Nota: 8.0
“Vocês pararam para pensar que Carrie White
tem sentimentos?” A
questão colocada em voga durante um sermão da Srta. Collins (Betty Buckley) é o que move o roteiro de
Carrie, a estranha, um dos maiores
clássicos do cinema. Ao tentar proteger uma de suas alunas de um tipo nocivo de
discriminação, o chamado bulling dos
dias atuais, sua atitude perpetuou as razões de um grupo de garotas más que não
suportavam a “estranheza” de Carrie White (Sissy Spacek). Uma garota de feições apagadas, tímida, isolada em
seu mundo particular e com a forte atenuante de possuir poderes tele cinéticos.
O colegial sempre foi um
avatar de inspiração para autores que escrevem especialmente para o público
adolescente. E para o multitalentoso Stephen
King não foi diferente. Para escrever o livro que deu origem ao sucesso
cinematográfico de 1976, o autor se inspirou na figura real de duas garotas que
conheceu na cidade onde morava. Tímidas, recatadas, vivendo em seu modo
particular, sendo que uma delas tinha uma conturbada relação com a mãe,
fanática religiosa. King observou atentamente a relação destes elementos, que
culminou com o suicídio de uma destas garotas. A forma trágica do desfecho de
uma de suas fontes, não o impediu de criar uma personagem que se encaixasse
perfeitamente no âmbito dramático deste mundo tão fascinante, mas às vezes tão
cruel de nossa realidade. Como figura central deste turbilhão, está Carrie, uma
garota que severamente oprimida pelos atos fanáticos de sua mãe, deixando minar
sua personalidade e o modo como age ao tentar se encaixar no mundo a qual
inevitavelmente deve pertencer.
Carrie simboliza todos os
adolescentes que tem dificuldade em se adaptar a este mundo bem como demonstrar
sua verdadeira essência para escapar das inúmeras armadilhas que ele
proporciona. A garota que se assusta durante um banho após a primeira
menstruação, e que por isso é vítima de uma crueldade psicológica jamais vista
no cinema, aos poucos rompe o cordão umbilical com a mãe, Margareth White (a excelente
Piper Laurie), se transformando numa moça audaz capaz de desafiá-la. A fim
de realizar seu desejo de ter uma vida como qualquer uma, a moça vai ao intrépido
baile com um acompanhante “encomendado” por uma de suas colegas. E o que se vê
depois é a realização de uma das profecias da mãe. ”Todos vão rir de você”,
a frase dá ênfase a uma das cenas mais clássicas da história, o horror do
baile. Depois de subir no palco para receber a coroa de Rainha de Baile, Carrie
é molestada por um balde que jorra sangue de porco sob sua cabeça. A partir daí
se dá a inserção dos elementos sobrenaturais para expressar a dor e a frustação
sofridas pela personagem num momento tão vulnerável de sua condição como
mulher. E é neste momento que o talento da atriz, perfeita em todas as
sequencias, fica mais evidenciado e a direção segura de Brian de Palma complementa um dos momentos mais memoráveis do
cinema.
Ao retornar para casa, Carrie
se volta para a mãe como faz a maioria das adolescentes neste momento
traumático. Mas o que encontra é a síntese de seu relacionamento com a
matriarca. O fanatismo religioso conduz Margareth a um ato insano de esfaquear
a própria filha pelas costas após uma confissão perturbadora de “seus pecados”.
A confusão de sentimentos da garota cria um revide fatal, fazendo com que facas
voem em direção à mãe enlouquecida. Terminava ali uma história de repressão e
ausência total de diálogo entre mãe e filha, na impressionante imagem da mãe crucificada
pelas facas entre as colunas da porta. Uma cena inesquecível tanto visualmente
quanto dramaticamente, nas atuações fantásticas e indicadas ao Oscar de Spacek
e Laurie.
A metáfora utilizada pelo
autor para tratar de exclusão social, os aspectos religiosos, o melodrama, o horror,
são tópicos que colocam a adaptação do diretor como algo inclassificável como
gênero cinematográfico, e como um dos filmes mais bem adaptados para o cinema. A
segunda versão em 2002 protagonizada por Ângela Betis trouxe algumas passagens interessantes
contidas no livro que não foram utilizadas pelo diretor nesta versão.
Mas nada que possa diminuir
os atributos do filme de De Palma. Embora tenha pecado em certas passagens incompreensíveis
como o altruísmo suspeito que leva Sue
Snell (Amy Irving) a abrir mão de
seu namorado em prol de Carrie, o popular Tommy
Ross (William Katt) e a facilidade
do mesmo em aceitar levar a estranha do colégio como acompanhante ao baile,
cria certo desconforto com algumas lacunas no desenvolvimento de uma história
tão boa que poderia ser desenrolada em mais tempo de duração. A história é corrida
demais para chegar ao ápice da cena do baile. Pecados reparáveis atualmente,
mas perdoáveis quando se trata de algo bem maior e mais contundente em seu
objetivo final. Uma obra inesquecível que o sucesso instantâneo tornou Cult, mesmo com estes pequenos pecados,
que segundo as palavras de Margareth nunca morre, bem como um clássico do
cinema.
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