Visitantes

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Capítulo 3: Um caminho a dois

"Para ter lábios atraentes, diga palavras doces.Para ter olhos belos, procure ver o lado bom das pessoas. Para ter o corpo esguio, divida sua comida com os famintos. Para ter cabelos bonitos, deixe uma criança passar seus dedos por eles pelo menos uma vez ao dia. Para ter boa postura caminhe com a certeza de que nunca andará sozinha." Audrey Hepburn

Abortos, depressão, dúvidas, divórcios. Um tempo difícil para a estrela de olhos cintilantes e aparência afável. Para tentar se recuperar, o esteio da vida conjugal a coloca de volta  sob os holofotes.

O casamento com Mel Ferrer sofreria um abalo considerável na época em que a estrela não conseguia engravidar. Uma sequência de abortos a deixava deprimida e para consolar a esposa, Mel investiu pesado em sua carreira. Juntos trabalharam em Guerra e Paz, sucedida por comédias românticas como Cinderela em Paris e o drama Uma cruz a beira do abismo. Trabalho que lhe renderia a terceira, e assim, mais palpável indicação a estatueta dourada. Neste tempo conseguiu realizar o sonho de ser mãe quando em 1960 nasceu Sean. Um ano e meio de licença-maternidade volta para estrelar Bonequinha de Luxo, em um papel que a transformaria em um ícone e pelo qual seria lembrada como um expoente de beleza e elegância e ainda de quebra receber sua quarta indicação ao Oscar. Pouco tempo depois filmou Infâmia, Charada e Quando Paris alucina. Em 1963, recebeu o papel principal do popular musical My fair Lady. Entretanto, o fato de ter sido dublada nas canções deixou a atriz extremamente aborrecida e fez com que abandonasse as gravações por um dia. Como consequência, não foi indicada ao Oscar - até hoje  considerado uma injustiça - ignorando todo seu esforço. Em seguida viria Como roubar um milhão de dólares e Um clarão nas trevas, este último dirigido por Mel numa clara tentativa de salvar seu casamento terminado em dezembro de 1968, junto com sua carreira. Audrey decidira dar um tempo como atriz, mas se casaria novamente apenas seis semanas após o divórcio, com o psiquiatra italiano Andrea Dotti. Desta união nasce seu segundo filho, Luca Dotti, em 1970. O casal morou por um ano em Roma, para em seguida a atriz ir viver na Suíça com os dois filhos. O tempo de desquite com a arte se encerraria em 1976 quando voltou a cena com Robin e Marian.


Infâmia (The children's hour, 1961)
Direção: William Wyler. Com: Audrey Hepburn, Shirley MacLaine e Karin Blaikin.
Nota: 9


O mau velho e o mau jovem se colidem nesta essencial obra do mestre William Wyler. O preconceito, o velho mau da sociedade através dos tempos é o carro-chefe inremediavelmente atado a uma mente cruel do jovem mau na figura de uma criança , que por maldade, arrasa com a reputação e as vidas de duas distintas professoras.

Karen Wright (Audrey Hepburn) e Martha Dobie (Shirley MacLaine) conduziam em perfeita harmonia uma escola particular para moças da alta sociedade na Nova Inglaterra. O lugar era onde todas as meninas se sentiam acolhidas, em casa, exceto a mimada Mary Tilford (Karin Blaikin), a laranjinha podre no cesto da nobre instituição. Mal criada e de personalidade forte para sua idade, fazia de suas mentiras um passaporte para ser o centro das atenções de todos a sua volta.  Num destes golpes, ele desfere afirmações infames na reputação das duas mestras. Tudo porque Karen desmente uma história da pequena travessa que ao chegar atrasada para uma aula, tenta engambelar uma das  professoras pegando um buquê surrado do lixo do jardim. Furiosa por ter sido desmascarada com um sermão acoplado, a menina vê sua vingança ganhar forma numa noite de insônia. Ao testemunhar  de longe uma  cena ambígua entre as professoras que se beijam no rosto a altas horas da madrugada, ela destila todo seu "veneninho" dando início a um escândalo de grandes proporções.

