DE JOHN DUNBAR SOBRE OS SIOUX


“Um filme obrigatório
FOX TV

De posse de duas merecidas estatuetas de melhor atriz, Hillary Swank teve confiança o suficiente para se aventurar num projeto extraordinário que teve como objetivo dar voz e vez a todos os marginalizados do deficiente sistema educacional nos EUA no início dos anos 90. Além de atuar como produtora executiva da obra, Hillary brilha como a idealista professora Erin Gruwell, protagonista de Escritores da liberdade. Ao chegar ao renomado colégio Wilson, a professora chama a atenção dos colegas por tamanha motivação frente à política de integração recém-criada pelo Governo a fim de amenizar os violentos confrontos que gangues que se sucediam em Long Beach. No entanto, Erin começa a perceber que para vencer as deficiências do sistema, ela teria de agir por conta própria para tornar os jovens rebeldes da sala 203 em modelos de inspiração para outros jovens. Com inteligência e extrema sensibilidade ela conquista a todos, até mesmo os mais arredios como Eva Benites (April Lee Hernández), que seria uma espécie de líder honorária de uma gangue latina. Os ideais de Erin mudam a personalidade da jovem, que como os outros, passam a caminhar juntos por caminhos seguros. Gruwell se transforma em Senhora G, carinhosamente apelidada pelos alunos, como sinal de admiração. Até chegar a esta conclusão, o filme passa de maneira perfeita pela tela. Desde a construção convincente dos personagens pelos jovens escolhidos, o roteiro impecável, a direção segura, os diálogos oniscientes e uma trilha sonora belíssima. Tudo é feito na medida certa para que o espectador mergulhe na história verídica dos autores de O diário dos escritores da liberdade, best-seller que deu origem ao filme. Talvez Swank não quisesse ter a pretensão de criar uma obra cinematográfica inesquecível, mas mesmo não mirando neste alvo, o acertou em cheio. Completa a proeza o brilho do belo astro Patrick Dempsey, na figura do marido em segundo plano da professora e a presença oportuna da estrela Imelda Stauton, que mais uma vez brilha como a bruxa da vez, uma diretora tradicional num antagonismo perfeito da “heroína” magistrada. Inspirador, estimulante, belo, real. A liberdade escreveu de forma magnânima sua trajetória no cinema.

Pense nisso: “Nos EUA da América uma garota pode ser coroada Princesa por sua beleza e graça. Mas uma Princesa Asteca é escolhida pelo sangue para lutar por seu povo como papai e o avô lutaram contra aqueles que dizem que somos menos do que eles, que dizem que não somos iguais em beleza e bênçãos.”  
TRECHO DO DIÁRIO DE EVA DE “O DIÁRIO DOS ESCRITORES DA LIBERDADE”



Poderoso, tocante, sem palavras.”
PETE HAMMOND – HOLYWOOD.COM

O mesmo estúdio que trouxe A vida é bela agora se apoia em mais uma emocionante versão de acontecimentos inspirados no horror na Segunda Guerra. O menino do pijama listrado como já indica o título é um filme tem como pano de fundo a crescente relação de amizade entre duas crianças que sequer tem a noção de tudo que se passa por sua volta. Tudo começa quando o menino Bruno (Asa Butterfield) tende a aceitar a mudança repentina de toda sua família para outra cidade. Triste e entediado, ele percorre os limites do local até que sua curiosidade o leva a “Fazenda” – nome dado pelos pais ao campo de concentração nos arredores de sua casa. Num belo dia de verão, Bruno conhece Shmuel (Jack Scalon) um menino judeu de sua idade e logo, começa a ter com ele uma relação de amizade, mesmo separados pelos muros de arame. A pureza de espírito de ambos aniquila o ódio que deveria existir ente eles. Tudo é tratado de maneira inocente quando o assunto é o flagelo da Guerra e as questões sobre sua origem. A amizade é mantida em segredo até que a família de Bruno descobre suas verdadeiras intenções, mas já é tarde, pois sua lealdade incondicional ao novo amigo o leva a um desfecho trágico de sua vida ao lado do mesmo. O filme nos faz entender o sentido literal da passagem bíblica: “Vinde a mim as criancinhas, pois são puras de coração.” Uma visão interessante do olhar de uma criança alemã sobre a Guerra e como estas mesmas crianças serviram de base da construção do amor e do ódio no país bem como os efeitos negativos que ela proporcionou para a todas as famílias que sofreram com a violência de forma universal. Com direção de Mark Herman, baseado no best-seller de John Boyne, mostra com sensibilidade e imparcialidade que nem todas as vítimas da Guerra tinham uma estrela de David atada ao braço. Uma ótima oportunidade de resgatar dentre nós a criança interior e um deleite cinematográfico de primeira grandeza.

