Visitantes

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Clube de Compras Dallas (2013)

Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013)
Direção: Jean-Marc Vallée
Com: Matthew McConaughey, Jared Leto e Jennifer Garner

Nota: 9
Dando continuidade aos filmes que marcaram o ano, vamos relembrar Clube de compras Dallas

É difícil classificar só assistindo a quase duas horas de projeção. Não se sabe se é uma obra didática, um clamor contra a marginalização de pessoas recriminadas pela sociedade por conta de opção sexual ou um relato dramático de uma história real. Então que tal juntarmos isso tudo? 

Craig Borten e Melisa Wallack nos levam a uma montagem quase perfeita de um início meio que um fim. Nos primeiros minutos, vimos o cowboy Ron Woodroof (Matthew McConaughey) resumindo numa só sequencia todo seu personagem. Mulherengo, viciado em sexo e drogas ilícitas. Em outros tempos, de cara, poderíamos atribuir todos estes predicados a um criminoso, a uma pessoa detestável. Mas o mérito da história de Ron está em desmistificar este padrão antiquado de mocinhos e vilões. E depois de uma brilhante e natural transformação do personagem, foi neste contexto que se firmou o filme contando como ele conseguiu afrontar um diagnóstico de 30 dias de vida e viver mais 7 anos depois da sentença de que se tornara um portador do vírus HIV. 

A palavra sentença definia muito acertadamente quem contraía o vírus até então desconhecido no início dos anos 80. Tão desconhecido a ponto de ser taxado de homossexual a pessoa portadora. Na visão de muitos na época, a Síndrome da Imunodeficiência adquirida, ou popularmente conhecida como AIDS, era “doença de viado”, como bem colocado numa zoação do grupo de Ron a Rock Hudson, galã hollywoodiano que assumiu a homossexualidade e morreu de AIDS em 1985. Assim não muito tardou e Ron, um garanhão homofóbico, sentir na pele o mesmo julgamento depois de ser diagnosticado. Este fato desencadeia a grande mudança de rumo da história e o start para a transformação do cowboy. 

Diante de vários “Não” dos médicos e ficar estagnado na burocracia da FDA que ainda testava as drogas com pacientes mais “qualificados”, ele decidiu agir por conta própria. Primeiro recorreu ao próprio bolso para pagar um faxineiro e conseguir a medicação que necessitava. Esta parceira terminou, mas deu início a uma outra. No México conheceu um médico que tratava os pacientes como ele com remédios alternativos não aprovados pela FDA. Três meses depois de uma violenta crise, ele descobre que a causa foi o AZT, o mesmo coquetel de drogas que seria a “salvação” dos doentes. Ron se engaja em várias pesquisas sobre a doença, e vê o vislumbre de mais uma boa parceria, só que agora bem mais duradoura e lucrativa. Ele ficaria encarregado de alertar a todos os pacientes americanos sobre os riscos do AZT e vender a eles a medicação alternativa que usou para se recuperar. Um bom negócio, que de quebra ajudava a ele e a outros terem mais chances de ter uma existência melhor. Uma forma quase perfeita de unir o útil ao agradável. Assim nascia o Clube de Compras Dallas, um dos vários espalhados pelo país bem abordado no filme. 

O diretor Jean-MarcVallée ajuda na construção da mescla de todos os elementos citados anteriormente. A direção de arte exibe os anos 80 diferente do que estamos acostumados a ver. Figurinos mais sóbrios e objetivos, sem aquele exagero característico de quem deseja retratar a época. Já o roteiro consegue se firmar na boa montagem, e segue linear sem nunca cair na dramatização excessiva. Vai direto ao ponto e com isso age naturalmente dando espaços para outros personagens interessantes além do cowboy “empreendedor”. A médica vivida por Jennifer Garner, que vai de crédula ao Sistema de Saúde em que trabalha a uma profissional decepcionada; o policial dividido (Steve Zahn) entre cumprir a Lei ou ludibria-la em deferimento a seu pai doente. Ah, sim, e ainda temos Raymound ou “Rayon”, um transexual também doente divinamente defendido por Jared Leto.

Leto, Garner e McConaughey: trio protagonizando cenas tocantes

A parceira de Ron com seu médico e clientes não foi muito diferente da parceria de seu intérprete com seu colega de cena. Com isso ambos foram contemplados com o Oscar numa dobradinha inesquecível. Tanto McConaughey quanto Leto abraçam seus personagens como deveriam: de forma natural, sem exageros e ambos trabalharam muito para manter a aparência impactante do filme. É comum alguns atores se destacarem e até serem também contemplados com o Oscar por conta da caracterização física. Jamie Foxx em Ray, Charlize Therón em Monster, Marion Cotillard em Piaf e Meryl Streep em A dama de Ferro. Todos podem até ter merecido o Oscar, mas diferente da dupla de Clube de Compras, a caracterização neste caso não apenas impulsionou, mas deixou fluir naturalmente traços de humanidade em seus personagens, sem o risco do ônus que fomentam a crítica especializada nestes casos. 

Voltando a temática do filme, vamos classifica-lo como um drama real com forte contexto didático e um tímido clamor contra o preconceito. O que deu liga a todos estes elementos foi justamente algo em que a trama se sustenta. A humanidade explorada com segurança nas vias boas e ruins de cada um deles. Que não trata de mocinhos e vilões. Apenas esclarece algumas questões que ficaram pendentes aos mais leigos no passado e que trazidas à tona hoje, ajudam a reforçar que o objetivo principal de todos os avanços deve ser o Ser humano sempre. Isso ficou explícito na cena final quando mesmo perdendo no Tribunal a disputa com a FDA, Ron foi ovacionado por todos na chegada ao escritório. Uma cena marcante, mas que tirou a nota 10 do filme com a proposta de não construir heróis, mesmo ocasionais. 

Em suma, McConaughey protagoniza um filme tão visceral, porém mais enxuto que O Lobo de Wall Street, tão histórico porém mais objetivo que American Hustle, e tão didático, porém muito mais apreciável que o aclamado 12 Anos de Escravidão. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário