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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Sam Mendes e o American Way Life

Em dois grandes filmes, Sam Mendes desmitifica a máxima do American Way Life, com roteiros brilhantes e de uma melancolia que nos coloca numa encruzilhada entre o bom e o necessário para nossa vida

Logo na primeira cena de Beleza Americana (American Beauty, 1999) percebemos que o título da obra, uma alusão a uma bela rosa americana sem cheiro e espinhos, é a grande ironia da história. O brilhante roteiro de Allan Ball desnuda o dia-a-dia de uma família suburbana americana, um grande exemplar dos adeptos do estilo de vida americano, criado após a reestruturação do país, depois da Grande depressão, em meados a década de 40.

O chefe da família, Lester Burnham (Kevin Spacey formidável em atuação vencedora do Oscar), de repente se vê frustrado com sua vida e percebe que tudo o que sonhou não passou de um foge da juventude. A mecanização com que sua vida se desenvolveu, a base familiar, a casa, tudo o caracteriza o estilo pré-concebido de vida que leva, deixa Lester a mercê de seu vazio existencial.

Sua obsessão pela colega da filha, e a amizade com o filho do vizinho, um jovem maconheiro e perturbado pelo regime totalitário de seu pai, são seus caminhos para mudar o rumo de seu destino. Sua mulher Carolyn (Annette Benning, ótima) é um de seus problemas em sua procura por uma vida sem regras sociais, já que uma daquelas que se adaptaram, ou se conformaram, com o esquema do casa/comida/filhos e uma felicidade de mentira.

Ball não poupa ninguém. Mostra de forma divertida, chocante e, às vezes, melancólica como o sistema domina e destrói sonhos. Um estudo social eloquente e controverso do mundo, que aos olhos do resto do mundo, parece ser perfeito. Os delírios de Lester com a jovem ninfa (Mena Suvari) traduzem o desespero emocional que domina o personagem, uma alegoria que se completa com o universo paralelo e insano de sua filha e o filho do vizinho. Mesmo Carolyn vive seu íntimo paradoxo, enquanto tenta prova que sua vida é uma maravilha se perde em meio suas frustrações e arrependimentos.

Seguindo o mesmo arcabouço metafórico, Foi Apenas um Sonho >(Revolutionary Road, 2008) traz uma espécie de “O início” de seu longa de 1999. Argumentado por Justin Haythe, baseado no romance de Richard Yates, o filme traz um casal suburbano cheio de sonhos de uma vida feliz, mas que aos poucos vai sucumbindo ao sistema de vida, já consagrado nos áureos anos 50.

Neste caso é a jovem April Wheeler (Assombrosa atuação de Kate Winslet) que se sente em uma prisão sem muros. Uma clausura espiritual que pensou ter fim quando planejou uma vida nova em Paris. Os interesses de seu marido, Frank (o também fantástico Leo Dicaprio), se contrapõe quando consegue uma promoção no trabalho onde odiava trabalhar. Mas seria lógico deixar um bom salário para tentar uma incerta vida em Paris?

Talvez seja o ponto G do filme. Nesse processo de firmação do American Way Life essa pode ter sido o grande conflito vivido pelos americanos. Quanto valia a felicidade? Novamente Mendes da destaque a algum coadjuvante insano, no caso uma grande atuação de Michael Shannon, o jovem interno de um hospício, que parece ser o único que percebe que os planos de April são uma tentativa de se libertar. A ironia do título também é destacável, já que a rua onde moram é a “estrada revolucionária”, que no fim de tudo mostra que a revolução nunca aconteceu.

O que diferencia as obras é o teor na condução. Enquanto Beleza Americana é mais ácida e divertida, repleta de duplos sentidos, Foi Apenas um Sonho é mais cru, um melancólico desenho definhado de uma grande mentira. Talvez assim sejam por um representar a ascensão e o outro o declínio do estilo de vida sacralizado pelas propagandas políticas americanas.

O que as tornam semelhantes são as excelentes atuações do elenco, e a força tarefa de Sam Mendes para provar que os americanos viveram em uma grande fantasia por décadas, e que não há uma maneira certa ou errada de se conduzir a vida. Além de tudo nos coloca no centro da discussão, fazendo-nos tentar imaginar se nossas vidas seriam melhores se fizéssemos o que gostamos mesmo com dificuldades, ou se conseguíssemos um padrão de vida bom, mas fadados ao vazio até o fim da vida.

Beleza Americana (American Beauty, 1999), dirigido por Sam Mendes, roteiro de Allan Ball. Com Kevin Spacey, Annette Benning, Chris Cooper, Peter Gallagher, Mena Suvari, Thora Birch, Allisson Janney e Wes Bentley. 121 min. Vencedor de 5 Oscar (Filme, diretor, ator – Spacey, roteiro original, fotografia)

Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, 2008), dirigido por Sam Mendes, roteiro de Justin Haythe baseado na obra de Richard Yates. Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio, Michael Shannon, Kathryn Hahn, David Harbour e Kathy Bates. 119 min. 3 indicações para o Oscar (Ator coadjuvante – Shannon, direção de arte, figurino)

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