Pense nisso: “A infância é medida por sons, aromas e visões, antes que o tempo da razão obscura se expanda.”
JOHN BETJEMAN


“É um filme vertiginoso, em Thriller ágil e envolvente – e mesmo assim, um filme realista. Tão desalentador quanto à realidade que se propõe a relatar”
VEJA

Depois da artilharia de sucesso da primeira sequência, José Padilha retoma seu vitorioso projeto em Tropa de Elite 2. Agora sim o bicho pegou! O diretor substitui o palavrão e os tiroteios por diálogos ferinos e bem construídos a fim de mergulhar na complexidade dos bastidores do sistema de corrupção que regem o país. O filme começa 16 anos após o término do primeiro, numa sequência eletrizante de uma rebelião em Bangu 1 onde o agora Tenente Nascimento (Wagner Moura, ótimo) encabeça a operação. No entanto, seu plano vai por água abaixo quando a precipitação do bom soldado Matias (André Ramiro) destrói a estratégia numa manobra suicida. O resultado é um massacre por parte do bem equipado BOPE contra os rebeldes. Porém o que pra muitos seria a vitória dos mocinhos sobre os bandidos, se torna um festival de acusações por parte da mídia com o respaldo da militância ativa pelos direitos humanos do respeitado Professor Fraga (Irandhir Santos), que assim se torna um adversário indesejável para os caveiras e um rival intragável para o ex-capitão. Afinal, sua ex-esposa (Maria Ribeiro) é agora a senhora Fraga, e o bom sujeito é o pivô da distância entre ele e o filho adolescente, que o considera um assassino. Diante de toda pressão exercida pelos meios de comunicação, Nascimento é exonerado do cargo, mesmo que para o povo seja um herói. De paletó e gravata, ele transforma o BOPE em uma verdadeira máquina de guerra, erradicando de forma quase total, o tráfico nas favelas. Mas é justamente neste momento que o filme ganha os mais interessantes contornos. O ex-capitão linha dura agora tem que se adaptar ao sistema que emperra toda sua ação. Aos poucos, o incorruptível policial percebe que nem todos que trabalham pela lei e ordem agem pelas mesmas. Padilha em parceira com Bráulio Mantovani tece uma teia de parâmetros categóricos moldados pelo sistema: milícia - mídia – política. O inimigo dos soldados de preto está bem além de qualquer localização geográfica. Tudo é retratado de forma perfeita, que aliada a um roteiro fabuloso, coloca em evidência a fragilidade da justiça. Uma radiografia imperdível do buraco que mergulhou o país, visando uma mensagem reflexiva, e não muito otimista no final. Um dos melhores (e mais relevantes) filmes brasileiros de todos os tempos.

Pense nisso: “O Sistema entrega a mão pra salvar o braço. O Sistema se reorganiza, articula novos interesses, cria novas lideranças. Quando as condições de existência do sistema estiverem aí, ele vai existir. Agora, me responde uma coisa: quem você acha que sustenta tudo isso? É. E custa caro.”  
ROBERTO NASCIMENTO 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Personagens inesquecíveis: Wilson


Filme: Náufrago (2001)

Em meio a um trágico acidente aéreo que deixou Chuck Noland (Tom Hanks) perdido num a ilha, eis que surge um elo de esperança de ruptura com a solidão. Uma bola de vôlei encontrada entre os destroços do avião, que o náufrago chamou de Wilson. Entre eles surge uma amizade inimaginável, forte e pura de concepções. Era o amigo que todos sonham em ter. Cativante, capaz de ouvir seus medos, apoiar seus anseios sem sequer discordar ou criticar sob qualquer ponto de vista que seja. Sorridente e confiante sempre esteve ao lado de seu amigo humano até o último momento em que uma onda gigantesca selou de vez o fim da amizade quando estavam rumo à ansiada liberdade. Parece enredo de filme de fantasia, mas não é. E é justamente isto que torna este personagem inanimado tão especial quanto inesquecível. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Amanhecer Parte 2 - O final (2012)


The twiligth saga; Breaking dawn part 2, 2012. Dirigido por Bill Condon. Com Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Michael Sheen e Dakota Fanning.
Nota: 6.6
Finalmente a ansiedade dos fãs chegou ao fim. Depois de quatro filmes de muito romance e incerteza, A Saga Crepúsculo chega ao fim com Amanhecer parte 2 – O final. Com um tom sonolento no início, mas turbinado com uma épica cena de batalha no fim, este capítulo derradeiro do fenômeno teen criado por Stephane Meyer pode ser considerado o melhor de toda a franquia, ainda que muito limitado cinematograficamente.
Quando viu sua amada ficar por um fio para dar a luz à herdeira, Edward (Robert Pattinson) não viu outra saída a não ser transformar Bella (Kristen Stewart) em uma imortal. Agora, ambos poderão desfrutar seu amor por toda a eternidade, porém, primeiro terão de lidar com os novos poderes da moça, cuidar de sua filhinha Renesmee (Makenzie Fox), que cresceu aceleradamente, e enfrentar a fúria dos Volturi, que acreditam que os Cullen são criminosos por terem transformado uma criança. Para isso, contarão com a ajuda de vampiros dos quatro cantos do planeta, além, é claro, do agora protetor da menina Jacob (Taylor Lautner) e de toda sua matilha de lobos.
De nada adianta falar da mitologia bizarra criada por Stephane Meyer e do quanto deixa a desejar, o que interessa é como o roteiro de Melissa Rosenberg foi desenvolvido para melhor agradar os fãs da saga que já faturou mais de 2,5 bilhões de dólares na bilheteria. E se manteve o que foi visto nos longas anteriores. O texto é pobre e as falas são falsas e, muitas vezes, desnecessárias. O início do filme é a pior parte, pois o ingresso de Bella à sua nova natureza (morta) é superficial, e a jovem nem consegue passar o desconforto que é se adaptar-se à nova situação. Tudo acontece de sopetão, e mesmo com a ressalva já feita, é difícil aturar vampiros com poderes de X-Men.
A conexão de Jacob com a pequena Renesmee não é convincente, mesmo com os esforços de Lautner. E dá até para entender, pois é tão estranho este fenômeno de imprinting que um aprofundamento poderia ser compreendido como pedofilia. Além disso, problema talvez do livro, parece que há uma preocupação em fazer com que a existência da filha do casal protagonista seja direcionada a ser uma compensação amorosa para o jovem lobisomem, detentor de grande carisma entre os adeptos do best-seller. Forçada de barra até aceitável na manipulação sentimental do livro, porém nas telonas soa novela das seis demais... Haja paciência!
Quando entram em cena os Volturi, a tensão dramática injeta ânimo à história e numa sacada inteligente, seguramente a melhor coisa feita em toda a saga, traz um desfecho surpreendente ao combate voraz no final. O diretor Bill Condon soube dar dinâmica à batalha e sua experiência com musicais deixou o ritmo alucinante, levando os espectadores ao êxtase. Tem, ainda, índios vindos do Brasil, mas com uma caracterização bem Apache, mostrando que a produção não teve nem mesmo a preocupação em pesquisar a respeito dos indígenas brasileiros. Dá certa vergonha de assistir algo tão estereotipado.
Em um saldo geral, Kristen Stewart sai como entrou. Não conseguiu dar uma outra concepção à Bella, que teria de ser forte e sexy, continuou inexpressiva e com os mesmos trejeitos que carrega em todo personagem que interpreta. Pattinson tem muito menos texto e tempo de cena que a companheira, o que não faz muita diferença e nem justifica porque tem tido tantas chances em Hollywood, é só mesmo um rostinho bonito. Taylor Lautner é a figura mais carismática de toda a saga e seu Jacob teve mais méritos na dualidade que enfrentou, principalmente na segunda e terceira parte da franquia. Neste longa, fica mais restrito pelo péssimo texto dos diálogos e a relação forçada com a menina. Sua carreira pode dar certo em filmes de ação.
Apesar de todas as limitações fílmicas, Amanhecer parte 2 é, ao lado de Lua Nova, o melhor longa da saga. Mas, para que a história tivesse algo cinematográfico mais pungente, a produção teria, no mínimo, de ser mais caprichada. O que fica para os fãs de Crepúsculo é a melancolia de ter de se contentar com o fim, agora no audiovisual, da querida história, e para quem só gosta mesmo de ver bons filmes, fica apenas a certeza de que tudo não passou de um frenesi de um conto de fadas superestimado por adolescentes consumistas.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Encouraçado Potemkin (1925)


Bronenosets Potyomkim, 1925. Dirigido por Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov. Com Aleksandr Antonov, Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov, Mikhail Gomorov, Beatrice Vitoldi, N. Poltavseva e Julia Eisenstein.
Nota: 9.8


Não há como analisar o filme de Sergei Eisenstein sem pensar em toda sua importância para o cinema mundial, antes de julgá-lo como arte em si. Passando os olhos sobre a obra, uma conclusão pueril a colocaria num patamar experimental, um material de vanguarda mais acadêmico que apreciativo. Talvez seja esta a primeira visão de qualquer que cinéfilo que começa a aprender sobre a história da mídia por qual é apaixonado. Porém, depois de assimilar de fato o que é a Sétima Arte, além do comércio de publicidades que impera atualmente, aí se pode enxergar uma obra-prima cinematográfica, mesmo não contando com a sua importância no curso da história. Fruto do construtivismo russo, o filme mudou os parâmetros cinematográficos, tanto na questão técnica quanto no conteúdo implícito em cada quadro de película. É o pioneiro em valorizar a montagem, fundamento imprescindível a qualquer filme, mesmo que chulo, que existe. E sua história do maniqueísmo político de direita e esquerda, além de idealismos em prol de revoluções sociais influenciou toda uma maneira de pensar o cinema. Diferente da construção fílmica que se preocupava mais com a estética de D. W. Griffith.

