Texto publicado na revista Devore
Quando
um filme tem sua narrativa centrada na gastronomia, o resultado pode ser um
grande alimento para a alma
“Comer,
comer , é o melhor para poder crescer”, esse hit infanto-juvenil que fez um
sucesso gigantesco com o grupo Gengis Khan, e pouco depois, com a turminha do
Balão Mágico, na década de 80, foi uma viagem da arte musical na gastronomia.
Apesar de tratar a comida como sendo de suma importância para o crescimento
metabólico, a canção tinha lá um fundo subjetivo de crescimento pessoal. Mas
foi no cinema a arte que conseguiu trazer ao campo artístico a importância do
alimento em sua plenitude, em produções em que a gastronomia atua como uma
espécie de protagonista, catalisando a narrativa e passando mensagens sérias,
além do deguste visual.
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Ratatouille |
Quando
o ratinho Remy decidiu tornar o sonho de ser chef de cozinha realidade, a
culinária não era simplesmente o condutor de situações escatológicas e
impagáveis da animação Ratatouille (2007), mas sim a
representação da luta de pessoas com uma condição social frágil pelos seus
sonhos. A arte de transformar ingredientes em obras-primas comestíveis é a
metáfora da busca incessante do ser humano pela felicidade. Além de representar
esta busca pelos sonhos, ela representa também a vontade de viver intensamente,
como no drama argentino Herancia (2001).
Essa
opção por adotar a gastronomia como o ponto essencial de uma trama
cinematográfica torna o trabalho de produção de um filme delicado. O professor
de cinema e TV do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Mauro Pianta
explica que “na verdade é uma relação que conduz toda a narrativa: personagem
e gastronomia deliciosa. A percepção que deve ser passada tem essa ligação com a
historia contada. A comida funciona como um elo para costurar os plots do filme”.
No
cinema nacional, o filme que tem a comida como um alimento de transformação
metafórico é Estômago (2007), de Marcos Jorge. O enredo é todo coordenado
pela capacidade do personagem central Raimundo em transformar seu amor pela
culinária em um escudo que o protege dos mais obscuros valores humanos dentro
do presídio para onde foi mandado injustamente. É uma espécie de reação ética e
moral que cada um cultiva dentro de si, e nos faz ter o senso de certo e
errado. É a gastronomia provando que se pode ser uma boa pessoa mesmo
convivendo com outras de caráter duvidoso.
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Estômago |
Em
alguns casos um alimento em específico substitui um todo na representação
alegórica. O preferido é o chocolate, que no filme homônimo de 2000, se torna o
mote mais importante da narrativa, aonde a guloseima é uma “bruxaria boa”, que
leva os habitantes de uma pequena cidade americana, no fim da década de 50, a
abandonar seus preconceitos contra a protagonista (mãe solteira) e passar a ver
a vida com um sabor menos amargo.
A
lista de longas que tratam a gastronomia como o grande protagonista é extensa.
Do sensível Tomates verdes fritos (92), passando pelos dramáticos A
grande noite (96) e O alimento da alma (97), chegando ao
deslumbrante Vatel – um banquete ao Rei (2000), todos só tiveram êxito em
transmitir suas mensagem devido a perfeição com que a arte culinária
desempenhou o papel principal. Contudo, o mais belo casamento entre gastronomia
e cinema foi concebido em 1987 pelo dinamarquês Gabriel Axl.
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A Festa de Babette |
A
Festa de Babbete (1987)
foi um marco cinematográfico de simplicidade e perfeição. E a fama se fez pelo
esplendor do banquete à francesa oferecido pela personagem título, e a maneira
em que a elevação espiritual se relaciona com cada prato degustado. Para Pianta,
“cada filme citado tem uma relação diferente entre
a degustação e as histórias. Mas eu fico com a Festa de Babbet, por
que tem um fio condutor que te leva a quebrar as regras junto com os
personagens e acaba sendo muito divertido” – finaliza.
Se
a maioria das pessoas acha que a gastronomia só tem relação com a sétima arte
quando a pipoca e o refrigerante acompanham a sessão de cinema, é só procurar
nas melhores locadoras por estes filmes, que além de proporcionar momentos
deliciosos, serão sem dúvida, um precioso alimento, que nutre a alma.
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