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sexta-feira, 9 de março de 2012

Cinema e Cinema


Há muito o cinema tem atravessado por eras e eras como uma das melhores contribuições para a história da humanidade. Seja como a fábrica de sonhos bem arquitetada para nossa fuga, ou o choque fortuito de nossa realidade. Não importa a jornada pelas telas, mas sim o destino que é alcançar o coração de cada pessoa. É o quanto e como ele contribui para esta caminhada individual. E que tipo de escolha nos leva a seguir por ela. O mero ocaso do entretenimento ou a apreciação extasiante de uma obra mais profunda.

A revista Monet de janeiro levantou uma questão que permeou os arredores do Oscar deste ano. Intitulada A Horcrux é o Oscar, a coluna Cinemateca de autoria do renomado crítico Rubens, sintetizava a importância cinematográfica da maior saga da história e lamentou que a franquia Harry Potter nunca tivesse sido premiada em nenhuma das categorias as quais disputara durante todos estes exasperantes anos. Certamente seu clamor foi engrossado por milhões de fãs de varinha em punho por todo o mundo. Tomem nota: FÃS de todo mundo!

O fato de a franquia ter passado em branco não chega a ser uma das grandes injustiças da premiação. Não para quem abdica de seu lado fanático e distingue com lucidez a diferença entre cinema comercial e cinema de arte. Desde sua estreia bombástica, os filmes de Harry e Cia. sofreram uma considerável queda de qualidade na história por conta de problemas fora das telas. A constante troca de diretor e produtor de um filme para outro impediu que conquistasse o status de cinema-arte e caminhasse cegamente para o cinema-comercial. Lamentavelmente na melhor fase da história, quando Harry Potter já se tornara um mito. Desde A Ordem da Fênix, o filme que selaria a passagem para a fase mais madura do herói, a saga se perdeu, recebendo críticas lúcidas de quem se compromete com o cinema-arte.

Ainda em sua coluna, Rubens faz uma comparação descabida da franquia com a trilogia O Senhor dos Anéis. Ele ressalta, entre um parágrafo e outro, uma possível injustiça com a franquia torcendo por uma reparação da Academia neste ano. A mesma injustiça sofrida por Peter Jackson anos atrás, segundo ele. Difícil absorver esta teoria, uma vez que não é possível encontrar essa tal injustiça numa trilogia que bateu recordes de bilheteria e recebeu 17 Oscar em seu total. Um reconhecimento notório a quem se preocupou em fazer um trabalho impecável conciliando magistralmente o cinema-comercial com o cinema-arte. Ao contrário dos inúmeros produtores de Harry Potter, Jackson colocou sua paixão de fã e a mesclou com seu talento, transformando pedra bruta em um lindo diamante no final. A decisão de gravar a trilogia em um único filme e desmembrá-la posteriormente em três belíssimas sequências foi uma prova do comprometimento de quem optou em conseguir mais que milhões de dólares. Algo que os produtores de Harry Potter deveriam ter pensado a fim elevar a qualidade da obra. Assim, evitariam o choro e o ranger de dentes, por parte dos fãs e dos críticos fanáticos em época de Oscar.

O Oscar também foi assunto na SCI-FI NEWS há um tempo. Nela, a colunista Silvia Penhalbel levantou a bandeira dos filmes do gênero, cujo único objetivo é entreter e nos hipnotizar com seus efeitos visuais. Em sua coluna O X da Questão intitulada "E o Oscar vai para... Quem?", a jornalista lamenta a falta de espaço dada pela Academia aos filmes do gênero em categorias mais relevantes. Tentando salientar o descaso com a ficção e seus afins, Silvia acaba que menosprezando a festa mais importante do mundo do cinema. Um coro infundado de revolta de quem ainda não se deu conta da relevância dos aspectos da premiação. A característica dramática da festa tira de forma acertada todo o foco de produções comerciais, premiando devidamente quem não se vale das graças tecnológicas e usa seu talento nu para imortalizar uma obra.