Tudo começa pela avó de Mary, uma grande dama da cidade, que conduz acima de qualquer suspeita o rastro da mentira da neta pelos lares de todos depois que a história é confirmada por outra aluna chantageada impiedosamente por Mary. Em pouco tempo a escola fica às moscas e a confusão cresce envolvendo a mídia e os tribunais, resultando na falência moral e consequentemente financeira das dedicadas professoras, que ainda veem sua vida amorosa (Karen rompe seu noivado com um médico popular) entrar pelo ralo junto com seu prestígio profissional. Segue-se daí a luta de Karen e Marie para se fazer justiça, mas até que se prove o contrário, o estrago já está feito.

Infâmia como o próprio nome já anuncia, é todo moldado a partir de algo nocivo que rege uma sociedade preconceituosa por uma mente vingativa. Baseado na peça homônima de sucesso de Lillian Hellman, e com direção de um gênio do cinema, é menos conhecido do que deveria, pois ultrapassa o enredo homossexual, nos surpreendendo positivamente dentro do exigente cenário cinematográfico. O chamariz implícito pela sinopse cai por terra perante as cenas ingênuas do início. As sequencias vão de forma linear através de uma narração oculta da história pautada no desespero de duas mulheres honestas, dignas e injustiçadas por uma história pra lá de mal contada de uma criança. O espectador interage inadvertidamente com o sofrimento passado de forma brilhante por todos os elementos que cercam a angústia presente e a melancolia final do espetáculo. Além das características relevantes como tema reflexivo, é um apuro retratado com maestria em um roteiro inerente, uma fotografia conveniente que busca na tela toda o caos que se instalou na vida das protagonistas.

As atuações do elenco são um capítulo primordial dentro da história. Em meio a duas estrelas de primeira grandeza, quem brilha é a "pequena grandeza" que o título em inglês da obra toma parte. A hora é realmente da criança e Karin Blaikin não deixa por menos, nos presenteando com vários minutos de uma maturidade impressionante em cena. Seus atos de vilania deixariam qualquer vilã de novela das oito morta de raiva. A pequena é  daquele tipo intragável que todos ficam torcendo para que apareça alguém para torcer seu pescoço. Mérito para a menina que encaminha os holofotes para si com um show devastador na tela. O mesmo trabalho que teve Saiorse Ronan em Desejo e reparação, mas que aqui vence por se tratar de uma mente mais crua e perversa. MacLaine está segura no papel da retraída Marie e sua química com Hepburn é condizente com a química essencial entre as personagens. Nossa querida dama também não deixa por menos, se desvencilhando das características de interpretação em que criou personagens míticos e entrando num terreno mais denso neste sentido. Linda e luminosa como sempre, completa o ponto alto do filme.

O que tira a nota 10 deste clássico é o rumo que toma na história a personagem de McLaine. O fato dela ser realmente apaixonada por Hepburn (visto algo impossível de não acontecer), deixa à deriva tudo que foi construído por uma exímia perfeição ao longo dos 107 minutos de filme. Nem mesmo a cena inesquecível da professora se declarando para a amiga,serve para driblar a surpresa negativa que a situação gerou em quem pensava estar assistindo a um outro contexto. Me lembro agora de uma cena do filme Desejo proibido (2000) em que alguns personagens (os preconceituosos) estão no cinema assistindo a Infâmia e começam a se retirar da sala na exibição desta cena. Isto prova que pra quem esperou até aquele momento, pensou realmente estar acompanhando uma outra coisa, comprovando que o tema (a infâmia) se esvai, mutilando fracionalmente a luta das professoras. O contexto explícito da obra não se apresenta como mais uma de temática homossexual envolta a uma moral e que  por isso tem a responsabilidade de levantar uma bandeira contra o preconceito. Neste caso, teria sido bem mais viável continuar fortalecendo o próprio como sinônimo de pré-julgamento em contornos mais universais, para com isso derrubar a raiz da palavra. Um erro analisado de forma subjetiva que tira o mérito como um todo do filme, mas que nem por isso descarta totalmente seu miolo de conteúdo espetacular.

Um comentário:

  1. Realmente a trajetória de sucesso de Hepburn tem de passar por este excelente filme de Wyler. Também esperava mais de seu final, mas temos que levar em consideração que a maioria dos filmes da época sofria com o medo de perder público, então acabava pegando leve no "pecado" do homossexualismo. Uma pena.

    ResponderExcluir