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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PERFIL: Charles Chaplin: o grande ditador da arte


"Não preciso me drogar para ser um gênio; Não preciso ser um gênio para ser humano; Mas preciso do seu sorriso para ser feliz." CHARLES CHAPLIN



Sir Charles Spencer Chaplin veio ao mundo no dia 16 de Abril de 1889  em Londres e de uma família privilegiada pelo dom da arte. Seus pais (Charles e Hannah) eram cantores e atores do music-hall. Ao lado dos pais, o garoto começou a se enveredar pelo mundo que o consagraria. Porém, a vida artística sempre reclama seu ônus e assim, aos 3 anos viu a separação de seus primeiros professores.  Ficando o pequeno com a mãe, que a esta altura estava instavelmente desequilibrada. Fato que se agravou quando a mesma teve um sério problema na laringe que a impossibilitou de continuar com a carreira. Num dos tristes episódios de fim de carreira, sua mãe teve o alento de ver seu rebento mais promissor subir ao palco e cantar a canção mais popular da época "Jack Jones." Com a mãe mentalmente doente, Chaplin e seus meio-irmãos foram morar com o pai e com sua amante e quando completou 12 anos, viu seu pai morrer de cirrose.  Depois de vários incidentes traumáticos, foi deixado numa casa de trabalho em Lamberth, mudando-se posteriormente para o Central London District School, uma escola para pobres em  Hanwell. Não demorou muito para seu talento ganhar notariedade  e ao lado dos irmãos, foi seduzido para o music-hall. 


A Companhia de Fred Karno foi a ponte que o fez sair da Inglaterra e conhecer o terreno onde seria imortalizado. Uma turnê com a trupe entre 1910 a 1912, rendeu boas impressões, tanto que após 5 meses na Inglaterra, ele retornou a terra das oportunidades e dividiu seu quarto com Stan Laurel. Enquanto o amigo retornava a sua terra natal,  o imigrante de feições delicadas e expressões fortes, seguia seus instintos e no final de 1913, a atuação de Chaplin foi eventualmente vista por grande parte da nata de produtores hollywoodiana   entre eles Mack Sennett que o contratou para a Keys tone Film Company, pois precisavam de um substituto para Ford Sterling. Inicialmente, sua dificuldade em se adaptar ao estilo de atuação cinematográfica do estúdio no filme Making a Living, fez a diretora reavaliar sua posição. No entanto, o jovem recebeu uma segunda chance e logo começou a trabalhar com Mabel Normand, que dirigiu e escreveu vários de seus primeiros filmes. Teria ele não gostado de ser dirigido por uma mulher, pois acreditava que Sennett pretendia demití-lo caso houvesse um afrontamento com sua colega.

Foi neste estúdio que Chaplin criou seu mais memorável personagem e, o que talvez se fundisse com sua própria persona. Os leigos podem não conhecer o ator Charles Chaplin, mas com certeza conhecem aquele vagabundo. Com este incrível personagem o ator construiu mais que sua carreira, uma legião de adoradores que se deliciavam com seus improvisos e versatilidade em se criar um tipo diferente de comédia. A partir daí seu legado estaria caracterizado neste personagem. O mais imitado de todos os tempos. Em seus primeiros filmes, ele ainda carregava o padrão da Keys tone  o das comédias pastelão. Quando o público viu pela primeira vez aquele homenzinho de paletó apertado, calças e sapatos desgastados, bengala de bambu e bigode-de-broxa, jamais esqueceu. A pantomima foi mais sútil, apropriada as comédias e farsas domésticas. No entanto, como sempre, público e crítica andam de lados paralelos, e então veio o lado controverso do sucesso em que os homens da caneta classificou como algo vulgar. Logo depois, Chaplin se ofereceu para dirigir e editar seus próprios filmes, saindo desta ideia 34 curta-metragens para Sennet. Em 1915, assinou um contrato mais rentável com Essanay Studios, onde pôde desenvolver melhor suas habilidades cinematográficas  Seus filmes eram mais ambiciosos com duração duas vezes maior e de próprio elenco estático. A genialidade do agora autor ultrapassou barreiras com a grande população de imigrantes que chegavam a América em busca do ouro.  Daí o motivo da aceitação maciça de seus filmes, que não necessitavam de palavras para dizer a todos, tornando-o facilmente o maior expoente do cinema mudo, artística e financeiramente. Em 1916, a Mutual Film Corporation pagou a Chaplin US$670.000,00 dando a ele controle artístico quase total, produzindo doze filmes de comédia mais influentes da história do cinema. 

