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sexta-feira, 23 de março de 2012

FERNANDA MONTENEGRO

Nossa querida dama

Se perguntarem daqui a alguns anos quem foi Arlete Pinheiro da Silva certamente poucas pessoas saberão responder. A menina que subiu ao palco com apenas 7 anos de idade em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, já desde cedo começou a encantar. E hoje, anos depois, como Fernanda Montenegro, ela provou que a metamorfose da nomenclatura não diminuiu seu encanto precoce.

Nascida em 16 de Outubro de 1929, Arlete Pinheiro, como a maioria das meninas pobres teve de começar a trabalhar muito cedo. Fazia madureza ginasial e depois optou por secretariado. Depois de passar num concurso para a Rádio de Ministério da educação como locutora e radio atriz, se formou em Magistério dando aulas de Português na Berlitz School.

O final dos anos 40 selaria sua carreira artística tanto individualmente quanto conjugalmente. Foi na peça As alegres canções da montanha que conheceu seu marido Fernando Torres, do qual herdou seu primeiro nome para fins artísticos. Com ele casou-se e tiveram dois filhos, um deles a talentosa atriz Fernanda Torres. Na década de 50 recebeu seu primeiro prêmio da Associação de Críticos Teatrais como atriz revelação pela peça Loucura do Imperador. Foi pioneira no ramo ao atuar nas primeiras companhias teatrais da época. Foi seu notório talento que a levou a alçar voos maiores e mais significativos ao fundar o chamado Teatro dos Sete, ao lado de nomes como Sérgio Brito e Ítalo Rossi.

O sucesso dos palcos a levou para as telas, onde estrelou vários sucessos e alguns fracassos também. Guerra dos sexos foi um dos seus maiores êxitos, talvez por ter uma essência teatral, uma vez que teve como parceiro de cena o extraordinário Paulo Autran, num dos personagens mais memoráveis da história da TV. Mas nada se compara a essência única das minisséries. Também de características teatrais, foi uma das poucas saídas encontradas por ela para demonstrar todo seu domínio de cena na TV. De produções impecáveis, ela teve um aparato maior para brilhar em trabalhos como Riacho Doce vivendo a enigmática Vovó Manuela e na lúgubre Incidente em Antares.

É neste tipo de trabalho que um grande profissional costuma ter seu talento reconhecido e o mais importante, respeitado pela mídia. Atuar em novelas (ainda mais as de hoje), só serve para fins meramente financeiros e curriculares. Esta é a razão de nomes essenciais para a arte brasileira estarem afastados das telas ultimamente. E convenhamos, é algo que Fernanda e os outros de mesmo talento e respeito conquistados não precisam mais se submeter.

O cinema foi outra poderosa e bem sucedida incursão de sua carreira. Eles não usam black-tie (1981) de Leon Hirszman, apontado como um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos e A hora da estrela (1985) são alguns de seus excelentes trabalhos. O reconhecimento de suas belas atuações já ultrapassava fronteiras consagrando-se no Festival de Moscou pelo longa metragem Em família de Paulo Porto. Depois na Itália por Tudo Bem de Arnaldo Jabor. No premiado e concorrente ao Oscar O que é isso companheiro? de Bruno Barreto, também deixou sua marca da estrela. E em 2005, trabalhou em família, ao lado da filha em Casa de areia de Andrucha Waddington.

Mas foi Central do Brasil (1997) de Walter Salles, que sua brilhante trajetória seria merecidamente glorificada. Por sua atuação espetacular no filme, faturou o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, um dos mais conceituados nas temporadas de premiações, e foi parar no tapete vermelho de Hollywood. O nome de Fernanda Montenegro estava na lista de concorrentes daquele ano e mais tarde, como uma das votantes da Academia. Um orgulho para nós, brasileiros, que testemunhamos o reconhecimento de um dos maiores talentos de nossa arte. Uma atriz tupiniquim brigando de igual pra iguais com as maiores estrelas hollywoodianas, por si só já é sim (por que não?), uma vitória considerável. Ainda mais em tempos em que estamos tão carentes de grandes valores neste sentido.

A estatueta ficou com a insípida Gwyneth Paltrow, provando que nem sempre possuir o maior talento, significa obter o maior reconhecimento. Mas a qual reconhecimento tem que nos referir? Um Oscar poderia emoldar a estante de Fernanda, e talvez até fortalecesse sua vaidade e orgulho. No entanto, o fundamental em toda esta história é o fato de ela ter feito história como a primeira e única brasileira a concorrer ao prêmio máximo do cinema. E esta estatueta nada e nem ninguém pode tirar dela e nem de nós.

A atriz que fez da arte seu palco e sua família parece ter casado com ela literalmente. Uma vida em que seus olhos grandes e expressivos, bem como sua voz modulada, emocionaram e emocionam, cativaram e cativa através de talento, dignidade e, sobretudo, retidão, postura e uma educação que mais bem faz sintetizar o ditado. Respeito não vem dado de graça, e sim, deve-se conquista-lo por ações e merecimento. De tudo isso se faz uma querida dama. De tudo isso se faz Fernanda Montenegro, a mulher que carrega no espírito a essência de Arlete Pinheiro.

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