O Encouraçado Potemkin era um navio e apenas o pontapé inicial para uma onda de revoluções que ocorreriam. Os marinheiros reclamando das condições horríveis de trabalho, a tomada do comando pelos trabalhadores, os ventos de liberdade que desembarcaram em Odessa e o conflito entre o governo e o povo. Tudo brilhantemente representado em passagens metafóricas, montagem rítmica e um tom de realidade ainda inédito em qualquer filme até ali existente.
Eisenstein criou esta nova forma de cinema e talvez nem imaginasse que mudaria toda uma concepção. Tornou-se uma vanguarda tão importante que outros ícones como Orson Welles e Alfred Hitchcock não construiriam o seus estilos seus fundamentos. Além disso, as sequências de apelos dramáticos e emotivos são lembradas (e copiados) até hoje. As mais clássicas delas envolvem o massacre da escadaria de Odessa, com a famosa passagem do carrinho de bebê descendo os degraus e catalisando toda a tensão do momento, uma das mais incríveis até hoje.

Talvez O Encouraçado Potemkin seja mais mito da história cinematográfica do que um produto dele. Porém, se o assistirmos sem a obrigação de julgar um messias, ainda assim seremos presenteados com uma obra-prima. Um experimento que deu mais certo do que se esperava, e para o nosso bem, tem o devido e merecido respeito. 


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Dez filmes para refletir – PARTE 1


Todo filme tem sempre algo pra dizer, independente do gênero. No entanto os que são criados com um intuito bem maior do que um simples entretenimento possuem um caráter mais reflexivo ajudando a moldar a forma de pensar da sociedade através dos tempos, reforçando a oportuna frase de Truffaut: “Todo grande filme contém um pensamento sobre cinema e um pensamento sobre o mundo.” Assim sendo constroem bases sólidas para uma boa reflexão sobre os males que nos atingem em cada geração. Apresento aqui uma lista de filmes que entraram para a história por ultrapassar com maestria o campo do entretenimento e que por isso merecem o reconhecimento como uma aula de cidadania:

O GRANDE DITADOR (The Great Dictador, 1940)
“O grande ditador não envelheceu tão bem comparado a outros filmes antinazistas da época (...), mas o simples fato de ele existir e os stills de Chaplin a caráter exercem um fascínio que vai muito além do que conquistado pela película em si”.
Basil Wright, crítico e cineasta

Histórico. É assim que podemos condensar a síntese do maior sucesso de bilheteria do mestre Charles Chaplin. A ousadia da criação desta obra-prima, o primeiro filme falado do ator/diretor escancara todas as ameaças que o próprio recebeu na época de sua realização. No entanto, Chaplin era um dos poucos artistas que não se deixavam intimidar pela censura dos grandes estúdios ou a ignorância de quem acredita ter o domínio total sobre a humanidade. Ele desafiou seus próprios limites e os limites demarcados pelos outros para brilhar em O grande ditador. O filme faz uma alusão cômica à figura monstruosa de Adolf Hitler com a mestria característica do gênio. Aproveitando-se da semelhança física de ambos, Chaplin brinca com as excentricidades insanas do cruel ditador criando cenas memoráveis como o discurso de abertura em alemão improvisadíssimo, com palavras desconexas, sem pé nem cabeça. Mas certamente é a antológica cena em que dança com o Globo nas mãos é que marca a mensagem da obra. Depois de ser confundido com o tirano Adenoid Hynkel (Chaplin), o pacífico barbeiro judeu (Chaplin) vai parar no meio de um furacão de ódio que não consegue entender. Na pele do ditador, que por obra do destino vai parar em um dos campos de concentração, o barbeiro usa sua influência benigna de forma hábil para tentar assegurar uma ideia frágil de Paz entre os soldados alemães e seu povo. E é neste momento que entra em cena toda a genialidade do “dono” do cinema mudo ao criar uma espécie de comédia dramática em que leva o povo ao delírio e os nazistas ao desespero. O êxito desta marca cinematográfica vai muito além do talento de Chaplin, pois se trata de uma das mais brilhantes obras da história que ontem agiu como uma denúncia contra o desrespeito aos direitos humanos e hoje soa como uma reflexão mais que oportuna sobre o assunto, mesmo depois do fim da verdadeira idade das trevas. Será mesmo que tudo que influenciou a concepção nazista está morto e enterrado com Hitler?

Pense nisso: É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos! (segue o estrondoso aplauso da multidão)


ADIVINHE QUEM VEM PARA JANTAR?  
(Guess who’s coming to dinner?, 1967)
“Adivinhe quem vem para jantar nos brinda com um roteiro perfeito, diálogos inteligentes, uma bela trilha sonora e ótimo elenco.”
70 Anos de cinema

Adivinhe quem veio para pisar no calo da conservadora sociedade americana dos anos 60? Foi justamente o ousado filme de Stanley Kramer que não precisa de rodeios para apresentar ao público do que se trata a obra. Já pelo título já podemos ter uma noção do que está por vir quando os jovens Joanna (Katherine Houghton) e John Prentice (Sidney Portier) resolvem se casar. Ambos seriam protagonistas de uma emocionante história de amor.  Apaixonada, a jovem Joanna faz o que toda moça de boa família deve fazer. Apresentar seu escolhido para a família. Contudo, o que era para ser um simples ato de cordialidade e respeito se transforma numa instigante trama dramática. Tudo por conta da diferença racial entre o casal. Pequeno detalhe que ganha proporções grandiosas à medida que os pais da moça conhecem o futuro genro. Perplexos, não conseguem camuflar a base em que foram construídos seus princípios. Principalmente por parte do pai Matt Drayton (Spencer Tracy). Já a mãe Cris (Katherine Hepburn, fabulosa) vai ao limite de sua sensibilidade ao defender o casal com sutileza, mas nunca esmorecendo sua convicção. O mesmo panorama se desenvolve pelo lado do rapaz. O pai (Roy E. Glenn) protesta de cara amarrada enquanto a mãe (Beah Richards) faz coro a Sra. Drayton. Tudo se concentra no ambiente claustrofóbico da casa dos Draytons, em sequencias pontuadas pelo tom de sermão e reflexão num dia que começa estranho, e termina extraordinário. John, o médico negro, evita confrontar as tradições da família da moça, mas dá um tapa de pelica a cada resposta formulada por ele com total elegância, afinal, trata-se de um rapaz culto, de carreira renomada, internacionalmente famoso. Atributos que talvez tenham ajudado a diminuir a barreira erguida inicialmente pelos pais da moça. O filme é conduzido mais por uma faceta do famigerado preconceito. E também temos a oportunidade de apreciar a queda do mesmo diante da postura de personagens bem construídos, interpretações seguras e premiadas. Especialmente da imbatível Hepburn, que sente na pele as emoções de sua personagem. Este certamente é o maior trunfo de Adivinhe quem vem para jantar. Um filme que não figura entre os maiores do cinema, mas indispensável quando o assunto é os insistentes equívocos do ser humano em avaliar o caráter do ser humano através da pigmentação da pele.

Pense nisso: “Afinal, não importa o que pensamos (...). Milhões de pessoas neste país ficarão chocadas e ofendidas com vocês. E vocês dois terão que enfrentar isso talvez cada dia da vida de vocês. Podem tentar ignorar estas pessoas, ou podem ter pena de seu preconceito, sua cegueira, seu temor estúpido. Mas é aí que deverão ficar juntos”. 
Monólogo final de Matt Drayton


O HOMEM ELEFANTE (The Elefant Man, 1980)
“O filme é um grande triunfo para todos, sobretudo para Lynch, que recebeu numerosas honras”
1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER


Se as aparências enganam, o ditado popular bem serve ao diretor David Lynch que por anos andou pelas vielas do descaso cinematográfico até ser convencido por Mel Brooks a estar a frente de uma obra tão linda quanto perturbadora. A história real de John Merrick (John Hurt), mais conhecido como “o homem elefante” é uma daquelas histórias que se permanecesse apenas pendente nas telas já seria extraordinária. Porém, quando se sabe que se trata de algo real, fica ainda mais fácil passear por dentro das emoções dos personagens. Aliás, perfeitas em todas as sequências mostrando os fatos ocorridos com o protagonista desde que foi descoberto pelo médico cirurgião Dr. Treves (Anthony Hopkins) que se compadece daquela figura quase desumana vivendo de forma sub-humana num buraco de um estabelecimento onde é explorado como animal por um inescrupuloso dono do lugar. Treves atua como um salvador do pobre Merrick, um homem que nasceu com defeitos congênitos que faz com que seu rosto não seja algo prazeroso de se apreciar. O bom doutor tenta inseri-lo na sociedade de forma cuidadosa e amável. Aos poucos, o choque causado pela aparência do “monstro” vai dando lugar a uma figura humana impecável. Merrick usa seus atributos pessoais para quebrar as barreiras cruéis impostas pela imponência da hipócrita sociedade vitoriana do século XIX. A história é desnuda com uma minúcia perfeita em preto-e-branco, sintetizando a maldade daltônica da natureza humana oculta sob qualquer aparência. Hopkins atua de forma plena. Sensível, sem ser piegas e Hurt se equilibra entre quilos de maquiagem do personagem de onde provém um espetáculo inesquecível de emoções verossímeis. Produção obrigatória para tempos atuais de supervalorização da aparência física e do bulling, O Homem Elefante é um filme proposto por um só objetivo: chocar. O choque leva a curiosidade e a curiosidade leva a questão. A questão a reflexão. Tudo funciona como uma cadeia de processos que nos obriga a olhar bem mais de perto o coração de um homem chamado de animal, mas que nos aponta com uma proeza assustadora quem são os verdadeiros animais nesta história.