O controle criativo de Chaplin renderia a sua nova casa a First National qualidade e recompensa financeira. Com o objetivo de se concentrar em seu talento, ele construiu seu próprio estúdio em Hollywood, um marco de sua independência sob vários aspectos. Assim pôde ser mais ambicioso, expandindo seus projetos em longa-metragens, como o imortal  O garoto. Clássico que deu tanta fama ao protagonista (Jackie Coogan) que chegou até a ser condecorado pelo Papa. O filme fez de Jackie a primeira celebridade infantil da história e foi a primeira comédia dramática. Uma obra-prima. Sua independência como cineasta se consolidou em 1919 quando co-fundou a UA (United Artists) em parceria com alguns grandes nomes, como  D. W. Griffith. Chaplin trabalhou em sua administração até 1950. O movimento da agregação visava assegurar ao artistas uma defesa contra a crescente consolidação de poder dos financiadores de filmes durante o desenvolvimento de Hollywood. Estes tempos modernos tornaram-se dominantes quando o cinema mudo entrou em decadência. Não para Chaplin, que passou uma década resistindo a nova sensação. O gênio sempre considerou a arte cinematográfica essencialmente pantomímica. Desta época emergiram sucessos incontestáveis do gênero como Luzes da cidade e Tempos modernos.  Embora o último tenha efeitos sonoros e um dueto final de Chaplin com Paulete Godard cantando a belíssima "Smile", toda a essência fílmica se concentra nas cenas mudas. Para a maioria, o último suspiro de uma era de ouro.    

Visto como uma demonstração de coragem na época, o primeiro filme falado de Chaplin faz uma sátira ao ditador nazista Adolf Hitler. Foi lançado um ano antes dos EUA romper sua neutralidade e entrar na Segunda Guerra. Todos os elementos que cercaram sua produção, o transformaram propositalmente numa das maiores obras do artista que concorreu a 5 Oscar  incluindo melhor roteiro original para Chaplin e melhor ator. Aliás, sua versatilidade é lendária. Ator, músico, cineasta, produtor, empresário, escritor, diretor, poeta, dançarino, coreógrafo, humorista, mímico e maestro. Um ser iluminado que sempre direcionou para si com uma competência invejável as luzes da ribalta. Como todo gênio, era perfeccionista ao extremo, capaz de refilmar uma cena várias e várias vezes. Neste processo, descontava, por frustração, nos atores e equipe, adiando ou em casos mais graves, cancelando as gravações. Fazia questão de não divulgar suas técnicas de filmagem. Para ele seria o mesmo que um mágico revelar seus truques. A mesma ficou anos e anos incógnita e só foram divulgadas após sua morte.  Pode-se observar um pouco destas "mágicas" no documentário britânico lançado em 1983 Unknown Chaplin

A repercussão de sua sátira cinematográfica ao nazismo atingiu outros pilares, em particular da chamada Era McCarthy, que entre tantas coisas acusou o ator de diversas atividades "anti-americanas". A perseguição alcançou um nível crítico no final da década de 1940, em que seus filmes tinham como corpo uma crítica ao capitalismo. Boicotado em várias cidades dos EUA, obteve um êxito maior na Europa, especialmente na França. Com isso teve o que chamamos de uma vida de cachorro sendo alvo do banco dos réus do FBI por meio de J. Edgar Hoover e do Congresso Americano. Contudo, nunca chegou a sentar nele, pois tinham medo que usasse seu extenso talento destes casos para satirizá-los com seu pungente humor negro. Devido a esta clara posição política de esquerda, entrou na famosa lista negra de Hollywood. E quando tentava tirar apenas umas "férias" em seu país de origem, teve o visto revogado por Hoover, que o acusou de comunismo, ficando ele exilado na Europa, mais precisamente em Vevey, na Suiça. 

