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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Deus da carnificina (2010)

Deus da carnificina (Carnage , 2010) 
Direção: Roman Polanski. Com: Kate Winslet, Christoph Waltz, Jodie Foster e John C. Reilly.
Nota: 9

Um filme onde o fim casa-se com o início Deus da carnificina de Roman Polanski começa com uma briga entre duas crianças no parque do Broklyn, passando pelo apartamento dos pais da "vítima" e finalmente a reconciliação dos dois garotos em meio aos créditos finais. Esta trajetória serve para demonstrar os percalços do caos em suas variáveis creditados em membros acima de qualquer suspeita da sociedade moderna tendem a passar quando suas máscaras sufocantes se tornam pesadas demais para se sustentar por toda uma vida.  

O tema por si só é de suma relevância, quando consegue apontar a predominância do caos dentro da civilização. Penélope (Jodie Foster) e Michael Longstreet (John C. Reilly) recebem em seu apartamento para uma visita aparentemente cordial os pais do "agressor" de seu filho que quebrara dois dentes durante a briga. De bom grado, o casal de classe social mais elevada, Nancy (Kate Winslet) e Alan Cowan (Christoph Waltz) aceitam os termos de Penélope e Michael, entre outras coisas, um orçamento pelo tratamento de restauração odontológica da pequena vítima. E já neste ponto começa a se esboçar uma discordância por conta do uso inadequado da expressão "armado com um cacetete". Nancy e Alan pedem, gentilmente, para que a tal expressão fosse substituída por "portando um galho", o que Penélope faz sem trauma algum. Daí seguem-se falsos risos, pedidos de desculpas e um pouco de amenidades da vida familiar de ambos os casais como um abandono de um hamster e receitas de tortas de peras ou maçãs. 

À medida que aumenta a boa hospitalidade de Penélope e Michael, o que faz Nancy e Alan sempre recuarem na tentativa de irem embora, expande-se assuntos, que quando menos se espera vira uma bola de neve de tiradas sarcásticas e indiretas particulares sobre os defeitos de cada um dentro do circuito familiar. Depois, as tiradas transformam-se em ofensas matrimoniais, seguindo-se para uma guerra verbal entre os casais julgando cada comportamento em relação a vida profissional, sexual e ao modo como educam seus rebentos. A honestidade de ambos acabam baixando e tudo isso eclode com uma garrafa de uísque em rodízio nas mãos de maridos e esposas. Os sentimentos reprimidos são literalmente vomitados em cada sequência, deixando em segundo plano as razões da briga entre os garotos que a estas alturas são apenas pretextos para fazer do apartamento um divã singular a expor as nuances de personalidade de cada um. O caos, verdadeiro protagonista, se mostra presente em cada palavra desferida pelos personagens, seja em qualquer situação. 

Quatro distintos personagens transitando no momento de brilhar num texto de puro apreço baseado na obra francesa de Yasmina Reza. Quatro atores de raro talento e consagração agindo com a fidelidade de que propõe o filme. Foster, Reilly, Winslet e Waltz estão formidáveis cada qual a seu espaço, deixando latente e sem sombra de dúvidas o que atormentam a vida de seus personagens. Este é certamente o maior êxito de se apreciar em um pouco mais de uma hora, uma obra de ambiente claustrofóbico. Tendo este requisito particular, era capital que o elenco escolhido correspondesse às expectativas com a mais perfeita naturalidade. E é assim que a obra é conduzida. Nada é forçado e enfadonho  nem mesmo o ataque de palavras de baixo calão da personagem de Winslet já totalmente embriagada.

Apontado por uma parte da crítica como um "teatro refilmado", talvez seja esta a denominação correta de acordo coma estrutura pautada por Polanski. Mas o que não podemos negar é que mesmo sendo de origem teatral, a obra em si nos aponta com uma qualidade peculiar todos os elementos de uma excelente obra cinematográfica que nem mesmo às tais do ramo específico consegue passar com um início, clímax e um final. Personalidade, interpretações, captura de expressões, roteiro. Portanto, usar a expressão "teatro refilmado" no sentido pejorativo não surte efeito diante de diálogos satíricos e inesquecíveis, atuações memoráveis e um painel oportuno sobre a deterioração de uma sociedade de deuses putrefatos em suas próprias carnificinas.

2 comentários:

  1. Sensacional, tão excelente quanto o filme. Está ficando cada vez mais fera, por isso escreve no blog né. Se fosse por qualidade dos textos seríamos os mais lidos do Brasil.

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    1. Pois é. Eu só escrevo aquilo que eu entendo do filme e tento passar pra todos.

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