Pense nisso: “O bicho não era um cão,        
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
TRECHO DE O BICHO (MANUEL BANDEIRA)



 A VIDA DE DAVID GALE (The life of David Gale, 2003)
 “Um brilho, um show. Um filme que importa, numa época de tantos filmes que não importam.
50 ANOS DE CINEMA

O filme começa com uma corrida como se fosse uma alusão ao que seria a missão da repórter investigativa Bitsey Bloom (Kate Winslet) depois que é escolhida por um prisioneiro no corredor da morte para ser sua porta-voz. O desafortunado em questão é David Gale (Kevin Spacey), um ex-professor de Filosofia que vê sua vida virar um inferno depois que uma aluna o denuncia por abuso sexual. Respeitado e extremamente inteligente, Gale perde tudo neste pacote. Prestígio, emprego, família e até alguns amigos, caindo no vício do alcoolismo e se afastando cada vez mais de uma vida digna. Mas nada se compara ao que estaria por vir. De repente ele é o protagonista de numa trama fantástica do assassinato de uma de suas melhores amigas, a professora Constance (Laura Linney) que é encontrada morta aparentemente vítima de violência sexual. Ambos estavam em militância contra a pena de morte no Estado e quase sempre desafiavam o poder local. Em seus últimos dias, mas precisamente quatro, ela chama à prisão a jornalista Bloom onde decide contar a ela todo o início do processo que desencadeou sua decadência. À medida que vai ficando a par dos acontecimentos, a jornalista muda o tom irônico e passa a ser mais precisa em suas avaliações, acreditando que Gale pode mesmo ser inocente e, portanto, há falhas no sistema. Ela, com a ajuda de um estagiário, começa a montar os pedaços do quebra-cabeça e chegam a uma conclusão surpreendente. O filme do diretor Alan Parker é um dos ótimos thrillers dos últimos tempos do cinema por falar de um tema pouco explorado, ou explorado com pouca maestria pelo mesmo. A inclusão da pena da morte. Um assunto que de tão polêmico parece não ter fim mesmo com o subir dos créditos. Aí está o valor de A vida de David Gale, mesmo que no decorrer da trama, o filme assuma uma posição definitivamente contrária ao sistema olho por olho, dente por dente. Então se você é a favor da pena de morte não assista. Mas se mesmo assim você gostar de uma trama forte, de excelente roteiro e um elenco espetacular, vale a pena conferir só pelo simples fato de ver Winslet e Spacey juntos neste filme, que apesar de não ter tido o retorno esperado, passa sua mensagem com uma absoluta precisão.

Pense nisso: “Passamos a vida inteira tentando enganar a morte. Comendo, inventando, amando, rezando, brigando, matando. Mas o que realmente sabemos da morte? Só que não tem volta. Mas chega-se a um ponto na vida, um momento quando a mente sobrevive aos desejos, às obsessões. Quando os hábitos sobrevivem aos sonhos. A morte pode ser uma dádiva.”
DAVID GALE


TERRA FRIA (North Country, 2004)
“Pra mim o que importa é um filme fazer a diferença”
DOUG CLAYBOURNE, produtor executivo do filme

