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sábado, 19 de novembro de 2016

Carrie: uma estranha quarentona com tudo em cima



“Vocês pararam para pensar que Carrie White tem sentimentos?” A questão colocada em voga durante um sermão da Srta. Collins é o que move o roteiro de Carrie, a estranha, um dos maiores clássicos do cinema. 

Ao tentar proteger uma de suas alunas de um tipo nocivo de discriminação, o chamado bullying dos dias atuais, sua atitude perpetuou as razões de um grupo de garotas más que não suportavam a “estranheza” de Carrie Whitte, uma garota de feições apagadas, tímida, isolada em seu mundo particular e com a forte atenuante de possuir poderes tele cinéticos.

O colegial sempre foi um avatar de inspiração para autores que escrevem especialmente para o público adolescente. E para o multitalentoso Stephen King não foi diferente. Para escrever o livro que deu origem ao sucesso cinematográfico de 1976, o autor se inspirou na figura real de duas garotas que conheceu na cidade onde morava. Tímidas, recatadas, vivendo em seu modo particular, sendo que uma delas tinha uma conturbada relação com a mãe, fanática religiosa. King observou atentamente a relação destes elementos, que culminou com o suicídio de uma destas garotas. 

A forma trágica do desfecho de uma de suas fontes, não o impediu de criar uma personagem que se encaixasse perfeitamente no âmbito dramático deste mundo tão fascinante, mas às vezes tão cruel de nossa realidade. Como figura central deste turbilhão, está Carrie, uma garota que severamente oprimida pelos atos fanáticos de sua mãe, deixando minar sua personalidade e o modo como age ao tentar se encaixar no mundo a qual inevitavelmente deve pertencer. 


Carrie simboliza todos os adolescentes que tem dificuldade em se adaptar a este mundo bem como demonstrar sua verdadeira essência para escapar das inúmeras armadilhas que ele proporciona. A garota que se assusta durante um banho após a primeira menstruação, e que por isso é vítima de uma crueldade psicológica jamais vista no cinema, aos poucos rompe o cordão umbilical com a mãe, Margareth White, se transformando numa moça audaz capaz de desafiá-la. A fim de realizar seu desejo de ter uma vida como qualquer uma, a moça vai ao intrépido baile com um acompanhante “encomendado” por uma de suas colegas. E o que se vê depois é a realização de uma das profecias da mãe. 

”Todos vão rir de você”, a frase dá ênfase a uma das cenas mais clássicas da história, o horror do baile. Depois de subir no palco para receber a coroa de Rainha de Baile, Carrie é molestada por um balde que jorra sangue de porco sob sua cabeça. A partir daí se dá a inserção dos elementos sobrenaturais para expressar a dor e a frustração sofridas pela personagem num momento tão vulnerável de sua condição como mulher. E é neste momento que as sequencias complementam um dos momentos mais memoráveis do cinema. 

A metáfora utilizada pelo autor para tratar de exclusão social, os aspectos religiosos, o melodrama, o horror, são tópicos que colocam a adaptação do diretor como algo inclassificável como gênero cinematográfico, e como um dos filmes mais bem adaptados para o cinema protagonizado pela talentosa Sissy Spacek. A segunda versão em 2002 protagonizada por Ângela Betis trouxe algumas passagens interessantes contidas no livro que não foram utilizadas pelo diretor nesta versão. Uma forma de aproximar os jovens dos anos 2000 dessa história não datada. Mas se a intenção foi digna de aplausos, a realização terminou como uma obra muito caricata e infantilizada para o público alvo. 

Em uma nova tentativa, onze anos depois, deram a Carrie o rosto de Chloe Grace Moretz, e por essa escalação, o filme já perde boa parte de sua credibilidade. Chloe é linda demais pra ser vítima de qualquer bullying de garotas menos atraentes fisicamente. O filme mal conduzido com atuações mecânicas, mesmo contando com a excelente protagonista e a super talentosa Julianne Moore, só funcionou na parte técnica da noite do baile, o que foi favorecida pela evolução do tempo. Mas em vista do impacto, ainda prefiro o de 1976, pois ali pelo menos Carrie era humana, e não uma mutante potencialmente recrutável por Charles Xavier como mostrada neste desastre último. 

Contudo, pecados são reparáveis quando se trata de homenagear um dos maiores ícones do cinema mundial. Quando se trata de algo bem maior e mais contundente em seu objetivo final. Uma obra inesquecível que o sucesso instantâneo tornou Cult, aquela que nunca morre. Continua estranha e bem atraente no auge de seus 40 aninhos. 

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