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domingo, 19 de outubro de 2014

Amadeus: espetáculo imperdível

Amadeus (Amadeus, 1983)
Direção: Milos Forman
Com F.Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge e Jeffrey Jones

Nota: 10 

Inspirado na peça homônima de Peter Schaffer, o diretor Milos Forman levou para as telas do cinema uma história brilhante de um dos maiores nomes da música de todos os tempos. O resultado final foram 8 merecidas estatuetas para uma obra que se aproxima mais de um clássico do que uma biografia de Wolfgang Amadeus Mozart. 

Como o próprio compositor austríaco, sua história é cheia de complexidade e de difícil caminho a ser percorrido pelos vários cineastas que se aventuram a traduzi-la para as telas. Há muitas obras sobre Mozart, muitas versões, aversões, contradições, ou meros boatos para delinear sua trajetória. Sendo assim, parece então mais fácil recriar uma versão para sustentar algo que agradaria a todos que admiram uma ótima história. 

Comecemos então por uma liberdade poética essencial para criar uma trama com protagonista e antagonista que agradou e muito a todo o público e fez de Amadeus uma obra inesquecível. A rivalidade entre compositor italiano Antônio Salieri e Mozart já foi descartada por alguns estudiosos. Os mais ousados até declaram que Salieri nunca foi o compositor medíocre que o filme de Forman quis passar e que na verdade era Mozart quem tinha inveja de seu sucesso. Fatos e boatos à parte, o que interessa é analisar um dos espetáculos visuais mais lindos do cinema. 

“Um homem dividido em dois.” Assim se define Antônio Salieri (F. Murray Abraham) em sua jornada particular da relação com Deus, a música e Mozart (Tom Hulce). O filme se centra na figura do compositor italiano que narra durante uma confissão no hospício como suas emoções em relação à figura de Mozart terminaram por afetar seu juízo. Diante de um perplexo Padre (Richard Frank), ele descreve sua paixão pela música desde a infância numa família desprovida de apreço musical. Depois da morte de seu pai, Salieri dedicou toda a sua castidade a Deus e sua vida a este objetivo, a fim de tornar-se o melhor compositor de Viena até a chegada de seu “rival” à cidade que segundo ele, expõe toda sua mediocridade ao mundo. É o que podemos chamar da diferença entre ser uma pessoa esforçada naquilo que faz e ser um gênio nato. Esse foi o grande mote da história. A razão da revolta interior do compositor italiano. Mesmo que tentasse, rogasse em preces e orações, Salieri jamais conseguiria superar o que ele chamou de “a criatura de Deus”.


Ainda assim, o sucesso de Salieri era evidente em meio ao grande público e como o Compositor mais respeitado da Corte do Imperador Joseph II (Jeffrey Jones), interferia com total autoridade em tudo que se via pelos palcos da bela, mas ainda questionável em matéria de cultura musical, Viena. Tudo era entregue às mãos do Imperador, que mesmo tendo um Conselho manipulador para isso, tinha sempre a última palavra sobre. Sagaz, Salieri era testemunha das limitações do Monarca acerca do assunto, mas nunca deixou de dançar conforme a música da época. Mesmo admirando a obra genial de Mozart, fez de tudo para sabotá-lo na Corte por se sentir diminuído diante dele e pelo próprio Deus. O divino passou a ser alvo de sua revolta depois de uma tentativa frustrada de se vingar do rival através da dedicada esposa do mesmo Constanze (Elizabeth Berridge). Para Salieri, Mozart tinha tudo que ele escolheu se privar. Tudo lhe foi concedido por obra divina sem nenhum esforço, sacrifício. 

O misto de admiração e inveja é condensado de forma mágica, na sublime interpretação de Abraham. Tanto no passado vivendo o auge do compositor como no presente, já velho debilitado por uma tentativa de suicídio. A reação estarrecedora estampada na fisionomia do Padre é um retrato perfeito da reação de quem assiste a atuação de Abraham. Seguramente uma das 10 melhores de todos os tempos do cinema. Hulce também faz um excelente trabalho como o compositor em sua fase extrovertida. Seu jeito moleque, sua gargalhada contagiante e aos mesmo tempo inesquecível é a marca registrada da contradição entre os dois personagens. Em sua fase de declínio, perde um pouco esta força magnética especialmente em comparação a Abraham, regular o filme todo. Talvez este tenha sido o detalhe que definiu o vencedor do Oscar. 

Quando ouvi falar em Amadeus pela primeira vez, pensei como a maioria dos leigos em relação a música clássica, sua história e contexto cultural. A armadilha de se tornar um filme maçante de 3 horas com música alta, acordes incompreensíveis para ouvidos menos apurados, berros de sopranos e danças nauseantes, se esvai num show de beleza cinematográfica através das atuações, cenários e figurinos minimamente produzidos num ritmo tão perfeito de quadros no roteiro, que é impossível esboçar qualquer bocejo diante disso. 

Um êxito de uma das muitas versões da lendária história do compositor aqui mostrado como um homem que possuía um talento nato para a música, sofreu com a pressão de ser quem era, e ainda assim viveu suas paixões de forma natural. Entre farras, brincadeiras e bebedeiras, fez de sua personalidade escrachada pra obscena, um ultraje à sociedade conservadora. Como todo gênio, foi incompreendido por muitos, exceto por seu mais ilustre admirador. O algoz narrador de uma história avassaladora entre notas de raro dueto. A música fabulosa de um gênio é um êxtase para os ouvidos e o filme centrado num personagem fenomenal um êxtase para os todos os sentidos.

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