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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Boyhood (2014)

Boyhood (Idem, 2014)
Direção: Ricardo Linklater
Com: Ellar Coltrane, Patricia Arquette e Ethan Hawke
Nota: 8

Quando algo no cinema começa como um burburinho de possibilidade de ser uma coisa jamais vista, no mínimo chama atenção. Assim o diretor Richard Linklater, acostumado a esta linha de trabalho, inseriu em todos a semente de Boyhood, seu mais novo (nem tanto assim) projeto experimental de mais de 12 anos acompanhando a vida do garoto Mason (Ellar Coltrane), da infância até o momento em que vai para a faculdade. Diante desta proposta, o que vemos é o caminho pautado para que as emoções humanas das mais variadas pessoas e situações ganhassem forma. Deste ponto de vista, a sinopse é bem interessante e empolga. Contudo, mesmo sendo ousado, não foge aos problemas como qualquer filme com base nesta ideia. 

Assim como a vida real oferece um grande leque de possibilidades para ser explorada dentre sentimentos descobertos, dramas, decisões, que vem a acarretar em amadurecimento, ela também traz passagens entediantes. É normal. Linklater acertou inovar para o cinema tão carente nesta questão. Mas também pagou pelo ônus de manter o elenco original, mais especificamente as crianças, que na infância, dão um show de carisma sustentada por atuações verossímeis, tipicamente da idade de quem está levando tudo na “brincadeira”, sem aquela preocupação que tanto atormenta os adultos. O problema vem a seguir, justamente na hora H, no momento em que acontece a tão esperada passagem de tempo entre uma fase e outra. O garoto Mason que antes era imagético, se torna um jovem chato e inexpressivo. Já a menina Samantha (Lorelei Linklater), mesmo sendo escolhida por ser filha do diretor (segundo a lenda), consegue um equilíbrio melhor. Ela dá um show de naturalidade e consegue roubar os momentos iniciais do “boy” entre família. Mais adulta, a empatia inicial se esvai um pouco, mas ainda o suficiente para ter o que encher o pote até o fim. Problemas reais, mas altamente justificáveis diante de tudo que se espera de uma "obra da vida real". 

Ao optar por captar estes momentos de Mason, Linklater nos oferece tudo que vivemos na infância. Nossos livros de histórias favoritos, desenhos favoritos, ídolos, a vida escolar difícil e ao mesmo tempo cativante. Os conflitos familiares sempre presentes que na maioria das vezes causam a separação dos pais, trazendo um ambiente de dúvida e insegurança às crianças. O que se agrava ainda mais quando a mãe não faz boas escolhas na vida conjugal. Neste ponto, entra em cena Patrícia Arquette, a mesma mãe zelosa e às vezes vilã que acompanhamos no seriado Medium, o qual protagonizou neste tempo de filmagens. Assim como na obra televisiva, Arquette dá uma segurança essencial à figura de uma mãe cheias de nuances, ora boa, aquela que ama, zela, e faz tudo pela família. Ora má, aquele que corta, repreende, briga e chama atenção. E aqui sua atuação é bem atenuante, pois se em Medium ele dividiu estes deveres com o marido, interpretado por Jake Weber, no filme é mãe solteira, portanto, os desafios são dobrados. A mãe, o pai e as crianças. Tudo se resume a eles e o mundo que os cerca com o passar dos anos sob as lentes do diretor. Daí já saímos do campo da curiosidade para entrar no campo do paradoxo. 

Ao assistir a obra, me veio à cabeça as novelas do autor global Manoel Carlos com a mesma proposta. As crônicas da vida cotidiana. Com isso, entra na lista dos chamados “ame-o ou deixe-o”. Há pessoas que acham o estilo de folhetim de Maneco algo parado, monótono, cansativo e com diálogos extensos demais. E outras que apreciam este estilo como arte, algo acima das demais, uma coesão bem feita entre ficção e realidade. Em outras palavras, as novelas do autor não precisam de vilões icônicos, cenas inimagináveis e personagens exagerados. Ele apenas procura mostrar as pessoas como são em suas relações no dia-a-dia, sejam elas emocionantes ou tediosas. E antes de me apedrejarem por estar comparando novela com filme, só usei este exemplo para tentar explicar o porquê de filmes como este ser tão festejado perante a crítica mesmo que para nós, pobres mortais, não demonstre nada de tão especial assim. Seja no cinema, na novela, ou na vida real, há sempre coisas novas, diferentes, que divide opiniões. Não é unanimidade.

Mason em vários momentos: vida que segue

A meu ver, Boyhood já entrou na lista daqueles filmes cults, que marcou época como algo inovador e que não poderá ser copiado, como a Bruxa de Blair lançado em 1999, que teve sua essência remontada em obras dispensáveis. Sinceramente me empolguei mais com a semente lançada por Linklater do que com o fruto colhido. Assim acontece com os filmes de grandes cineastas considerados verdadeiros gênios, mas de difícil linguagem para quem curte cinema expandindo suas preferências, incluindo os mais populares e menos aclamados. Eu por exemplo, tenho problemas com 12 Anos de escravidão, vencedor do Oscar passado que não conseguiu me alcançar como alcançou toda a crítica e seus argumentos bem enfeitados. E nunca fiz de E o vento levou um dos mais empolgantes que já assisti, ainda que tenha dado muito crédito à sua produção, apreciado o carisma e atuação dos atores, e soubesse dar importância ao seu contexto histórico bem como a grandiosidade nele inserido. Filmes assim, são vistos até mesmo pelos cinéfilos mais pungentes, pela questão de se gostar ou não, mas jamais deixando de mencionar sua força. 

Linklater me ofereceu um filme esteticamente bonito, favorito ao Oscar com algumas cenas emocionantes, a minha preferida é de quando o pai (Ethan Hawke) se nega a ser apenas o que ele chama de “pai biológico legal que sai com as crianças em fins de semanas”. Muito tocante mesmo. Portanto, ele tem méritos sim, mas seguindo a trajetória de Mason no filme, muito me lembrou momentos de minha vida como se abrisse uma gaveta, pegasse um álbum de fotografias minhas antigas e suspirasse relembrando aqueles tempos e tudo que passei para chegar à fase adulta. E depois de algumas horas, colocasse de volta na gaveta, e continuasse seguindo com a minha vida até que mais um ciclo tenha fim. É apenas isso. Algo simples, singelo, escasso de cenas sem igual, como a de Scarlett O’Hara nos campos devastados gritando “Jamais sentirei fome novamente”. 

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