O cinema-comercial bem como o cinema-arte está na ideia e na execução de tal feito. Se você pensar em takes com a intenção toda voltada para um sucesso instantâneo nas bilheterias, você terá em sua execução, a comercialização de ideias de forma meramente lucrativa. Agora, uma vez voltadas para algo maior e mais profundo que o simples entretenimento, suas ideias darão uma ênfase sublime ao caráter do cinema-arte. Esta é a parte que conta para a Academia e seu famoso Oscar. Sendo assim, qual seria a razão da maior bilheteria da história (Avatar), ter perdido o Oscar de Melhor filme para o tenso e emblemático Guerra ao terror? Por que os azulões de James Cameron sucumbiram à artilharia de Katherine Bigerlow? A resposta está na enumeração das características (sic) “oscarizáveis”. Enquanto o filme de Cameron se perdeu em efeitos digitalizados numa base de roteiro fraco, previsível e até certo ponto piegas, Bigerlow tratou de forma crua um tema mais condizente com a realidade emaranhada na humanização de seus personagens, vencendo assim a batalha contra o ex-marido, levando para casa o único Oscar de melhor diretor dado a uma mulher. Detalhe: no Dia Internacional dedicado à mulher!

A Horcrux não é o Oscar. A Horcrux é a forma que nos impede de absorver e distinguir as características de cinema e cinema. De saber o que é feito para faturar e o que é feito para apreciar bem como o papel do Oscar nesta história toda. De saber o que digerir nesta mesa de sonhos e realidade que o cinema nos oferece a cada ano. Sempre há espaço para todos. Para os que querem só comida, os que querem diversão e arte. Os que comem pipoca ou tomam champanhe. O caminho está aberto para esta deliciosa jornada, porém, é imprescindível aprender a conviver com a indigestão ou a ressaca do dia seguinte. Um conceito tão simples quanto à diferença entre ver um filme e assistir a cinema.


E O Artista cantou na chuva

A vitória do filme de Michel Hazanavicius foi a vitória do verdadeiro espírito cinematográfico dantes ofuscado pelas maravilhas do 3D e etc. Foi uma vitória em cima das críticas irracionais, que inexplicavelmente desmereceram um trabalho impecável voltado para a mais pura essência do cinema. Foi uma vitória em cima de coisas tipo “está tão fora de moda como vedetes e seus umbigos”, ou “o filme não teve uma boa bilheteria” ou mais ainda “Dujardin provavelmente não fará outra coisa”. Toda frase ou referência que faziam do filme sintomaticamente era acompanhada de teimosas reticências. Esta proporção de argumentos pejorativos nos leva a acreditar piamente que alguns críticos de renome não entenderam o que o vencedor do Oscar quis passar. Especialmente para eles. Uma vez que atingir um público hipnotizado por efeitos visuais seria uma tarefa quase impossível.


Já eles sim, teriam a obrigação de entender o espírito de O Artista. Porém preferiram se isolar numa ilha de preconceito infundado a respeito de um filme que só pela ousadia, já mereceria um Oscar. Fizeram de A Invenção de Hugo Cabret uma boia salva vidas e simplesmente ignoraram a beleza do filme de Hazanavicius com um lobby tão negativo que beirou a tolice. Algo que jamais vi na história da premiação. Será que foi o fato de Dujardin não falar inglês fluentemente ou apenas a velha e boa ignorância disfarçada de uma soberba que costuma os acompanhar?

Aos leigos simpatizantes do filme de Scorsese deixo aqui meu sincero respeito pela escolha de gênero, mas não dá para não criticar argumentos fracos e insustentáveis de outros que tiveram apenas a intenção de manchar uma provável vitória do filme de Hazanavicius. Argumentos estes, vindos de críticos de renome que parecem não saber a diferença entre torcer e opinar bem como entre filme e cinema.

Um comentário:

  1. É incrível como tentaram ignorar o filme de Hazanavicius. Mas a colocação sobre dois tipos de apreciação da sétima arte e importante e não discriminativa. Concordo que a níveis de compreensão em todos os níveis, seja qual cultura for. Tenho minhas preferências, apesar de não deixar de ver outros gêneros. Belo texto.

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