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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Millenium e duas formas de não amar as mulheres


Baseado na fantástica Trilogia literária do sueco Stieg Larsson, o diretor Niels Arden Oplev adaptou Millenium – Os homens que não amavam as mulheres para o cinema de lá. O êxito foi tanto que chamou a atenção de Hollywood, e pelas mãos do talentoso David Fincher veio uma nova adaptação em 2011. A proposta agora é analisar as diferenças destas obras em cada tempo, país. 

A história


O filme traz o jornalista investigativo Mikael Blomkvist da Revista Millenium à beira de uma desmoralização profissional e prisão eminente até aceitar um trabalho que mudará os rumos de sua vida e de sua carreira. Ele é contratado por Henrik Vanger, um poderoso industrial para descobrir o que de fato teria acontecido com sua amada sobrinha Hariet. Mas logo Blomkvist percebe que não está sozinho em sua empreitada. Ele recebe a ajuda de Lisbeth Salander, um habilidoso hacker punk-feminista, que também por motivos de trabalho, tem consigo todas as informações de seu computador pessoal envolvendo o caso. De personalidades marcantes e distintas, juntos, a dupla consegue desvendar o mistério por detrás do desaparecimento da jovem. Mistério esse que envolve preconceito, incesto e Ideologia deturpada. 

O contexto cultural da história

O Herói hollywoodiano e a heroína sueca em primeiro plano

Enquanto a profundidade das questões femininas é bem locada dentro da Suécia, a versão americana não faz jus a este contexto. A figura de Lisbeth Salander dentro do país escandinavo é bem mais onipresente neste sentido do que em terras americanas. As mulheres se tornam o principal da primeira versão, com isso, a heroína tem uma participação bem mais ativa no desenrolar de toda a trama. Em Hollywood, a cultura machista ainda é predominante, onde podemos notar em coisas triviais como a capa/pôster do filme de Fincher com a figura do herói masculino (Daniel Craig) em primeiro plano. 

Lisbeth e Lisbeth


Com um contexto histórico bem mais equilibrado para o seu lado, não foi difícil para a atriz sueca Noomi Rapace colocar definitivamente sua heroína no hall de personagens inesquecíveis. De personalidade forte, agressiva e dominante, ela tomou as rédeas da situação na trama. Enquanto Rooney Mara fez um bom trabalho naquilo que foi proposto. Uma Lisbeth mais suave, fragilizada, dependente do galã bonitão para se sentir relevante na história. Dentro desse contexto, podemos afirmar que ambas se saíram bem em seus papéis, mas a atuação de Noomi foi bem mais visceral. 

Mikael e Mikael

Mikael Blomkvist em dois momentos: como o parceiro e o Herói.

Com a figura feminina mais embrutecida na Suécia, o personagem do ator Michael Nyqvist é bem mais sensível do que o de Daniel Graig, carregado com traços de 007. O herói que tudo sabe, tudo vê, e é bem mais perspicaz. Sendo assim, a Lisbeth de Mara não deixa de ter uma participação valiosa, porém há momentos em que não passa de uma mera ajudante do herói ou uma Bond girl carente e desamparada. Já a Lisbeth de Noomi é mais independente. Não se deixa agir de forma passiva. A dinâmica entre as duas duplas/casais é invertida dentro do contexto já mencionado, mas a força dos dois personagens dentro desse mesmo contexto, embora distintas, não é alterada para mais ou para menos.

Os Vilões


Pra quem conhece a história, sabe que Martin Vanger, herdeiro das Indústrias Vanger e filho de pai Nazista, é o grande vilão. Na Suécia, ele é interpretado por Peter Haber. O ator pode até ser talentoso em seu país, mas aqui não se sai bem e muito menos é superior a Stellan Skarsgard, o Martin da versão americana. Além de bem mais a vontade no papel, Stellan é bem mais assustador que Haber, no entanto, o desfecho do personagem sueco mexeu muito mais com as emoções dentro da trama de Lisbeth. 

Narrativa e efeitos visuais


Quando se fala em efeitos visuais não dá para comparar. David Fincher, especialista em montagens e belas fotografias, dá um passo adiante da versão sueca, que peca um pouco na dramatização excessiva em certos momentos e deixa algumas lacunas na trama, como por exemplo, o fato de Lisbeth (Noomi) saber rapidamente e exatamente onde procurar os nomes da lista em citações bíblicas. Em nenhum momento, dentro da trama cinematográfica, tivemos conhecimento da familiaridade da moça com o “mundo religioso”. Mais fiel ao livro e a própria narrativa cinematográfica, a versão americana coloca a filha de Michael, religiosa, como quem desvenda esta parte da trama. Contudo, há de se convir que a importância dada a Lisbeth na versão sueca pode até justificar este pequeno deslize narrativo. 

Cenas fortes


Estupros e violência de todo o tipo são o carro-chefe da obra de Larsson na história de sua personagem principal. Lisbeth construiu toda a sua vida embrutecida pelas relações conturbadas com homens e nunca se sentiu amada por eles. E uma dessas relações foi com o seu tutor o inescrupuloso Björn Granath (Gustavo Morell). Em troca de capital para as usas necessidades, Lisbeth tinha de atender favores sexuais para ele. E quando isso acontecia, a violência do homem era no mínimo impactante. Numa dessas, a hacker filma o ato e passa a chantageá-lo com o DVD, que será importantíssimo para o desfecho de toda a história. As cenas são fortíssimas, bem filmadas e representadas. Na versão americana, Fincher suaviza um pouco este lado, mas ainda assim as cenas ficam fortes e tensas. 

Desfechos e continuações


O sucesso de Os homens que não amavam as mulheres (2009) na versão sueca rendeu duas ótimas continuações. A menina que brincava com fogo (2010) e A Rainha do Castelo de Ar (2011). Todas entrelaçadas num único enredo. Este foi o ótimo padrão de toda a Trilogia de Oplev, que parece ter sido filmada de um take só e dividida em três partes. A coerência de todos os fatos ajudou a desenvolver todas as histórias bem fechadas dentro do que representava cada personagem. Esta é uma diferença mencionável dele para a versão amarrada de Fincher, fechada demais para ser uma boa âncora para os próximos filmes. Diretor e roteiristas terão de ser bem ousados e criativos para esta missão. Além disso, a fraca bilheteria ameaçou outra continuação e boatos dão conta que Daniel Craig, o ator principal não participaria destas sequências. 

Embora goste e me identifique mais com a versão sueca, há quem afirme categoricamente que a versão americana é melhor. Não me cabe julgar opiniões diversas, apenas fazer estas comparações dentro dos principais elementos que encontrei e achei mencionáveis das duas versões. A quem interessar, eu prefiro a Lisbeth de Noomi, prefiro a história bem mais contextual, emocionante/sentimental de Oplev, mas pra quem gosta das adaptações americanas, tem o que tirar de bom também do filme de Fincher, um diretor talentoso que fez seu elenco trabalhar naquilo que foi proposto. Ser apenas diferente. 

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