Um artista com as qualidades incontestáveis de Chaplin deveria ter uma coleção de Oscar em sua estante. Contudo, o desprezo do ator com a Academia de Artes Cênicas é tão lendário quantos seus filmes. Uma das lendas em torno desta "guerra fria" seria que em 1929 o ator teria provocado a Academia ao deixar seu Oscar honorário na porta para impedir que ela se batesse. Isto explica porque seus grandes clássicos nunca foram premiados com um Oscar sequer.  Soma-se estes fatos a perseguições políticas, exílio e o próprio desprezo pela premiação neste período. Em 1972, o circo cinematográfico de prêmios, se rendeu à sua mais nobre atração em uma das mais emocionantes cerimônias. Chaplin saiu do exílio para ser aplaudido de pé por cerca de dez minutos. Ovação merecida àquele que tanto contribuiu para fazer deste circo algo tão rentável quanto inesquecível. Justamente neste período, sua saúde já estava debilitada. O que não o impediu de escrever e dirigir seus últimos sucessos, entre eles A Condessa de Hong Kong, estrelado por Sophia Loren e Marlon Brando,e em que fez uma ponta como mordomo, sendo esta sua derradeira aparição nas telas. Seu último trabalho foi compor a trilha sonora de Uma mulher de Paris de 1923, e só concluída em 1976.  Ainda planejou um filme para a filha Victoria e esta seria a protagonista, se ela não tivesse declinado do projeto para se casar. 

Quanto sua vida pessoal, nada de diferente dos grandes astros. É o preço que as estrelas vivem pagando para contrabalancear com o sucesso. Foram 4 casamentos e vários romances conturbados com direito a brigas incessantes por ciúmes e ações judiciais  de paternidade. Dentre as bodas, destaca-se a primeira, com Mildred Harris, quando o astro tinha 28 anos de idade. Depois do divórcio, sucederam-se romances escandalosos com garotas muito jovens. A companheira de alguns sucessos das telas Paulete Godard e por último sua fiel companheira Oanna O' Neil  com quem teve 8 filhos e passou o resto de sua vida. O peregrino coração finalmente havia repousado. 

As luzes da cidade de  Corsier-sur-Vevey na Suíça apagaram-se para ele em 25 de Dezembro de 1977. Sentado em uma cadeira de rodas, com dificuldades para falar quando um derrame cerebral o levou deste mundo. Seu corpo, enterrado no cemitério comunal, chegou a ser violado por um grupo de mecânicos suíços que queriam extorquir dinheiro da família. O plano falhou e então Chaplin teve que ter outra moradia eterna, agora bem mais protegida. Perto do Lago Léman, jazz seu corpo franzino e no mesmo local uma estátua foi erguida em sua homenagem. Lembrando que em 1975, dois anos antes de sua morte, a Rainha Elizabeth II o nomeou Cavaleiro comandante do exército britânico (KBE). Uma entre as muitas honrarias e homenagens antes e depois de sua morte. 

Tudo e nada. Substantivos paradoxais em que se congrega ao citar um nome tão reluzente na história. Um artista de obras inesquecíveis, de personalidade indomável, de talento descomunal, de visão à frente de seu tempo. Tudo que possamos falar a respeito do pai do vagabundo mais amado  da história é nada diante do tudo que ele representou para o cinema. O grande ditador da arte cinematográfica, que conseguiu sua própria liberdade pra expressar a mesma, e que com uma competência absurda ditou regras e padrões de entretenimento num tempo em que nada se falava, mas tudo se fazia ouvir. Assim ele jamais poupou ninguém em nome do que mais acreditava. Sua arte de poder se comunicar sem palavras. 

* OBS: embora ditador tenha um sentido pejorativo, e de más lembranças na história da humanidade, sua denominação a Chaplin vem a definir o que o próprio representou para a história cinematográfica. Nada mais que isso. 


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