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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Uma cruz à beira do abismo (1959)


The Nun’s Story, 1959. Dirigido por Fred Zinnemann. Com Audrey Hepburn, Peter Finch e Edith Evans

Nota: 8.8

As inquietações humanas por dentro das paredes de um mundo raramente mencionado no cinema é o mote deste clássico imperdível de Fred Zinnemann

O ano era 1959 e o diretor Fred Zinnemann decidiu levar a público “a história de uma freira”, tradução literal do livro de Kathryn Hulme. Em suas páginas, a autora relata acontecimentos verídicos envolvendo um grupo de freiras de um convento bem conceituado na Bélgica. Neste grupo, se encontra a jovem idealista Gabrielle Van der Mal (Audrey Hepburn), que adia o casamento com um bom partido para ingressar na ordem com o intuito de elevar sua compaixão pelos menos favorecidos. Ou seja, nada além do que almeja uma moça quando se despõe a doar-se em prol de sua vocação. Entretanto, aos poucos o espírito indômito de Gabrielle, agora Irmã Luc, entra em colisão com as normas do convento bem como as inúmeras restrições de sua Igreja. É aí que o filme ganha os mais interessantes contornos.

Mesmo sendo dona de uma força inspiradora, Gabrielle constantemente passa a viver sufocada, não pelas dúvidas de seus sentimentos para com o próximo, e sim, pelas amarras ortodoxas que a impedem de questionar os limites existentes entre um mundo seguro de paciência e orações e a realidade da vida afora. Ela sente que sua vocação é forte, mas o desejo em praticar o Bem sem que sinta nos ombros a certeza de carregar a cruz da desobediência é mais latente. Assim, o sonho em se tornar uma das admiráveis missionárias no Congo vai ficando distante, até que aprenda a mais dura das lições: a obediência.

Quando enfim ela consegue seu passaporte depois que a titular do encargo adoece, vai do céu ao inferno no escaldante solo africano. Munida de seus conhecimentos médicos passa a trabalhar no laboratório do Hospital dos “brancos” bem longe do contato humano que tanta ansiava. A jovem tende a aprender mais uma lição indispensável para sua formação: lidar com as decepções. Como assistente do intrépido Dr. Fortunati (Peter Finch), ela não só começa a crescer no trabalho como também encontra seu verdadeiro caminho, que vai muito além de monções. Ao soar a Segunda Guerra Mundial no país, Gabrielle aprende que nem sempre a obediência é o combustível necessário para fazer o Bem e que não é preciso vestir um hábito e se curvar diante de leis imutáveis para ser uma boa cristã. O poder de suas orações se materializa por suas ações quando se deixa levar pelas necessidades da Resistência fugindo da neutralidade do clero.

Cenas bem construídas e diálogos inquietantes marcam este clássico, vencedor de 5 Globo de Ouro e indicado a 8 Oscar. O filme abre um leque de situações impensáveis dentro deste instigante universo de fé e tradição. Algo jamais visto com tamanha fidelidade nas telas de cinema. Diferente do romantismo de A noviça rebelde ou da comédia escrachada de Mudança de Hábito, Uma cruz à beira do abismo não é apenas uma luta agonizante de dúvidas pessoais entre o ser ou não ser, ter ou não ter. Vai mais além, pois expõe com clareza a singularidade do fazer o Bem, moldado nos princípios de Cristo. Um apelo reflexivo e oportuno ao despertar o sentimento de união entre os povos após da Segunda Guerra Mundial.

O roteiro de quase três horas nos faz vivenciar todo um calvário pelo qual passa uma heroína imperfeita que ao reconhecer sua verdadeira essência, se liberta do pragmatismo religioso e irrompe mundo afora. Uma das mais magníficas interpretações da nossa eterna bonequinha de luxo, que herdou o papel depois da desistência de Ingrid Bergman. Sorte de Hepburn que pôde mais uma vez comprovar seu imenso talento e a forte presença de cena. Radiante, acabou vencendo o Globo de Ouro de Melhor atriz drama e concorrendo ao Oscar num filme obrigatório para as mais diversas questões. Religião, política, liberdade de expressão, intolerância. Através dele, podemos colher as fontes inspiradoras de uma grande obra presente em todos os tempos.

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