O título Terra fria não poderia ser mais apropriado para contar como a mineradora Josey Aimes (Charlize Theron) se tornou uma heroína por acaso, e por descaso, de seus próprios companheiros de trabalho nas insalubres terras de Minnesota (EUA). Vinda de uma adolescência perturbada depois de ter sido violentada pelo professor, sofrer com o desprezo do pai por uma gravidez indesejada, ter de se unir a um homem que faz com que siga sua sina de mocinha de novela mexicana ajudaram o sofrimento caminhar lado a lado com ela até que um dia resolve abandonar o marido e ser dona de seu próprio destino. Assim, ela vai parar numa Mineradora de ferro, onde o duro trabalho que estaria para desempenhar ali foi muito mais além de suas habilidades físicas. Josey teve de enfrentar várias batalhas com o mesmo enredo e cenários diferentes. Em casa, com o filho adolescente, com as colegas no trabalho e com os moradores e especialmente moradoras do local. As barreiras da revolta dos colegas de sexo oposto sempre a deixavam e suas companheiras em situações deveras desconfortáveis no trabalho. A frente de um grupo de mulheres, que a princípio parecia relutante a sua causa, ela consegue impor a sociedade o acesso a algo que deveria ser lhe dado de graça: respeito. Josey denuncia um dos colegas por abuso sexual e ao levar o caso para o tribunal compra uma das maiores batalhas judiciais da história americana. Episódio que motivou a diretora Nikki Caro a realizar o filme. Aliás, Caro parece ser uma especialista em contar as histórias de superação de mulheres frente à ignorância humana. O mesmo estopim usado em Encantadora de baleias, com a diferença de que aqui o conto de fadas deu lugar a um clamor real que persiste até os dias de hoje. Se valer da beleza estonteante de Theron para dar veracidade à trajetória de Aimes bem como as atuações impecáveis de Frances McDormand e Sissy Spacek, causou um forte impacto num contraponto mais que positivo na luta contra a frieza dos críticos perante esta obra imperdível que fez e ainda pode fazer diferença na vida de muitas mulheres. 

Pense nisso: “O que se pode fazer quando os poderosos atacam os oprimidos? Bom, pra começar você se levanta e fala a verdade. Você defende seus amigos. Se levanta mesmo estando sozinho.”
TRECHO DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS DO ADVOGADO BILL WHITE (WOODY HARRELSON) NO FILME

sábado, 17 de novembro de 2012

13 Assassinos (2012)


Thirteen killers, 2012. Dirigido por Takashi Miike. Com Kôji Yakusho, Tsuyoshi Ihara, Takayuki Yamada, Masachika Ichimura, Gorô Inagaki, Yûsuke Iseya, Hiroki Matsukata, Mikijiro Hira, Takumi Saitô.

Nota: 9.1

Desde que Akira Kurosawa deixou a cinematografia mundial o cinema japonês não é o mesmo. Apesar de vez ou outra um bom filme despontar, como o vencedor do Oscar em 2011, A Partida, aquele arcabouço artístico se dissipou. E com isso, um dos grandes mitos da história japonesa, os samurais, que foram consagrados em filmes como Os Sete Samurais (1959), praticamente desapareceram do cenário mundial. Mas com uma história bem construída na base da honra e da violência, Takashi Miike trouxe os de volta os lendários guerreiros com tudo o que o gênero merece.

Quando um tirano irmão do Xogum, o Lorde Naritsugu (Gorô Inagaki), espalha o terror entre os camponeses do Japão do século 19, e assassina pessoas sem o mínimo remorso, Shinzaemon (Kôji Yakusho) é escolhido para a missão de assassinar o lorde e evitar que uma nova era de guerras recaia sobre o país. Ele reune mais onze destemidos guerreiros samurais, cada qual com suas qualidades, e ainda conta com a ajuda de um bem humorado e esperto caçador, para que sua honrosa tarefa de assassinato tenha sucesso. Mesmo que sejam apenas treze contra duzentos.

O trabalho de Miike é hipnótico, voraz e, ao mesmo tempo, conserva o lirismo que compõe a aura da mitologia dos samurais. Apesar de ser uma refilmagem de 1963, perambula por estilos que enxugou nestes 17 anos e mais de 40 filmes, e faz uma obra peculiar. Desde o ferrenho código de conduta que os faz dar a vida em troca do sucesso de sua missão, até o haraquiri, um ritual de auto assassínio, tudo está sem hiperbolias ou exageros. Até mesmo a violência não incomoda, pois é o que se espera de uma batalha de katanas afiadíssimas e mortais.

Os atos de crueldade extrema do Lorde Naritsugu acabam por construir uma armadilha para o espectador, que em pouco tempo passa a odiá-lo e ansiar pelo seu castigo. Com isso, cada passo dado pelo grupo de justiceiros aumenta a tensão do inevitável confronto, que por sinal é brilhantemente construída de forma que valorize o trabalho de grupo dos “heróis”. As cenas de batalha são épicas e bem sincronizadas, com banho de sangue quase ininterrupto, permeado com o suporte cômico do simpático caçador, que mostra seu valor e no fim das contas é aceito como o décimo terceiro membro do grupo.

Os atores estão tão afiados quanto os próprios personagens. Kôji Yakusho tem uma atuação segura como o líder do grupo, e tem o mérito de mostrar força para conduzi-los para a missão kamikaze. Dentre os membros do grupo, destaque para Tsuyoshi Ihara como o poderoso ronin Hiryama e Gorô Inagaki, que passa veracidade quando se diverte com a presença da morte, que caminha lado a lado com ele desde o início do longa. Simplesmente assustador.

