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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O PÃO NOSSO DE CADA DIA


No final dos anos 50, a sensação da TV americana eram os Quiz Shows. Programas de perguntas e respostas que atraíam milhões de pessoas para frente da TV. Era o início de um casamento quase que perfeito. Eles estavam para aquela época como os realities shows estão para nós hoje. Aproveitando-se desta força descomunal, a rede de televisão NBC criou o Twenty – One (Vinte e Um), onde dois candidatos disputavam entre si respondendo a perguntas até que a pontuação alcançasse vinte e um pontos. A cada semana o vencedor acumulava uma boa quantia em dinheiro.

Um dos primeiros candidatos a se tornar herói do programa foi o judeu Herbert Stempel. Ex-soldado do exército, e dono de uma inteligência singular, ele reinou no programa durante cinco semanas consecutivas até que o produtor fez uma proposta indecente para o participante. Que ele entregasse o jogo para seu novo concorrente Charles Van Doren, um aristocrata de renome, filho de um casal de escritores e boa pinta. A marmelada se deu em nome da audiência que andava patinando até aquele momento. Stempel já não era mais novidade e precisavam de algo novo para prender a atenção de um público escorregadio.


A estratégia bolada pelos produtores foi apresentar ao país outra cara de vencedor. E o invencível certamente não era a cara que o país queria ver. Já, Van Doren, era um sujeito bem apessoado, tipo galã de Hollywood. Sabendo do potencial ilimitado do rapaz para gerar milhões, a empresa juntamente com os patrocinadores orquestrou sua ascensão e fama repentina. Ele virou ídolo de seus alunos em Columbia, o partido número um de todas as mulheres e um herói para todas as famílias. Mas tudo iria desmoronar quando inconformado com as promessas não cumpridas pelos produtores, como um programa de TV só seu, Stempel pôs a boca no trombone e levou toda a sujeira para o Congresso Nacional dos EUA. O caso foi um dos maiores, senão o maior, escândalo da TV americana.

Uma história extraordinária que daria uma ótima sinopse de filme. Por isso, em 1994 o eterno Golden boy americano Robert Redford a levou para as telas. Quiz Show – a verdade dos bastidores é um drama que enfatiza o poder que a TV tem na vida das pessoas. O que a caixinha mágica pode gerar de positivo e negativo na vida de todos que estão envolvidos por ela. Todo o esquema de dinheiro, corrupção e manipulação nela inseridos. Paralelo às relações familiares que ela direta ou indiretamente interfere. O excêntrico John Turturro vive Stempel, enquanto o maravilhoso Ralph Fiennes brilha como o campeão Charles Van Doren. O filme ainda tem uma participação mais do que especial de Martin Scorsese como um ambicioso dono de uma empresa farmacêutica patrocinadora do programa. O filme foi um êxito em sua realização, na interpretação do elenco e na direção primorosa de Redford. “Redford tece um retrato marcante do Poder, assuma ele a forma que for, e da ambição.” (SET).

Nunca a expressão “para o povo: pão e circo” caiu tão bem nos tempos que vivemos hoje. Aquela caixinha de entretenimento, que segundo Stempel foi a maior coisa desde que Gutemberg inventou a Imprensa, nos fornece diariamente o pão e o circo. E plenamente saciados, não deixamos nem as migalhas deste para os cães tamanha fascinação que ela proporciona. Isto é um fato. Triste, mas um fato. Não falo do entretenimento em si, afinal, não há nada de errado em querer fugir de um dia fatigante de trabalho ou principalmente da realidade macabra que insiste em nos perseguir. Deste ponto de vista, a TV acaba se tornando uma forte aliada nossa. Um pão que adoramos devorar. Contudo, ultimamente está se tornando impossível não deixar de perceber que este pão talvez não esteja bem recomendável para nossa saúde.

Quando se pensa em TV a primeira coisa que nos vem à cabeça é diversão. Os empolgantes programas de auditório, entrevistas, variedades, novelas (ah, as novelas!), minisséries, esportes, documentários... enfim, uma infinidade de opções que só mesmo ela pode oferecer tornando-se assim, parte de nossa família. Alguém que está ao nosso lado todos os dias. Faça chuva ou faça Sol. Mais que uma necessidade, é quase como uma religião. Você cria um elo inabalável, uma lealdade bíblica com esta caixinha. Dela emanam nossos maiores desejos e realizações. Estes fatos acabam nos colocando em estado de pura dependência e tudo em demasia, vira um vício e um vício já passa a ser algo nada saudável.

