The hours, 2002. Dirigido por Stephen Daldry. Com Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Ed Harris, John C. Reilly, Miranda Richardson, Stephen Dillane e Claire Daines.
Nota: 9.4
As horas é uma obra
que já nasceu consagrada. Inspirado no revolucionário Mrs. Dalloway, romance da
enigmática escritora Virginia Wolff, virou sucesso 70
anos depois nas mãos do escritor Michael
Cunningham. Eleito o melhor livro de 1998, vencedor do Pulitzer e do PEN / Faulkner,
foi classificada como uma obra não linear e cheia de nuances. Mas isso não faz
do livro um bicho de sete cabeças. Pelo contrário. Foram estas características
que fizeram com que esta belíssima obra tivesse uma transição segura para o
cinema.
Diante de
tanto reconhecimento, coube ao talentoso diretor Stephen Daldry, famoso por tornar físico o mundo interior, dar vida
às suas instigantes personagens nas telas. O primeiro desafio foi fundir as
três histórias e assim, criar uma única narrativa sob a mesma temática com
pontos de vista diferenciados para que pudesse surgir uma melhor interação entre
elas. “Achei que a ideia de se ter três histórias, três mulheres e a relação
entre elas, era uma maravilhosa oportunidade de tentar criar uma única
narrativa.”
Outro desafio
foi tentar dar corpo às vozes do interior das personagens naturalmente captadas
no livro. Mostrar o espectro que assombra a vida aparentemente normal de cada
uma delas. Esteio que ajudou a conduzir fielmente o roteiro de David Hare bem como o trabalho de suas
intérpretes.
O filme parte
de 1923, ano do processo de criação de Miss
Dalloway. Da genialidade à loucura, todos os sentimentos da escritora Virginia Wolff (Nicole Kidman) captados pelas páginas de uma de suas maiores
criações. A relação tênue entre amor e ostracismo sentimental para com o marido
Leonard (Stephen Dillane), a fidelidade quase que incestuosa para com sua
irmã Vanessa (Miranda Richardson), a vida soturna inserida em seu mundo
particular, e a angústia exasperante em seus últimos dias. A angustia
asfixiante que sufocam seus pensamentos, e a ideia de uma liberdade individual,
a levam a um destino inacreditável. A belíssima Nicole Kidman fica irreconhecível no papel da excêntrica escritora,
captando com maestria sua personificação física e especialmente, emocional.
Paralelo a
isso, em 1951 se encontra a dona-de-casa Laura
Brow (Julianne Moore), que teve todos seus desejos de mulher dizimados
pelo pragmatismo da sociedade americana. O dia de Laura parece comum a todos os
dias de uma mãe de família e senhora do lar. Apesar de bem casada com Dan (John
C. Reilly), um marido extremamente
devotado, a dor da frustração de não poder expressar seus desejos, a torna uma
mãe e esposa tão robótica que sua convivência com o filho transforma-se numa
dor desconfortante. As emoções de Laura são captadas em cenas onde o silêncio
assume o papel de protagonista. Este silêncio é o que alimenta sua força para
tomar a mais séria decisão de sua vida. Tudo isto mesclado com uma
interpretação soberba da excelente Julianne, torna inesquecíveis suas
sequencias.
O ano é 2001 e
seguimos ao lado de Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora que adora
dar festas para esconder sua melancolia de seus sonhos enterrados. Clarissa é do
tipo de mulher que constantemente assombrada pelo seu passado, não pode viver
plenamente seu presente, agarrando-se a uma ideia de felicidade surreal. Sua
vida com a parceira Sally (Allison Janney), bem como a relação com
a filha Julia (Claire Danes), é minada pela devoção integral para com seu amigo Richard (Ed Harris, ótimo), um poeta frustrado que está em seus últimos
dias vítima da AIDS. Clarissa e Richard tiveram uma única noite de amor na
juventude. Desde então, esta noite se tornou todos os seus dias. É a partida de
Richard que faz com que ela se volta para seu mundo. Meryl Streep empresta toda
sua majestade ao dar ênfase aos momentos de emoções ponderadas de Clarissa.
Três mulheres
em épocas diferentes, mas com os mesmos anseios de felicidade, oriunda de uma
firmação pessoal. Três histórias interligadas pelos pensamentos capciosos de
Virginia ao escrever Mrs. Dalloway. O
romance lido por Laura anos mais tarde, e sintetizado na figura de Clarissa
posteriormente. O triunfo do filme consiste em ligar emocionalmente suas três
histórias ao romance, que narra a história de uma mulher, uma heroína diante
das dificuldades cotidianas, se personificando em todas as mulheres.
Personagens que tendem a praticar atos de heroísmos constantes, a cada 24 horas.
Partindo do ponto de ter que estar sempre provando para a sociedade seu valor
subjugado. Fato que ultrapassa gerações. “Acredito
que o heroísmo na vida das mulheres é constantemente subestimado, ou posto em
segundo plano em comparação ao heroísmo na vida dos homens. Obviamente, os
esforços são enormes e profundos, e possui a mesma importância”, Stephen Daldry.
Em As horas acompanhamos atentamente o dia
destas três mulheres e descobrimos o que estes valiosos minutos nos revelam
diante da complicada arte de viver. As relações pessoais, a inquietação
sentimental e a dissimulação dos sentimentos. Observações que inadvertidamente
podem nos conduzir a repressão das qualidades, direitos e responsabilidades de
mulher. As tribulações sentimentais podem dar ao filme um ar de melancolia, mas
é certo afirmar que todo este sentimento se esvai com o êxtase de acompanhar
três atuações heroicas e históricas. Algo para se aplaudir a cada minuto, cada
dia, cada hora, cada ano. Sempre.
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