Um grande filme, que remete aos bons tempos do cinema japonês, um libelo de exalta a coragem, a honra e o trabalho de equipe. A volta por cima de Takashi Miiki, tachado pela crítica mundial de ser prolixo e de sofrer bloqueio criativo, agora deleita a todos com um belo espetáculo repleto de tradição, que deixaria Arira Kurosawa muito orgulhoso.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um olhar do Paraíso (2009)


The Lovely bones. Dirigido por Peter Jackson. Com Mark Wahlberg, Saiorse Ronan, Rachel Weisz e Stanley Tucci.

Nota: 8

 

Se para cada ação há uma reação, então é comum esperarmos que para cada crime haja uma punição, certo? Mas e quando as linhas da lei de Newton não interagem com as leis humanas? O que nós, criaturas primitivamente imperfeitas podemos fazer diante desta dura realidade?
Este é o estopim preponderante de uma das mais instigantes obras do cinema. Peter Jackson usa seu talento aqui para fazer digerir com brilhantismo uma história terrível, porém necessária. A sempre talentosa Saiorse Ronan empresta sua desenvoltura a Susie Salmom, uma jovem que mal começa a conhecer os prazeres que a vida lhe oferece, como realizar o sonho de ter uma câmera fotográfica e um encontro com o garoto mais cobiçado de seu colégio, quando é jogada literalmente no buraco infernal de sua morte.

A caminho de casa, Susie é interpelada por seu vizinho aparentemente tranquilo, o cordial Sr. Harvey (Stanley Tucci) para ajuda-lo em seu mais novo projeto para as crianças do local. A garota é levada a descer num cubículo de terra no meio de um milharal sem saber o real motivo de o projeto ser dirigido às crianças. Ali seria seu fim, mas o início de sua agoniante jornada. Quando desaparece misteriosamente sem deixar vestígios, seus pais (Mark Wahlberg e Rachel Weisz) empenham todas as forças humanas e sobre-humanas atrás de seu paradeiro. Em vão.

Com o passar dos anos, Susie tende a se contentar em apenas contemplar de um lugar de seu paraíso sua família, a esta altura, já desmantelada, a seguirem frente de um jeito ou de outro enquanto seu algoz continua livre. Até que sua irmã (Rose Mclver) passa a figurar na lista do assassino. Dá-se início a uma caçada por justiça por parte de Susie, que lá de cima passa a influenciar seu pai a se vingar enquanto a irmã segue cada vez mais perto de descobrir a verdade a respeito de seu desaparecimento. Contudo, o desejo de Susie gera atos de mais violência e dor para toda a família. Então, num determinado momento, a garota tem que decidir o que é melhor para todos os envolvidos nesta cadeia de emoções.

E’ comum para todos nós sentir uma dor dilacerante na alma quando perdemos alguém que amamos de forma brutal. Junto com esta dor surgem dúvidas e questões preponderantes que só acabam com uma busca incessante por justiça. Isso faz parte da vida. Esta busca desesperada fica atenuada pelo desejo de vingança. Fazer justiça com nossas próprias mãos. Criamos nosso próprio sistema judicial que parece ter saído de um daqueles filmes de Clint Eastwood e seus inimitáveis faroestes. Lançamos mãos sobre armas legais ou não, pensando que através delas encontraremos as soluções de nossos problemas. Uma decisão que tomamos inflamados pela dor da perda e da desesperança quanto aplicação da justiça. A impulsividade na maioria das vezes nos deixa a mercê de consequências nocivas de nós mesmos.    

Estas emoções conglomeradas constroem Um olhar do paraíso. Para uns, um filme esquisito. Para outros, uma obra oportuna de reflexão. Certo é que o filme de Jackson baseado na obra homônima de Alice Sebold passa tudo, menos indiferença. E este com certeza é um trunfo poderoso para pelo menos parar e olhar. Daí acompanhar, refletir algo impressionante, bem produzido, de grandes atuações e um lindo visual como alento à tristeza do filme.

Sentir. Seja em que lugar estiver sempre lembrar de que o importante é não deixar que a razão sucumba perante nossos instintos, pois tanto as leis humanas quanto as leis de Newton costumam ser impiedosas com aqueles que confundem os conceitos da celestial justiça com o da terrena vingança. É a ação e reação agindo a favor de quem entende estas leis. E para isso nem é preciso ser um gênio da Física. Basta apenas ser um gênio do cinema e levar a público uma belíssima obra intimista que vale muito a pena ser vista para que depois se possa tirar suas próprias conclusões.