Beasts of the Southern Wild, 2012. Dirigido por Benh Zeitlin. Com
Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Lowell Landes, Pamela Harper e Gina Montana.
Nota: 9.3
Às vezes surge um filme que
consegue tramitar fora de qualquer padrão predeterminado pela indústria
cinematográfica americana, aquela baseada na lógica do absolutamente técnico,
estético ou comercial, ou na escola européia, que se preocupa com seu requinte
contextual e subjetivo. Não que isso não esteja presente em Indomável Sonhadora, mas é por que a
forma como foi concebido, mostrando um lado que até os próprios americanos
devem (ou preferem) desconhecer, e a preocupação com o vivo e o real é de uma
proximidade agoniante. Além de tudo, uma certa menina de nome impronunciável dá
um verdadeiro show.
A pequena Hushpuppy (Quvenzhané
Wallis, excelente) vive em uma comunidade miserável às margens de um rio com o
pai Wink (Dwight Henry). Mesmo com as dificuldades enfrentadas e as condições
de vida precárias, sua vida é feliz em meio à sujeira e os animais. Quando seu
pai fica muito doente e coincide com uma grande tempestade que alaga toda a
área, a garotinha terá que enfrentar tudo o que lhe assombra, seja real ou
sobrenatural, aceitar a situação e encontrar forças para seguir sua trajetória
sozinha.
O diretor Benh Zeitlin, que
assina o roteiro ao lado de Lucy Alibar, que escreveu o livro em que o filme
foi baseado, não tem pudor em expor a seu próprio povo a pobreza, que sim,
existe em solo americano. No meio de toda a vida difícil que levam, pai e filha
aprenderam a sobreviver, e desta provação criam um laço amoroso, potente,
indestrutível. A relação conduzida aos sopapos, gritos e ataques de fúria de
ambos os lados cria um questionamento sobre o amor. Seria o amor de verdade
aquele que é construído à base da raça? Mas o texto de Zeitlin e Alibar mantém
o público com as respostas na ponta da língua, mas sem que faça alguém ter
coragem de julgar os motivos de cada um deles.
O filme também traz um contraste
com o tal “american way life”, pois enquanto o resto do país entra em colapso
com questões capitalistas, esquecem a felicidade de viver uma vida real, tendo
de acompanhar tragédias que se sucedem, enquanto a comunidade da “Banheira”, na
mais crua pobreza, convive com a felicidade, o afeto, os sonhos. Cada um
enfrenta as bestas que os atormenta, procura algo que amenize sua dor.
Hushpuppy sofre por não ter mais sua mãe ao seu lado, e faz de tudo para que
mantenha a situação sob controle, sem se mostrar fraca, apesar de seus seis
anos. Wink trabalha em prol de todos, mesmo correndo o risco de perder a vida,
pois acredita que sua felicidade depende da manutenção do ambiente em que vive.
Nesta esteira de emoções cruas, a
fotografia competente que remonta o caos, e a penumbra que persegue a luz na alma da pequena
Hushpuppy, dá vida às bestas que a atormenta, o que na verdade representa a
aceitação que no momento derradeiro terá de enfrentar, e os respingos de
felicidade brotando aqui e ali nos raios de sol que aparecem entre uma
tempestade e um confronto. Desta aproximação pulsante triunfa a dupla
protagonista. Henry mostra uma virilidade contagiante. Sua perseverança, sua
busca pela sobrevivência e a preocupação com sua filha não é transformada algo
brutal e selvagem como aparenta ser sua condição, pelo contrário, é sublime. E
não há como deixar de reverenciar a atuação de Quvenzhané Wallis, que apesar de
sua pouca idade, empresta uma intensidade assombrosa à sua personagem. Domina
cada centímetro de película, e pela primeira vez podemos ver uma protagonista
mirim completa, seu aquela necessidade de um personagem adulto como sombra.
Uma obra de arte sentimental,
sobrenatural, que sabe explorar um viés de uma nação acostumada a não a ver a
situação como algo familiar. Uma singela homenagem à aqueles que sofreram com a
passagem do furacão Katrina, que fez com aquela região da Lousiana chegasse ao
estado que se vê no longa. Uma fábula de fraternidade, amor e aprendizagem que
fabrica lágrimas, que mesmo diante do caótico cenário, são de felicidade e não
de tristeza.
Se é pra mostrar a realidade, Indomável sonhadora dá de 10 no fraquíssimo "Quem quer ser um milionário?" que não conseguiu emocionar ninguém com uma história absurda e deplorável.Fantasia por fantasia prefiro este.
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