Visitantes

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A VIDA DOS OUTROS (2006)


Das Leben Der Anderen, 2006. Dirigido por Florian Henckel von Donnesmark. Com Ulrich Muhe, Sebastian Koch e Martina Gedeck
Nota: 9,5


“Se quiser conhecer bem uma pessoa, dê poder a ela.” Muito se ouve a despeito deste mítico dito popular que tem como objetivo caracterizar o fundamento do caráter, também chamada índole, de uma pessoa frente ao poder ao ela incumbido. Seu sentido ganha contornos pejorativos quando segue-se a linha de que o poder corrompe, destrói, gera o declínio pessoal e enraíza os estigmas de solidão. Mas qual é a nota o parâmetro traçado pela força do mesmo para direcionar seus atos?

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008, A vida dos outros é um filme histórico. Não apenas por entrar na seleta lista de vencedores do Oscar, mas também por partir de um ponto fundamental dentro de nossa própria história.

Estamos na década de 80 na Alemanha Oriental dominada pelas ideias socialistas de um sistema que preza acima de tudo, o poder totalitário em todos seus segmentos como pretexto manter uma ordem instalada no pós-guerra. Em pleno auge da Guerra Fria, o Governo da RDA (República Democrática Alemã), através da STASI, órgão responsável por exercer o poder executivo do Estado. Municiando-se das paranoias onipresentes do mesmo, a ordem era observar todos os movimentos de pessoas que eram consideradas no mínimo, suspeitas de atos de espionagem. Com isso, a classe que mais sofria com toda esta “marcação” eram os famosos artistas, considerados subversivos e liberais. Atores, diretores, produtores, escritores e pintores estavam no topo da lista de seus intermináveis interrogatórios. Os oficiais da STASI eram considerados os melhores do ramo, e um deles em especial se encaixava apropriadamente para esta tarefa.

Como um bom cão farejador, o oficial Gerd Wlesler (Ulrich Muhe) sente que há algo suspeito com um famoso casal de artistas. Ao receber carta branca para comandar um audacioso plano, ele passa a entrar na vida do casal por meio de escutas instaladas no apartamento do diretor de teatro e escritor Georg Dreyman (Sebastian Koch). Tudo era acompanhado pelas ouvidos apurados do oficial. Dos devaneios artísticos de criatividade à vida íntima ao lado da companheira Christa- Maria (Martina Gedeck).

O teatrólogo vai seguindo a linha de obediência ao regime até que o suicídio de seu colega abala não só sua convicção, mas também as do oficial Gerd. Assim, enquanto Georg se envolve diretamente numa trama de denúncia traçada por seus colegas do outro lado do muro, o oficial da STASI se sente cada vez mais cativado pelas ideias e estilo de vida do casal que espiona. Por sua vez, Christa se vê atada as necessidades de se manter fiel ao regime e a seu Regente, em nome de sua carreira. Ela se torna uma valiosa informante no caso. E é na traição da atriz que se desenvolve o ponto primordial do filme.

Através de um processo de descoberta pessoal, Gerd passa a ignorar em seus minuciosos relatórios as atividades suspeitas de seu alvo, deixando fluir a liberdade de expressão do escritor que se traduz pelos artigos que escreve delatando as imposições nocivas do Governo de seu país a todos da classe. Portanto, é a omissão de Gerd que abastece os textos de Georg. Ambos se tornam aliados anônimos pela luta contra a ditadura governamental que furtava a liberdade e por vezes, a vida dos artistas. Ambos usam o poder que lhes era incumbido para tal feito, mesmo que não dispusessem de uma mesma classe ou patente. Ambos triunfam sobre as ideologias radicais de seus algozes.

Florian Henckel toca na ferida histórica de seu país a partir de uma visão azeitada de pessoas influentes dentro da totalidade do poder governamental. Ele parte do ponto de que nem todos com o poder resoluto são tão perversos quanto. A mesma visão foi empregada em 2008 no excelente Operação Valquíria de Brian Singer.

O trabalho impecável do trio de atores deixa transparecer o drama e as inquietações pessoais de cada persona que reage a sua maneira às intempéries ditatoriais. A força do personagem do ator Ulrich Muhe se solidifica devido à experiência real do ator como alvo neste triste episódio da história. Isto certamente o ajudou a construir de forma verossímil a introspectividade de seu oficial linha dura, mesmo nos momentos de redenção. A segurança de Koch e o talento dramático de Martina ajudam a manter o poder de um roteiro formidável. 

O filme é seguramente uma rara obra de apreciação, que nos brinda com vertentes audaciosas ao revelar um lado interessante da personalidade humana. Em tempos difíceis, não cabe a nós identificar o tamanho do poder e a quem ele pertence e sim, o que fazer com o tamanho do poder que nos é dado. Conhecer a fundo os acordes de uma poderosa Sonata que rege nossos princípios. Nisso pode consistir a sua vida e a vida dos outros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário