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segunda-feira, 23 de julho de 2012

CARRIE, A ESTRANHA (1976)


Carrie, 1976. Dirigido por Brian De Palma. Com Sissy Spacek, Piper Laurie e Betty Buckley

Nota: 8.0

 “Vocês pararam para pensar que Carrie White tem sentimentos?” A questão colocada em voga durante um sermão da Srta. Collins (Betty Buckley) é o que move o roteiro de Carrie, a estranha, um dos maiores clássicos do cinema. Ao tentar proteger uma de suas alunas de um tipo nocivo de discriminação, o chamado bulling dos dias atuais, sua atitude perpetuou as razões de um grupo de garotas más que não suportavam a “estranheza” de Carrie White (Sissy Spacek). Uma garota de feições apagadas, tímida, isolada em seu mundo particular e com a forte atenuante de possuir poderes tele cinéticos.

O colegial sempre foi um avatar de inspiração para autores que escrevem especialmente para o público adolescente. E para o multitalentoso Stephen King não foi diferente. Para escrever o livro que deu origem ao sucesso cinematográfico de 1976, o autor se inspirou na figura real de duas garotas que conheceu na cidade onde morava. Tímidas, recatadas, vivendo em seu modo particular, sendo que uma delas tinha uma conturbada relação com a mãe, fanática religiosa. King observou atentamente a relação destes elementos, que culminou com o suicídio de uma destas garotas. A forma trágica do desfecho de uma de suas fontes, não o impediu de criar uma personagem que se encaixasse perfeitamente no âmbito dramático deste mundo tão fascinante, mas às vezes tão cruel de nossa realidade. Como figura central deste turbilhão, está Carrie, uma garota que severamente oprimida pelos atos fanáticos de sua mãe, deixando minar sua personalidade e o modo como age ao tentar se encaixar no mundo a qual inevitavelmente deve pertencer.

Carrie simboliza todos os adolescentes que tem dificuldade em se adaptar a este mundo bem como demonstrar sua verdadeira essência para escapar das inúmeras armadilhas que ele proporciona. A garota que se assusta durante um banho após a primeira menstruação, e que por isso é vítima de uma crueldade psicológica jamais vista no cinema, aos poucos rompe o cordão umbilical com a mãe, Margareth White (a excelente Piper Laurie), se transformando numa moça audaz capaz de desafiá-la. A fim de realizar seu desejo de ter uma vida como qualquer uma, a moça vai ao intrépido baile com um acompanhante “encomendado” por uma de suas colegas. E o que se vê depois é a realização de uma das profecias da mãe. ”Todos vão rir de você”, a frase dá ênfase a uma das cenas mais clássicas da história, o horror do baile. Depois de subir no palco para receber a coroa de Rainha de Baile, Carrie é molestada por um balde que jorra sangue de porco sob sua cabeça. A partir daí se dá a inserção dos elementos sobrenaturais para expressar a dor e a frustação sofridas pela personagem num momento tão vulnerável de sua condição como mulher. E é neste momento que o talento da atriz, perfeita em todas as sequencias, fica mais evidenciado e a direção segura de Brian de Palma complementa um dos momentos mais memoráveis do cinema.

Ao retornar para casa, Carrie se volta para a mãe como faz a maioria das adolescentes neste momento traumático. Mas o que encontra é a síntese de seu relacionamento com a matriarca. O fanatismo religioso conduz Margareth a um ato insano de esfaquear a própria filha pelas costas após uma confissão perturbadora de “seus pecados”. A confusão de sentimentos da garota cria um revide fatal, fazendo com que facas voem em direção à mãe enlouquecida. Terminava ali uma história de repressão e ausência total de diálogo entre mãe e filha, na impressionante imagem da mãe crucificada pelas facas entre as colunas da porta. Uma cena inesquecível tanto visualmente quanto dramaticamente, nas atuações fantásticas e indicadas ao Oscar de Spacek e Laurie.

A metáfora utilizada pelo autor para tratar de exclusão social, os aspectos religiosos, o melodrama, o horror, são tópicos que colocam a adaptação do diretor como algo inclassificável como gênero cinematográfico, e como um dos filmes mais bem adaptados para o cinema. A segunda versão em 2002 protagonizada por Ângela Betis trouxe algumas passagens interessantes contidas no livro que não foram utilizadas pelo diretor nesta versão.

Mas nada que possa diminuir os atributos do filme de De Palma. Embora tenha pecado em certas passagens incompreensíveis como o altruísmo suspeito que leva Sue Snell (Amy Irving) a abrir mão de seu namorado em prol de Carrie, o popular Tommy Ross (William Katt) e a facilidade do mesmo em aceitar levar a estranha do colégio como acompanhante ao baile, cria certo desconforto com algumas lacunas no desenvolvimento de uma história tão boa que poderia ser desenrolada em mais tempo de duração. A história é corrida demais para chegar ao ápice da cena do baile. Pecados reparáveis atualmente, mas perdoáveis quando se trata de algo bem maior e mais contundente em seu objetivo final. Uma obra inesquecível que o sucesso instantâneo tornou Cult, mesmo com estes pequenos pecados, que segundo as palavras de Margareth nunca morre, bem como um clássico do cinema.

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