Visitantes

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Cinema a La carte


Texto publicado na revista Devore
Quando um filme tem sua narrativa centrada na gastronomia, o resultado pode ser um grande alimento para a alma

“Comer, comer , é o melhor para poder crescer”, esse hit infanto-juvenil que fez um sucesso gigantesco com o grupo Gengis Khan, e pouco depois, com a turminha do Balão Mágico, na década de 80, foi uma viagem da arte musical na gastronomia. Apesar de tratar a comida como sendo de suma importância para o crescimento metabólico, a canção tinha lá um fundo subjetivo de crescimento pessoal. Mas foi no cinema a arte que conseguiu trazer ao campo artístico a importância do alimento em sua plenitude, em produções em que a gastronomia atua como uma espécie de protagonista, catalisando a narrativa e passando mensagens sérias, além do deguste visual.

Ratatouille
Quando o ratinho Remy decidiu tornar o sonho de ser chef de cozinha realidade, a culinária não era simplesmente o condutor de situações escatológicas e impagáveis da animação Ratatouille (2007), mas sim a representação da luta de pessoas com uma condição social frágil pelos seus sonhos. A arte de transformar ingredientes em obras-primas comestíveis é a metáfora da busca incessante do ser humano pela felicidade. Além de representar esta busca pelos sonhos, ela representa também a vontade de viver intensamente, como no drama argentino Herancia (2001).

Essa opção por adotar a gastronomia como o ponto essencial de uma trama cinematográfica torna o trabalho de produção de um filme delicado. O professor de cinema e TV do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Mauro Pianta explica que “na verdade é uma relação que conduz toda a narrativa: personagem e gastronomia deliciosa. A percepção que deve ser passada tem essa ligação com a historia contada. A comida funciona como um elo para costurar os plots do filme”.

No cinema nacional, o filme que tem a comida como um alimento de transformação metafórico é Estômago (2007), de Marcos Jorge. O enredo é todo coordenado pela capacidade do personagem central Raimundo em transformar seu amor pela culinária em um escudo que o protege dos mais obscuros valores humanos dentro do presídio para onde foi mandado injustamente. É uma espécie de reação ética e moral que cada um cultiva dentro de si, e nos faz ter o senso de certo e errado. É a gastronomia provando que se pode ser uma boa pessoa mesmo convivendo com outras de caráter duvidoso.
Estômago

Em alguns casos um alimento em específico substitui um todo na representação alegórica. O preferido é o chocolate, que no filme homônimo de 2000, se torna o mote mais importante da narrativa, aonde a guloseima é uma “bruxaria boa”, que leva os habitantes de uma pequena cidade americana, no fim da década de 50, a abandonar seus preconceitos contra a protagonista (mãe solteira) e passar a ver a vida com um sabor menos amargo.

A lista de longas que tratam a gastronomia como o grande protagonista é extensa. Do sensível Tomates verdes fritos (92), passando pelos dramáticos A grande noite (96) e O alimento da alma (97), chegando ao deslumbrante Vatel – um banquete ao Rei (2000), todos só tiveram êxito em transmitir suas mensagem devido a perfeição com que a arte culinária desempenhou o papel principal. Contudo, o mais belo casamento entre gastronomia e cinema foi concebido em 1987 pelo dinamarquês Gabriel Axl.

A Festa de Babette
A Festa de Babbete (1987) foi um marco cinematográfico de simplicidade e perfeição. E a fama se fez pelo esplendor do banquete à francesa oferecido pela personagem título, e a maneira em que a elevação espiritual se relaciona com cada prato degustado. Para Pianta, “cada filme citado tem uma relação diferente entre a  degustação  e as histórias. Mas eu fico com a Festa de Babbet, por que tem um fio condutor que te leva a quebrar as regras junto com os personagens e acaba sendo muito divertido” – finaliza.

Se a maioria das pessoas acha que a gastronomia só tem relação com a sétima arte quando a pipoca e o refrigerante acompanham a sessão de cinema, é só procurar nas melhores locadoras por estes filmes, que além de proporcionar momentos deliciosos, serão sem dúvida, um precioso alimento, que nutre a alma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário