Das Leben Der Anderen, 2006. Dirigido por
Florian Henckel von Donnesmark. Com Ulrich Muhe, Sebastian Koch e Martina Gedeck
Nota: 9,5
“Se quiser conhecer bem uma
pessoa, dê poder a ela.” Muito se ouve a despeito deste mítico
dito popular que tem como objetivo caracterizar o fundamento do caráter, também
chamada índole, de uma pessoa frente ao poder ao ela incumbido. Seu sentido
ganha contornos pejorativos quando segue-se a linha de que o poder corrompe,
destrói, gera o declínio pessoal e enraíza os estigmas de solidão. Mas qual é a
nota o parâmetro traçado pela força do mesmo para direcionar seus atos?
Vencedor do Oscar de melhor filme
estrangeiro em 2008, A vida dos outros
é um filme histórico. Não apenas por entrar na seleta lista de vencedores do
Oscar, mas também por partir de um ponto fundamental dentro de nossa própria
história.
Estamos na década de 80 na Alemanha
Oriental dominada pelas ideias socialistas de um sistema que preza acima de tudo,
o poder totalitário em todos seus segmentos como pretexto manter uma ordem
instalada no pós-guerra. Em pleno auge da Guerra Fria, o Governo da RDA
(República Democrática Alemã), através da STASI,
órgão responsável por exercer o poder executivo do Estado. Municiando-se das
paranoias onipresentes do mesmo, a ordem era observar todos os movimentos de
pessoas que eram consideradas no mínimo, suspeitas de atos de espionagem. Com
isso, a classe que mais sofria com toda esta “marcação” eram os famosos
artistas, considerados subversivos e liberais. Atores, diretores, produtores,
escritores e pintores estavam no topo da lista de seus intermináveis
interrogatórios. Os oficiais da STASI
eram considerados os melhores do ramo, e um deles em especial se encaixava
apropriadamente para esta tarefa.
Como um bom cão farejador, o
oficial Gerd Wlesler (Ulrich Muhe) sente que há algo suspeito
com um famoso casal de artistas. Ao receber carta branca para comandar um
audacioso plano, ele passa a entrar na vida do casal por meio de escutas
instaladas no apartamento do diretor de teatro e escritor Georg Dreyman (Sebastian Koch).
Tudo era acompanhado pelas ouvidos apurados do oficial. Dos devaneios artísticos
de criatividade à vida íntima ao lado da companheira Christa- Maria (Martina
Gedeck).
O teatrólogo vai seguindo a linha
de obediência ao regime até que o suicídio de seu colega abala não só sua
convicção, mas também as do oficial Gerd. Assim, enquanto Georg se envolve diretamente
numa trama de denúncia traçada por seus colegas do outro lado do muro, o oficial
da STASI se sente cada vez mais
cativado pelas ideias e estilo de vida do casal que espiona. Por sua vez,
Christa se vê atada as necessidades de se manter fiel ao regime e a seu
Regente, em nome de sua carreira. Ela se torna uma valiosa informante no caso.
E é na traição da atriz que se desenvolve o ponto primordial do filme.
Através de um processo de
descoberta pessoal, Gerd passa a ignorar em seus minuciosos relatórios as
atividades suspeitas de seu alvo, deixando fluir a liberdade de expressão do
escritor que se traduz pelos artigos que escreve delatando as imposições
nocivas do Governo de seu país a todos da classe. Portanto, é a omissão de Gerd
que abastece os textos de Georg. Ambos se tornam aliados anônimos pela luta
contra a ditadura governamental que furtava a liberdade e por vezes, a vida dos
artistas. Ambos usam o poder que lhes era incumbido para tal feito, mesmo que
não dispusessem de uma mesma classe ou patente. Ambos triunfam sobre as ideologias
radicais de seus algozes.
Florian Henckel toca na
ferida histórica de seu país a partir de uma visão azeitada de pessoas
influentes dentro da totalidade do poder governamental. Ele parte do ponto de
que nem todos com o poder resoluto são tão perversos quanto. A mesma visão foi empregada
em 2008 no excelente Operação Valquíria
de Brian Singer.
O trabalho impecável do trio de
atores deixa transparecer o drama e as inquietações pessoais de cada persona
que reage a sua maneira às intempéries ditatoriais. A força do personagem do
ator Ulrich Muhe se solidifica devido à experiência real do ator como alvo
neste triste episódio da história. Isto certamente o ajudou a construir de
forma verossímil a introspectividade de seu oficial linha dura, mesmo nos
momentos de redenção. A segurança de Koch e o talento dramático de Martina
ajudam a manter o poder de um roteiro formidável.
O filme é seguramente uma rara
obra de apreciação, que nos brinda com vertentes audaciosas ao revelar um lado
interessante da personalidade humana. Em tempos difíceis, não cabe a nós identificar
o tamanho do poder e a quem ele pertence e sim, o que fazer com o tamanho do poder
que nos é dado. Conhecer a fundo os acordes de uma poderosa Sonata que rege
nossos princípios. Nisso pode consistir a sua vida e a vida dos outros.
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