
Nota: 8.8
As inquietações humanas por
dentro das paredes de um mundo raramente mencionado no cinema é o mote deste
clássico imperdível de Fred Zinnemann
O ano era 1959 e o diretor Fred Zinnemann decidiu levar a público
“a história de uma freira”, tradução literal do livro de Kathryn Hulme. Em suas páginas, a autora relata acontecimentos
verídicos envolvendo um grupo de freiras de um convento bem conceituado na
Bélgica. Neste grupo, se encontra a jovem idealista Gabrielle Van der Mal (Audrey Hepburn), que adia o casamento com um bom partido para ingressar na
ordem com o intuito de elevar sua compaixão pelos menos favorecidos. Ou seja,
nada além do que almeja uma moça quando se despõe a doar-se em prol de sua
vocação. Entretanto, aos poucos o espírito indômito de Gabrielle, agora Irmã
Luc, entra em colisão com as normas do convento bem como as inúmeras restrições
de sua Igreja. É aí que o filme ganha os mais interessantes contornos.
Mesmo sendo dona de uma força
inspiradora, Gabrielle constantemente passa a viver sufocada, não pelas dúvidas
de seus sentimentos para com o próximo, e sim, pelas amarras ortodoxas que a
impedem de questionar os limites existentes entre um mundo seguro de paciência
e orações e a realidade da vida afora. Ela sente que sua vocação é forte, mas o
desejo em praticar o Bem sem que sinta nos ombros a certeza de carregar a cruz
da desobediência é mais latente. Assim, o sonho em se tornar uma das admiráveis
missionárias no Congo vai ficando distante, até que aprenda a mais dura das
lições: a obediência.
Quando enfim ela consegue seu
passaporte depois que a titular do encargo adoece, vai do céu ao inferno no
escaldante solo africano. Munida de seus conhecimentos médicos passa a trabalhar
no laboratório do Hospital dos “brancos” bem longe do contato humano que tanta
ansiava. A jovem tende a aprender mais uma lição indispensável para sua
formação: lidar com as decepções. Como assistente do intrépido Dr.
Fortunati (Peter Finch), ela
não só começa a crescer no trabalho como também encontra seu verdadeiro caminho,
que vai muito além de monções. Ao soar a Segunda Guerra Mundial no país, Gabrielle
aprende que nem sempre a obediência é o combustível necessário para fazer o Bem
e que não é preciso vestir um hábito e se curvar diante de leis imutáveis para
ser uma boa cristã. O poder de suas orações se materializa por suas ações
quando se deixa levar pelas necessidades da Resistência fugindo da neutralidade
do clero.
Cenas bem construídas e
diálogos inquietantes marcam este clássico, vencedor de 5 Globo de Ouro e
indicado a 8 Oscar. O filme abre um leque de situações impensáveis dentro deste
instigante universo de fé e tradição. Algo jamais visto com tamanha fidelidade
nas telas de cinema. Diferente do romantismo de A noviça rebelde ou da comédia escrachada de Mudança de Hábito, Uma cruz
à beira do abismo não é apenas uma luta agonizante de dúvidas pessoais entre
o ser ou não ser, ter ou não ter. Vai mais além, pois expõe com clareza a
singularidade do fazer o Bem, moldado nos princípios de Cristo. Um apelo reflexivo
e oportuno ao despertar o sentimento de união entre os povos após da Segunda
Guerra Mundial.
O roteiro de quase três horas
nos faz vivenciar todo um calvário pelo qual passa uma heroína imperfeita que
ao reconhecer sua verdadeira essência, se liberta do pragmatismo religioso e
irrompe mundo afora. Uma das mais magníficas interpretações da nossa eterna
bonequinha de luxo, que herdou o papel depois da desistência de Ingrid Bergman.
Sorte de Hepburn que pôde mais uma vez comprovar seu imenso talento e a forte
presença de cena. Radiante, acabou vencendo o Globo de Ouro de Melhor atriz drama e concorrendo ao Oscar num
filme obrigatório para as mais diversas questões. Religião, política, liberdade
de expressão, intolerância. Através dele, podemos colher as fontes inspiradoras
de uma grande obra presente em todos os tempos.
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