The Wolf of Wall Street (2013). Dirigido por Martin Scorsese. Com
Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Jean Dujardin, Rob Rainer, Jon
Favreu, Jon Berthal, Kyle Chandler e Matthew McConaughey.
Nota: 9,4
O que diferencia um gênio de
pessoas comuns? Não é uma simples habilidade de fazer o extraordinário e sim a
capacidade de transformar algo simplório em monumental. E é isso o que faz Martin Scorsese com a
autobiografia de Jordan Belfort, um corretor da bolsa de valores de Wall
Street, que, usando de muita desonestidade e astúcia se torna capaz de ganhar
milhões de dólares em horas. O tom de deboche atenuado obriga o diretor a se
reinventar, usando de todo o know-how que angariou durante todos estes anos. E,
claro, conta com a melhor atuação da carreira do grande ator
de sua geração para elevar seu filme ao patamar de obra de arte.
O que torna desafiador encarar O
lobo de Wall Street não é o palavreado chulo, as situações de mau gosto, o
consumo excessivo de drogas, o sexo e nem suas três horas de duração. Para quem
acompanha o cinema de Scorsese o que causava certo temor e ao mesmo tempo
euforia, é a oportunidade de ver algo diferente do que sempre se acostumou
fazer, ou seja, despejar estudos comportamentais quase em primeira pessoa,
intimista e violento, assim como o fez em Taxi
Driver (76), A Última Tentação de
Cristo (88) e Os Infiltrados (2007).
Agora era um projeto que não caberia sua mão pesada. Tudo bem que seu último
trabalho, A Invenção de Hugo Cabret
(2011), foi brando, mas ainda assim apresentava as características
consagradas do velho “Scorsa”.
Quando Leonardo DiCaprio “venceu”
seu amigo Brad Pitt não briga pelos direitos do filme, Scorsese já sabia que
ele seria o homem, que seu parceiro da última década confiaria nele para que
esse ousado filme saísse do papel. Terence Winter, acostumado com gangsteres
da TV (A Família Soprano e Boardwalk Empire), assumiu o roteiro, assim nascia O
Lobo de Wall Street, um épico moderno de ganância. Onde saem os capangas, as
armas, o tráfico de drogas e bebidas, entra apenas o produto final de tudo
isso: o dinheiro. Mas, ao contrário do que alguns deram a entender, não há
glamourização, parcialidade, é apenas uma história sendo contada, por mais
absurda e ofensiva que seja.
A saga de Belfort ao Olimpo da
riqueza, da luxúria, da infâmia, passa pelo aprendizado, de praxe, com um
mestre canino, imoral e irresistível na ponta incrível de Matthew McConaughey.
A escalada começa. O lobo encontra o parceiro para formar a alcateia. Desajeitado,
idiota, viciado. O Donnie do ótimo Jonah Hill é obsceno, sarcástico e
inconsequente, mas é um bom aprendiz. Com seu auxílio, Belfort cria sua própria cartilha, um
estatuto da pilantragem, uma seita de adoradores do dinheiro, do luxo, do capital.
Cavaleiros do apocalipse capitalista, dos quais suas ações surtiriam efeito alguns anos à frente.
E mais drogas, e mais sexo. Sim, no mundo das aparências, tudo se vende e tudo
se compra. O bem estar através dos entorpecentes e mulheres sempre esteve e
sempre estará em alta no mercado. Nesse mundo não existe espaço para família,
amor, respeito, só há as cifras, as ilusões.
O trabalho de Scorsese se torna
ainda mais impressionante quando começamos a querer comparar seu Lobo com
outros de seus filmes. À primeira vista pensamos em O Rei da Comédia (82). Não! Às vezes captamos o bom humor de Os Bons Companheiros (90), outras a
insanidade de O Aviador (2005), e até
a cobiça de Casino (94), mas aí se
percebe que não é nada, ou melhor, é tudo, novo, uma reinvenção, uma contravenção
de tudo o que sua aclamada carreira já nos proporcionou. Só constatamos que
ainda se trata do mestre em sua direção segura, crua e sem floreios. Apesar de
comédia, O Lobo de Wall Street ainda bate forte na cabeça, sem violência,
apenas na forma como empurra goela abaixo dos americanos que sua própria
ganância os fez idiotas. Fazê-los rir de sua própria desgraça.
Para finalizar, o dono do
projetor, o lobo em pele de cordeiro, no centro de todos movimentos está
Leonardo DiCaprio. Sóbrio, ignorando a perseguição da câmera e as nauseantes
incursões da edição de Thelma Schoonmaker pelo frenesi surreal do mundo de Wall
Street. Um mescla absurda, um Calígula com requintes de Charles Foster Kane,
sadomasoquista, insano, mas sincero. Um ator completo, que precisava provar
para todos e para si mesmo que era capaz de chegar a um limite, de condensar
drama, comédia, melancolia, desespero em um só personagem, sem ser hiperbólico,
sem querer ser maior que o filme. Sublime, formidável, uma declaração de amor
ao mestre e parceiro, um agradecimento por tornar seu desejo realidade.
Martin Scorsese, que já fazia
parte dos maiorais acabou por provar que ainda é capaz de surpreender, de fazer
rir, de chocar, de ser o mesmo e de ser o novo. Os hipócritas puritanos se
incomodaram, excomungaram, o acusaram de exaltar o bandido, e de nada adiantou.
Nasceu uma obra-prima, de coragem, subversiva, hipnótica e imperdível.Viva o cinema de verdade!!!
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