Nota: 9,4
Quando adentraram os anos 70, o
cinema australiano trouxe uma dicotomia interessante entre a arte e o
entretenimento, em que, nas duas situações, o fizeram ser reconhecido no mundo
inteiro. Enquanto os violentos filmes B, cheios de ação e horror, chamados Ozploitation, ganharam o público (Mad Max, 79), a classe artística
explorava as paisagens australianas com histórias oníricas que deram origem ao Novo Cinema Australiano. Um de seus
representantes mais arrebatador veio com Weir. Um mistério sem solução, belo,
intrigante, às vezes policial, outras terror psicológico, que parece história
real, mas não é.
Adaptado da obra de Joan Lindsay,
que mentiu ser uma reportagem para que os ânimos dos insatisfeitos com a não
solução do caso sossegassem, Piquenique
na Montanha Misteriosa se passa em 1900 e conta a história de um grupo de
meninas de um internato têm permissão da diretora para, no dia de São Valentim,
fazer uma excursão à mística Montanha Misteriosa. Lá quatro meninas escalam o
rochedo e apenas uma retorna. Uma professora também sobe, e desaparece sem deixar
rastros junto com as outras três meninas. Uma grande caçada começa, mas somente
um rapaz insiste em continuar procurando e, depois de dias, encontra uma delas,
sem memória. O que terá acontecido?
O roteiro do longa poderia se
tornar algo que causasse a mesma insatisfação para os leitores da obra de
Lindsay, mas a mão do diretor, que viria ser reconhecido mundialmente, fez a
diferença. Um mosaico de ações e emoções, com a Ms. Appleyard (Rachel Roberts)
mantendo uma amargura contra a órfã Sara (Margareth Nelson), que é apaixonada
pela líder das moças que sobem na montanha, Miranda (Anne Lambert). Além disso,
professoras tensas e reprimidas, jovens apaixonados e um teor incrivelmente
assustador. E, em meio a tudo isso, a montanha, que parece acompanhar os fatos
como uma figura onipresente, responsável por todos os atos.
Esta sensação de que a montanha é
um personagem, talvez o mais importante do filme, se deve a forma como Peter
Weir apresenta o local das maiorias das ações. As paisagens exuberantes, junto
a brisa sob as ninfetas de espartilho, o sol que brilha, e de repente, o ponto
de vista da Montanha Misteriosa. Mesmo nas bem desenvolvidas situações que
acontecem após o evento com as meninas, principalmente entre a diretora e a
pequena Sara, ainda fica a sensação de estar sendo analisadas por algo
superior. E o final, com a volta de apenas uma das jovens só aumenta o
misticismo e a tragédia.
Claro, que há mais nas
entrelinhas, e talvez por isso Piquenique
na Montanha Misteriosa mereça ser visto mais de uma vez. A repressão sexual
perceptível e na figura das professoras e de suas alunas, e o comportamento da
sociedade da jovem Austrália, desconfortável e desconfiada sobre seu ainda
incerto futuro. Tudo isso o torna uma obra-prima singela, aparentemente
simplória, mas, absolutamente hipnótica, mesmo nos inquietos dias atuais.
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