Entre estas coisas nada saudáveis estão os famosos reality shows. Programas criados com um só objetivo: dar ao povo o que o povo pede. Diversão. Porém, o que mais incomoda em todo este cenário é o tipo de diversão que eles propõem. Vendo programas como Big Brother no ar durante tanto tempo nos remete a questionar seriamente nossos padrões de entretenimento. Pessoas comuns colocadas em uma casa a fim de interagir entre si e sobreviver por quase três meses de confinamento. Cada passo que dão registrados pelas câmeras. O que há de tão especial nisso? O que importa para nossa vida, para nosso dia-a-dia este tipo de entretenimento?

Logo depois que saiu da Casa dos Artistas, exibido pelo SBT em 2001, o cantor Supla, um dos participantes, quando perguntado sobre o que achava destes programas, deu uma declaração impactante: “Não me interessa saber como as pessoas dormem ou fazem cocô.” Então, partindo deste ponto, o que leva as pessoas a acompanhar religiosamente um programa tão desgastado pela falta de originalidade? Seria mesmo a falta de perspectiva em fazer algo produtivo para sua vida?

Também não deveria interessar as pessoas saber como as outras dormem ou fazem cocô, mas isto sabemos que não é verdade. Elas querem sim saber como elas dormem, fazem cocô, flertam umas com as outras, bebem, namoram, brigam. Isto é um fato. Triste, mas um fato. É impressionante constatar como estes shows mexem com a cabeça do público. Shows sim. Criadores de ilusão sim. Ninguém em sã consciência acredita que há um ponto de verdade integral nisso. É televisão gente! Tudo não passa de um show conduzindo o público a seminários, fóruns de debate, fã-clubes para os participantes, ter um canal por assinatura de um preço absurdo tudo para acompanhar 24 horas o desenrolar do espetáculo.


Só pelo bom e velho entretenimento? Mas, o que devemos ter consciência é que existam outros interesses bem maiores que um simples reality. Basta lembrar-nos da famosa frase: “É só um jogo”, que de tão repetida pelos participantes se tornou uma espécie de mantra entre eles. Sim, de fato trata-se de um show. Um show de ilusões fazendo o público esperar apenas por um entretenimento repetitivo e manipulado por outros interesses que certamente passam longe de suas casas. E o que mais incomoda é ver o quanto somos permissivos neste ponto. O quanto aceitamos mergulhar de cabeça nas profundezas em que a humanidade pode afundar.


Tudo em nome de uma inocente diversão? Talvez sim de nossa parte. Contudo, devemos estar a par do jogo de interesses que a grande vilã do show business ontem e hoje, proporciona. A audiência. Aquela que vende. Aquela que gera. Aquela que corrompe. Aqueles números previamente comandados pelos mágicos que protagonizam o circo. Os padeiros que nos fornecem o pão nosso de cada dia que saciam nossa fome. E como temos fome! Não importa o que tiver no cardápio, porque queremos sim só comida. O importante é chegar a nossa mesa.

Perante esta triste constatação e seguindo esta linha de raciocínio não sabemos até onde poderemos chegar com isso. Qual é a linha que delimita o que é certo ou errado dentro da TV e qual nossa real participação dentro deste circo. Criamos todos os dias Stempels e Van Dorens e os levamos para dentro de nossa casa de forma passiva à medida que seguimos catatônicos em direção a programas de baixo nível que nos oferecem momentos descartáveis em cenas lamentáveis como uma simulação de sexo ou uma possível situação de estupro. Até quando a mente humana pode suportar este tipo de alimento oferecido pelos realities? Até quando? Por quê? Até onde? Até...?

Perguntas e mais perguntas num cenário de quiz show onde já sabemos as respostas, só não queremos admitir. Fugir desta dependência. Não ser um mero profeta pregando no deserto palavreando como um dos personagens do filme, o advogado responsável por levar a público todo caso da TV americana: “Pensei que fôssemos pegar a televisão. A verdade é que a televisão vai nos pegar”. Vai não, já pegou. Isto é um fato. Triste, mas é um fato.

Um comentário:

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