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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Birdman (2014)


Birdman ou (A inesperada Virtude da ignorância, 2014)
Direção: Alejandro González Iñárritu
Com: Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone e Naomi Watts
Nota: 9

Pra quem acompanha meus textos aqui no Blog, sabe de toda minha mecânica em querer distinguir os dois tipos de seguimento da sétima arte. Filmes para apenas entreter (os chamados blockbusters) e outros que sempre dizem algo a mais, seja numa reflexão atual ou um drama da vida real. É justamente este tipo de paralelo que entra na linha tênue de Birdman, mais novo sucesso do talentosíssimo Alejandro González Iñárritu. Delineando a trajetória de um ex-astro do cinema de filmes de ação que agora se vê tentando ingressar num outro tipo de trabalho para recuperar para si (ou seria para a mídia?) o sucesso de outrora. 

Partindo desta vertente, nos é mostrado o relevante questionamento sobre o que realmente quer os atores, produtores, diretores, críticos e o público, enfim, tudo que envolve o chamado show buzines. O que realmente vende somando-se ao que realmente satisfaz este mesmo público, cada vez mais ávido por novidades. Neste contexto, imagine como só como reage alguém que se mostra estagnado nos anos 90, ator de um filme só, como diz as críticas mais ácidas de quem quer destruir determinada personalidade. O alvo em questão é Riggan Tomson (Michael Keaton), um ator que alcançou o estrelato interpretando Birdman, um Herói de quadrinhos transposto para as telas. Depois que se recusa a fazer a quarta sequência da franquia, Riggan se perde em meio a evolução tecnológica e cinematográfica, deveras ingrata com quem não sabe aproveitar as oportunidades que lhes são oferecidas com o intuito de elevar a popularidade nesse mundo ao qual transita. A coragem do protagonista em se negar a continuar fazendo um único papel é louvável, mas não o exime de arcar com as consequências de sua decisão. 

Riggan resolve então provar que é algo muito além de um uniforme de pássaro e grunhidos estridentes. Assim ele vira o protagonista e diretor de uma peça na Broadway. O filme todo gira em torno dos preparativos para a estreia dessa mesma peça. Aí é que entra em cena de forma mais visceral tudo que cerca os famosos bastidores da Broadway, local sagrado para quem quer se aventurar em se tornar um ótimo intérprete. Este terreno sagrado para alguns críticos, desperta a fúria dos mesmos que julgam qualquer tentativa de alguém se aventurar por este seguimento, sem nem sequer ter tomado nota da realização da mesma. Esta é uma das pertinentes questões levantadas pelo filme. Ao simplesmente pensar no ambicioso projeto, Riggan despertou o ódio de uma dessas colunistas críticas do Times, com “cara de quem lambeu a bunda de um sem teto” e que se acham Deuses ao ponto de ascender ou destruir carreiras. No primeiro plano, Riggan se mostra refém da necessidade de aprovação da mesma, criando um diálogo primoroso entre eles no bar que resume bem todo o filme.

Além de ter de lidar com este tipo de contratempo, como diretor da peça os problemas assumem outra face. Um deles atende pelo nome de Mike Shiner (Edward Norton), um ator da “moda”, com um ego lá nas alturas por arrastar multidões não apenas pelo talento. O algo a mais, o poder exterior por detrás de seus trabalhos, é o que considera essencial para se marcar terreno neste ramo. A dicotomia tempo, espaço e filosofia entre Riggan e Mike é todo o apuro da obra, colocando o talentoso Norton páreo a páreo com o antes questionável Keaton. É de ambos que emergem as mais memoráveis sequências como no embate verbal e depois braçal com um Norton só de cuequinha. Enquanto o ex-astro tenta manter a essência dramática da obra, o astro do momento vai na contramão, preferindo deixar a carga dessa essência em segundo plano, chamando para si os holofotes e tentando através de escândalos catapultar a peça de Riggan. 

As sub-tramas do filme traz todos os elementos icônicos deste mundo. A atriz com sonhos de ascensão na carreira é papel de Naomi Watts, que aqui mais uma vez entrega uma personagem segura e até certo ponto saudosista, pra quem se lembrou de Cidade dos Sonhos de David Lynch, o qual protagonizou com direito a um beijão na colega Andrea Riseborough. O produtor ambicioso e “carniceiro”, coube a um surpreendente Zach Galifianakis, que acostumado a fazer comédias, deu o ar da graça com muito humor ácido e frases de efeito que lhes exigiam o papel. Emma Stone vive Sam Tomson, a filha de Riggan, que passou um tempo na reabilitação por uso de drogas fruto da distância que o sucesso do pai no cinema lhe proporcionou. A atriz nas vezes que dá o ar de sua graça, não deixa a desejar com as nuances de sua personagem. Que de filha revoltada, amargurada passa no fim, a admirar o pai e seus saltos ambiciosos. A expressão e o olhar de Emma é algo que marca sua interpretação, que em nota pessoal, é a melhor coadjuvante do ano. Categoria a qual concorre ferozmente este ano. 

E por falar em aspirações ao Oscar, Birdman se tornou o favorito por levar pra casa vários prêmios do circuito. Em algumas categorias têm grandes e reais chances de levar alguns prêmios, e um deles é o de melhor ator. Michael Keaton prova a expressão “caiu como uma luva” quando interpreta um personagem que se funde com ele mesmo. Riggan é Keaton nos anos 90, o mesmo que protagonizou o popular Batman, e que depois desapareceu dos sets de filmagem mais relevantes e Birdman é Batman, o personagem que lhe deu popularidade. Na tentativa de buscar algo diferente em sua carreira, Riggan nos dá a chance de vivenciar os dois lados da moeda. A negação e a aceitação. Mote que só mesmo a sensibilidade de um diretor acostumado a mexer com as densas emoções humanas pode se fazer acertar.

Birdman e Riggan: choque de identidades

Iñárritu entrega para os amantes do cinema elementos de uma grande obra com esta temática. Embora muito desses elementos não sejam tão explorados a fundo, a proposta de uma narração mais subjetiva (através da voz interior de Riggan) se faz de maneira soberba. Com uma mensagem atual, crítica abalizada sobre as distinções entre Hollywood e Broadway, excelentes interpretações que rendeu ao filme o Elenco do Ano, diálogos diretos e ritmo coeso, Birdman fica marcado como o filme do Keaton, mas isso não o torna pequeno, menor, apenas se valeu (e muito) de sua proposta. Por isso não se trata de um filme superestimado, apenas de uma visão crítica mais íntima a despeito do mundo das celebridades de teatro e cinema, que sabemos tem uma dimensão bem maior e múltiplos focos. 

A metalinguagem pode não agradar a gregos e troianos, mas não se pode dizer que a ousadia neste ponto não valeu a pena, afinal, o cinema ainda é isso. Se libertar de pragmatismos, do lugar-comum e tentar cada vez mais alçar voos originais. 

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