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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS (The Help, 2011)


The Help, 2011. Dirigido por Tate Taylor. Com Emma Stone, Viola Davis, Octavia Spencer,Jessica Chastain, Bryce Dallas Howard e Sissy Spacek.
Cotação: ☻☻☻

Com um roteiro que funde os ideais femininos de uma época desigual, o filme é um forte candidato a estar entre os “oscarizáveis” de 2011, principalmente pelas atuações de suas atrizes. Um fabuloso e divertido conto sobre coragem, respeito e humanidade. Paulo Silva


Ser mulher num mundo povoado de preconceitos e preceitos infundados muitas das vezes nos cala perante situações inócuas recheadas de inadequações aos princípios de humanidade. Uma mulher que nasce com a coragem suficiente para se fazer ouvir e, mais especialmente, se entender neste mundo, em qualquer época que seja, merece ser lembrada com carinho e admiração através dos tempos. Mulheres que ousaram desafiar os padrões impostos pela sociedade maniqueísta a qual deveriam silenciosamente pertencer. São as chamadas mulheres a frente de seu tempo. Ou seja, aquelas que nasceram na hora certa e no tempo errado. Será mesmo?

Em 2003, o diretor Mike Newell dirigiu o excelente O Sorriso de Monalisa em que Julia Roberts encabeçando um elenco de jovens estrelas, interpretava uma professora recém-chegada a um tradicional e ultraconservador colégio para moças. Katherine Watson fazia mais que lecionar história da arte. Com suas ideias liberais, aos poucos ela foi se tornando uma espécie de mentora para além dos muros da escola, interferindo beneficamente na vida de suas alunas de Wellesley. Seu comportamento, como era de se esperar, causou um profundo impacto moral para a maioria das conservadoras do lugar. Atraída pelas possíveis mudanças daquela época, Katherine se deixou iludir pelo chafariz de promessas na formação de mulheres fortes e independentes que seriam futuramente o modelo de um futuro promissor, uma vez que ali se encontrava as mulheres mais inteligentes do país. Contudo, ela aprendeu que as mudanças que tanto ansiava viriam de forma gradativa e isso fez com que optasse em derrubar outros muros do preconceito fora dali. “Uma escola de boas maneiras disfarçada de colégio”, conclui melancolicamente em uma das passagens do filme.




Em Histórias Cruzadas (The Help), a jornalista Skeeter Phelan (Emma Stone) não teve o mérito de fazer ouvir. Ela foi mais além. Foi a mão que conduziu um grupo de empregadas negras do estado do Mississipi a desafiar os limites comportamentais da época. Domésticas que ousaram contar em alto e bom som suas próprias histórias. Com coragem, a jovem Skeeter que foi nascida e criada para desempenhar os papéis que toda moça de boa família da cidade nascera para desempenhar. Quando foge deste padrão, a jornalista é tachada de “diferente” por todos e até mesmo por sua mãe, que chega a sugerir um “remédio especial para tratar seus problemas”.

Skeeter era realmente especial. Uma mulher que se preocupava com o amor em sua forma mais universal, e não apenas canalizado entre maridos e filhos. Uma mulher que viu o casamento como opção, não uma solução. Foi este princípio inflamado pelo amor universal que a fez enxergar em sua babá negra um espelho para sua vida. Impulsionada por estes ideais, a jornalista decide se unir às corajosas Aibileen (Viola Davis) e Minny (Octavia Spencer) e imortalizar suas histórias através de um livro. Nele, ambas puderam fazer o que legalmente era impossível naquela época. Ter voz e vez.

Nas histórias, contavam todo e qualquer detalhe dos mais curiosos aos escabrosos da vida de seus patrões através de suas visões de subordinadas. Ao optar por uma ótica diferente, Skeeter realiza seus desejos de aceitação quanto mulheres e mães. Isso se dava por conta de um poderoso vínculo maternal com os filhos de suas patroas. No entanto, com a segregação racial que ditava o modelo comportamental daquele tempo, era impossível de se integrar formalmente ao núcleo familiar ao qual serviam. E para as crianças, discernir entre a mãe biológica e a mãe de fato, se tornava uma tarefa confusa e difícil. Em suma, podiam limpar as fraldas das crianças, mas não frequentar o mesmo banheiro dos patrões.

Daí surge as esposas caricatas como Hilly Hollbrook (Bryce Dallas Howard). Uma exímia representante de moças formadas pelo colégio onde Katherine lecionava e seus papéis que teriam nascido para desempenhar, conseguem fracassar nos dois níveis por meio de uma série de equívocos alimentados pelo preconceito que comodamente molda sua personalidade. O de esposa e de mãe. Estes parâmetros regiam as relações estabelecidas entre as mulheres brancas e negras até que a jovem Skeeter cruza o caminho de Aibileen e Minny estendendo suas duas mãos para as súplicas quase asfixiantes. Mãos que serviram como mecanismo de libertação para ambas por meio das palavras orais e escritas.

Tanto em O Sorriso de Monalisa quanto em Histórias Cruzadas, vimos que a expressão mulheres a frente de seu tempo não deviam definir as personagens de Julia e Emma diante da postura admiravelmente corajosa de ambas. Elas não foram e nem são mulheres a frente de seu tempo. São mulheres a frente de todos os tempos. Mulheres que se não tivessem ousado em um tempo onde a ousadia era uma palavra abstrata, não teriam sido tão especiais por nascer na hora e no tempo certo. Tempo que necessitava de uma mão para derrubar seus preceitos estúpidos. De uma ajuda fortuita como exemplos edificantes de formação moral e acadêmica. Não teriam ajudado suas alunas e amigas a se libertarem do espartilho de uma sociedade com valores obsoletos que só faz diminuir a mulher em si. Seja ela branca ou negra.

Talvez este seja o maior mérito do filme de Tate Taylor, que com certeza é um dos melhores lançamentos de 2011. Através de suas personagens magistralmente interpretadas por um grande elenco, ele unifica modelos heterogêneos de mulher em suas relações, bem como seus dramas e histórias. No final, todas nós pertencemos a este mundo. Em qualquer tempo, hora, lugar temos que estar sempre a frente de tudo. Sempre procurando provar o nosso valor. Sempre procurando derrubar os muros que nos separam da aceitação e autoafirmação. Sempre oferecendo uma mão para soltar os reprimidos das amarras do silêncio. Dar voz a quem não pode se fazer ouvir é certamente uma ajuda que liberta e que faz sorrir.


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