Nota: 9.5
Se Crepúsculo dos Deuses teve uma
abordagem mais densa e cruel sobre o alvorecer da última chama dos grandes
estrelas, Ed Wood percorre um caminho contrário, abordando o tema com a mesma
inteligência, porém com muito, mas muito humor (negro)
O cinema não é feito de detalhes. Porque
se de certo fosse, talvez Ed Wood (Johnny
Deep) não teria entrado para a história do mesmo. Tido como o pior diretor de
todos os tempos, conduzia sua carreira munido de uma arma apenas. A paixão. Esta
mesma que cega e que nos leva a fazer loucuras. Aliás, louco pode ser uma das
definições deste jovem idealizador de carisma hipnotizante que arrastava os da
mesma estirpe para suas produções. Isto incluía um homossexual que sonhava se
tornar mulher (Bill Murray), um
lutador descerebrado de luta livre (George
Steele), um falso vidente (Jeffrey
Jones), uma apresentadora de TV excêntrica de codinome Vampira (Lisa Marie), e meia dúzia de produtores bizarros. Todos eles
membros de uma equipe que quase sempre tentava burlar o sistema de produções
hollywoodiano para realizar seus incríveis filmes.
Incrível pode ser um superlativo para
obras de qualidade incontestável, sendo assim, usar as palavras Ed Wood e este
adjetivo na mesma frase parece improvável. Mas não é. Nesta obra de Tim Burton ele ganha um significado
especial quando ao terminarmos de
assisti-lo descobrir que se trata de uma história real. Incrivelmente real.
Depois de não conseguir emplacar com seu
primeiro trabalho, Wood tem um encontro que muda os rumos de sua vida. Numa
loja de caixões, ele avista seu maior ídolo cinematográfico e decide lhe fazer
uma proposta. O já mastigado e jogado fora pelos poderosos de Hollywood, Bela Lugosi (Martin Landau) se mostra
cético ao sucesso da parceria. Contudo, sua convivência com o fanático Wood lhe
mostra um novo alvorecer, e então, o eterno Drácula parte para a derradeira
aventura de sua vida. E o diretor para uma rendosa fonte de filmes que acredita
irá lhe trazer o reconhecimento.
Juntos, eles promovem uma revolução (pra
pior) nos estúdios. A falta de patrocínio faz com que Wood delire em sua versão
Orson Welles, saindo de sua mente
produções patética de textos infantis, efeitos visuais risíveis e um alto
predomínio de terror na instabilidade física e emocional por parte do astro
decadente. Ambos têm uma deliciosa química em seus devaneios em que o cinema
pode ser feito com paixão e sérias restrições orçamentárias. Ambos acreditam
piamente que há ali um esboço de talento e glória. Assim, unem o útil ao
agradável. Para um, a simples presença do grande ídolo como o chamariz para o
êxito em negociações com os cruéis patrocinadores. Para outro, a oportunidade
de fazer o que sabe de melhor. União que se prorrogou mesmo depois da morte do
eterno astro da Universal, uma vez que o “visionário” Wood consegue
desesperadamente contratar um sósia do ator para seu último filme.
No fim, Wood e sua turma conseguem extrair
de tudo isso o horrível Plano 9 do
Espaço Sideral, um filme rodado com as características latentes do diretor.
Orçamento limitado, estúdios de papelão, atores monossilábicos e efeitos paupérrimos.
Uma obra de qualidade discutível, que nada condiz com o que foi sua
cinebiografia dirigida por Burton. O diretor tão excêntrico quanto seu
protagonista, lapida com perfeição sua melhor obra. Ouso dizer, que é sem
dúvida alguma, sua maior obra-prima. Rodada em preto-e-branco para dar um
terrível ar de filme B à produção, Burton expõe com uma veracidade absoluta
toda a crueldade hollywoodiana onipresente na decadência artística de atores. A
seriedade do tema se esvai em um roteiro hilário, diálogos de humor ácido,
cenas divertidas e coadjuvantes carismáticas.
Johnny Deep inicia com perfeição sua
parceira com o famoso diretor puxando a fila de um elenco estelar. Bill Murray,
Sarah Jessica Parker e Patrícia Arquette dividem a cena com a interpretação
mediúnica de Martin Landau como o hipnotizante Conde das Trevas. Ele é o carro-chefe
de sucesso do filme. Assombroso em todas, absolutamente todas, passagens de seu
personagem mítico. Seja lhe conferindo um ar de comédia involuntária nas raras
tensões dramáticas e também nos trejeitos divertidos do velho astro, o veterano
sobra em cena. Ainda tem a oportunidade e felicidade em contracenar com sua
filha, a bela Juliet Landau (a vampira
Drussila de Buffy e Angel) como uma sonhadora aspirante a atriz que chega a
cidade sem nenhum tostão no bolso.
Se o cinema é feito de detalhes, ainda bem
que temos um diretor como Burton, sempre atento a todas as exigências desta
belíssima produção que nos remete a uma homenagem às estrelas e seus filmes de
terror da década de 30. No tempo em que a indústria não se preocupava tanto com
insetos gigantes, alienígenas cibernéticos ou mutilações sem sentido por caras
mudos usando uma máscara. No tempo em que sangue e terror pintavam o set de
forma mitológica, poética, sedutora bem como o personagem secular criado por
Bram Stocker.
Nenhum comentário:
Postar um comentário