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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Garota exemplar (2014)

Garota exemplar (Gone girl, 2014)
Direção: David Fincher
Com: Ben Afleck, Rosamund Pike e Neil Patrick Harris
Nota: 8,5

David Fincher é um diretor que recorre muito a captura de imagens para abordar todos os contextos de seus filmes. A superexposição de seus personagens em cima disso, também se ecoa nesta linguagem. Foi assim em Os homens que não amavam as mulheres (2011), remake do sucesso sueco do livro de Stieg Larsson. Esta forma algumas vezes é confundida com frieza, e talvez tenha sido esta minha maior crítica em relação ao filme citado. Podemos dizer então que Fincher é um diretor “certinho” que usa e abusa de seu trabalho em montagens e fotografias, ou seja, aspectos mais técnicos, porém nunca se descuidando do roteiro, afinal, para se fazer uma montagem bem feita, é um ponto essencial. 

Tudo isso se torna sobrepujante em Garota Exemplar. A história que mais uma vez tem como protagonista uma mulher, é muito mais extensa que as características primordiais do diretor. O que seria frieza, cuidado, se torna um perfeccionismo mais humano, híbrido, ao contar uma história com mote diferente acerca do desgaste da relação a dois. O diário pessoal da esposa se mescla com perfeição à figura do marido que ganha a tela nos momentos iniciais. Nick Dunne (Ben Afleck) é um escritor que vive um bloqueio mental no trabalho. Insatisfeito profissionalmente e entediado pessoalmente com a vida de casado, ele vai se perdendo em meio a todas as dificuldades de uma relação com a imprevisível Amy (Rosamund Pike). A garota é a típica filha única, mimada ao extremo pelos pais, a ponto dos mesmos criarem uma personagem baseada na rebenta, a Amy Exemplar, que como conta o filme, fez muito sucesso como obra fictícia. A garota exemplar consegue aparar as arestas deixadas pela verdadeira Amy na vida real, como ser a capitã do time de vôlei quando ela mesma foi cortada. É como se a menina exemplar estivesse um passo à frente da mulher não realizada. Desta forma natural, somos apresentados à protagonista da trama, que se desenrola de maneira tão enigmática que é impossível de se esquecer, mesmo quando privados de sua presença em quase 1 hora de história. 

Especialista em montagens fabulosas, Fincher deixa que os flashbacks da vida a dois entre Nick e Amy tomem espaço na primeira parte do longa quando correm as investigações sobre o desaparecimento da esposa ou um possível homicídio cometido pelo marido. Vimos então o cenário de casamento dos sonhos perdendo para a rotina do dia-a-dia. O desinteresse do marido em tentar contornar a situação, optando por uma saída mais fácil ao ostentar uma amante mais jovem, e as nuances de temperamento da esposa, tão diferente a cada frase narrada. Seria ela apenas uma mulher desiludida e cansada com os rumos de sua relação ou uma vítima de um marido aproveitador? 

O caso de Amy ganha a mídia nacional com proporções que fazem inveja aos programas vespertinos das emissoras de TV aberta no Brasil. O sensacionalismo da mídia através do roteiro se desenrola num teor mais crítico com o seu poder de endeusar ou blasfemar cada um de seus personagens, e claro, manipulando a rodo a público que aguardava ansioso o desfecho do caso. Dessa forma Nick transita de suspeito de homicídio a assassino confirmado e por último, o marido arrependido. Amy, a mulher exemplar desaparecida a queridinha da América que sofreu abusos incomensuráveis pelas mãos ávidas de seu ex-namorado (Neil Patrick Harris). E ambos, de casal sob suspeita a perfeitos amantes e pais no fim dessa jornada instigante. 

O roteiro certamente é o maior trunfo do diretor para criar uma trama envolvendo suspense, humor (negro) e um pouco de drama. A Amy desaparecida dá espeço a Afleck, mas não deixa escapar a forte sombra da personagem sobre ele. Quando é revelado o grande fim do mistério em torno do desaparecimento, entra em cena a atriz numa metamorfose perfeita amparada pelo bom trabalho que provavelmente concorrerá ao Oscar. A forma com que conduz todas estas características da garota exemplar, coloca Pike como uma das grandes interpretações da história. Um exemplo de força feminina, do poder feminino. Inteligente, manipuladora, fria e calculista, bem ao estilo das femme fatales. Realmente impressionante como se dá sua transformação até pelo aspecto físico. De uma mulher amável a uma megera de primeira, a beleza física vai se esvaindo nesta miscelânea de sentimentos. Um detalhe muito interessante com certeza. Afleck não é conhecido em Hollywood por seu talento como ator, e aqui o papel cai sob medida para ele. Homem sonso, egoísta em seu mundo particular e facilmente manipulável. Sendo assim, casaram-se perfeitamente nas feições impenetráveis que necessitava a trama.

O bonitão inexpressivo Afleck e a bonitona enigmática Pike: casamento perfeito

A união entre roteiro e atores seria perfeito, se não fosse por um detalhe que infelizmente se tornou necessário dentro da trama. A quebra do fim do mistério revelando todos os truques da esposa para manipular mídia e polícia, acaba que fazendo a história em si perder um pouco da força, dando voltas demais, e assim precisando ostentar o valor inquestionável da protagonista. Neste caso, não houve o equilíbrio que faria do filme perfeito. Em outras palavras, Amy se torna maior que o filme em sua segunda metade. O início também dá algumas derrapadas, quase que deixando o suspense pender para um clima mais entediante. Contudo, pra quem resistiu até as “coisas esquentarem”, não se arrependeu, acompanhando uma história bem contada de uma mulher que mesmo não sendo tão exemplar quanto a personagem nela inspirada, consegue traduzir ao modo Fincher o que todas as mulheres são ou o que ao menos em um dia da semana gostariam de ser. Complicadas e perfeitinhas. 

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